Por Pedro João
Antigamente, Sam Porto achava que não levava jeito para ser modelo. “Meus pais sempre apoiaram a ideia. Eu e minha irmã somos muito altos, mas eu achava que teria que explicar muita coisa para o pessoal do mercado. Imaginava que ninguém entenderia direito como lidar com um modelo que é homem trans”, explica o jovem de 25 anos no backstage do desfile da Korshi, marca participante do Projeto Estufa que o escalou para seu casting e o colocou de peito aberto na passarela, com suas cicatrizes à mostra em uma imagem de impacto. Antes disso, ele já tinha passado pela apresentação da Ellus, no centro de São Paulo, na praça em frente ao Farol Santander, durante o desfile que abriu este SPFW.
“Não imaginava que as coisas poderiam dar tão certo”, confessa. “Eu comecei nessa vida de modelo fazendo trabalhos sem a intermediação de uma agência. Bem informalmente. Depois, encontrei o pessoal da 3 Models, de Brasília e a coisa começou a engatar. Em São Paulo, quem me descobriu foi a ROCK e eles me disseram: ‘vamos tentar de colocar na semana de moda, você topa?’ e eu, obviamente, mergulhei de cabeça nessa ideia.”
Apesar da pronta disposição para encarar os castings e as provas de roupas, Sam estava igualmente preparado para se frustrar ao receber resultados negativos. “Eu estou muito feliz e muito ansioso. Não consigo acreditar que tudo isso está acontecendo”, disse o modelo depois perder as contas de quantas marcas fecharam com ele nesta temporada. “São sete ou oito, não sei… Dá para acreditar?” Para além disso, ficou surpreso ao perceber que muitos dos seus medos não se concretizaram. “Imaginava que os estilistas me leriam como ‘andrógino’, ficava aflito pensando que poderiam me colocar na fila feminina, que não respeitariam a minha identidade”, disse. “Essa alegria toda também vem do fato de que eu percebi que tenho um espaço aqui. Ele existe e eu posso ser eu!”
Em Brasília, Sam é tatuador. “Por hora, joguei tudo para o alto. Larguei tudo para vir para cá e apostar na carreira de modelo. Ainda estou indo e voltando entre uma cidade e outra conforme os trabalhos vão aparecendo. Estou aqui há dois meses nessa missão de conseguir fazer o SPFW e agora só volto quando ele acabar.”
“Na agência, a gente teve uma conversa importante. Eles me disseram que queriam me vender como modelo masculino, como homem. Claro, é o meu lugar, mas acho crucial carregar o trans no final. Eu sou homem trans, não sou cis e quero deixar isso em evidência, levantar essa bandeira”, declara. Internacionalmente, 2019 está sendo um bom ano para os modelos homens trans. O norte-americano Nathan Westling teve sua transição acompanhada publicamente em março e, em fevereiro, Finn Buchanan desfilou para a Celine. Krow Kian, por sua vez, fechou uma apresentação da Louis Vuitton e, de quebra, ainda estampou a capa de uma edição da L’Uomo Vogue.
“Praticamente não tenho referências de outros modelos de moda homens trans no Brasil. E isso precisa passar a existir. É muito importante. A gente também se veste e a roupa tem um papel enorme na composição da nossa identidade. É meio bizarro, se você parar para pensar, que estamos quase em 2020 e eu sou o primeiro modelo homem trans a desfilar no SPFW.”