Há algumas estações um nome está ganhando cada vez mais atenção. O russo Gosha Rubchinskiy, 31, com seu streetwear pós-soviético, inspirado e feito para os jovens que nasceram após 1991, ano que marca o fim da União Soviética (em 2010 o FFW já tinha falado dele aqui). Essa turma tem uma vida completamente diferente da de seus pais. Viajam mais, tem muito mais acesso a informação, estão sempre conectados com o mundo através de seus celulares.
Gosha parece estar em todos os (bons) lugares. De revistas conceituadas a multimarcas premium às passarelas de Paris e galerias de Londres, sua visão parte de uma nova cena que toma força na Rússia e passa por moda, skate e fotografia.
De Moscou, Gosha olha para o streetwear, gênero que surgiu como estilo de moda nos EUA, do ponto de vista de um russo e não de um americano, o que por si só já compreende um novo olhar.
Suas coleções são coloridas e trazem referências claras ao seu país, seja nas bandeiras, na cor vermelha, no alfabeto ou no grafismo. Os jovens que fotografa usam cadarços de tênis como cintos e as meias por cima de suas calças esportivas. É o oposto da Rússia sedenta por luxo.
+ Veja a coleção de Verão 16 de Gosha Rubchinskiy
Seu trabalho pode ser bem traduzido em apenas duas palavras: cultura jovem. Assim, ele está mudando o visual da moda jovem contemporânea, especialmente na Rússia, mas não só lá. Junto com outras marcas como Vetements, está redefinindo o streetwear.
Inspirado pela nova geração de subcultura da Rússia, ele faz um retrato fiel da cena street de seu país através de sua marca própria e diversos projetos independentes, como livros, fanzines e vídeos. “Quando comecei, estava interessado nos meus amigos skatistas e em seus mundos. Meu projeto era sobre eles e para eles e o streetwear é uma parte importante disso, como um uniforme”, disse ao site da Opening Ceremony, onde vende suas roupas.
Gosha adora observar as pessoas e seus comportamentos, especialmente seus amigos próximos, e procura tirar ensinamentos de qualquer encontro. “Tenho um grupo de amigos que cresceram comigo e são meus modelos. Nós passamos muito tempo juntos, como uma família, e eles me ajudam a me conhecer melhor. Mas também adoro conhecer gente nova. Todos que conhecemos na vida nos ensinam e nós também nos tornamos seus professores”.
Em seus desfiles, muitos de seus amigos participam e o resto do casting é feito agência russa de street casting Lumpen com a intenção de subverter a ideia da beleza que a Russia normalmente exporta, menos Natalia Vodianova. “É sobre os meninos da cena de clubes, os meninos que vão pras festas… São meninos reais”. E pessoas reais são fundamentais em todos oa âmbitos do trabalho de Gosha.
Sua primeira coleção foi lançada em 2008 com o nome de Evil Empire e já trazia elementos claros de esporte, especialmente atletismo, o ambiente dos vestiários, junto à cena noturna. “Dois anos depois todos os jovens de Moscou e São Petersburgo se pareciam com aquela imagem. Nós prevemos esse momento e agora é o principal estilo de street style na Rússia”, diz.
Gosha continuou trabalhando de maneira enxuta até que passou a vender na Dover Street Market. Ao longo de quatro coleções, sua marca fez boom! e as vendas aumentaram assim como os pedidos de diversas multimarcas espalhadas pelo mundo. Por ter uma grife pequena, que ainda não é lucrativa, ele encontrou dificuldades para produzir e entregar grandes pedidos a partir da Rússia. “Moda não é arte, é um business e eu não sou um businessman. Então pensei em deixar a moda e ficar só com a arte”. Entra em cena Adrian Joffe, presidente da Comme des Garçons e marido de Rei Kawakubo. Ao ficar sabendo das dificuldades de Gosha, ofereceu ajuda e hoje toda sua produção é feita na Comme des Garçons. “Foi um milagre. Estou muito feliz por ter um parceiro tão profissional”.
Assim, Gosha tem feito uma bela trajetória e é um dos nomes mais promissores da moda hoje. Pensar que ele nunca estudou moda e vem de um país no qual, antes dos anos 90, não se falava em cultura jovem. Onde jovens mulheres vaidosíssimas se montavam (e ainda hoje) com maquiagem, peles e saltos altíssimos logo às 7h e praticamente não havia espaço, demanda nem desejo pelo streetwear.
Inspirado pelas transformações que ocorreram na Rússia após o término da URSS, Gosha construiu uma visão clara que permeia todos os seus projetos. Vale destacar seu trabalho como fotógrafo, tão bom quanto o de estilista. Na verdade, um complementa o outro, nascidos de uma mesma maneira de enxergar a vida. Suas fotos, que vemos em livros e zines, fotos são um retrato belo e verdadeiro da cultura jovem da Rússia, mas que encontra ecos em tantas outras capitais.
O zine Crimea/Kids (Idea books) foi lançado com uma tiragem pequena, de apenas 300 cópias, todas esgotadas no mesmo dia do lançamento em uma conversa aberta ao público no ICA (Institute of Contemporary Art) em Londres. O livro mostra skatistas adolescentes e suas expressões, tão puras quanto tristes e fortes.
“Transfiguration Book” foi fotografado em 2012 em São Petersburgo no lugar onde seria o futuro prédio do projeto de arte de Dasha Zhukova, com containers pra lojas pop-up e residências artísticas. O livro é lindo e mostra imagens de estátuas antigas ao lado de suas fotos, em composições que mostram uma conversa entre o velho e o novo, o estático e o vivo. E assim como os rostos das estátuas, os de seus amigos também passam uma ideia de atemporalidade.
Em outubro, Gosha lançou “Youth Hotel”, também publicado pela Idea Books. “É sobre a cultura jovem. Para mim, ela é como um hotel, um pedaço do tempo. Você pode passar uma parte do seu tempo lá, mas tem que seguir em frente, você cresce. Os jovens tem novas ideias e um novo olhar para o que é normal, é por isso que sigo eles e também porque eles rendem meus melhores retratos. Pra mim, esse livro representa uma geração de esperança, é o futuro da Rússia”.
Seu interesse por fotografia começou na escola, influenciado por revistas russas como OM e Ptucg, similares a publicações como a “Dazed”. “Eu queria aparecer nessas revistas, então pensei que um jeito de eu estar lá era fazendo styling e fotografia”. Quando conheceu um grupo de skatistas, eles se tornaram seus heróis e grandes influências. E hoje Gosha inverteu os papeis: ele é a influência da cena jovem que emerge na Rússia. E já apareceu na “Dazed” muitas vezes.
A década de 90 serve como inspiração, não apenas estética, mas como um estilo de vida. “Foi um período incrível. Hoje, a vida na Rússia é mais confortável nas cidades grandes e os adolescentes são como qualquer europeu. Mas há uma crise de ideias. Não há aquela paixão que experimentamos nos anos 90. Tudo se parece, é um tédio. Tenho receio de quem passa todo seu tempo nas redes sociais, o que acho estúpido. Você tem que direcionar sua energia para fazer algo que realmente ama e tem vontade”.
Gosha é o estilista russo mais conhecido internacionalmente. Tem fãs e revendedores espalhados pelo mundo e, claro, está na antena de estrelas pop antenadas. No Grammy deste ano, A$AP Rocky entrou no palco com um look seu, conhecido como “Flag Hoodie”, da coleção de Inverno 15. Ele também já colaborou com a Supreme e com a Vans. “Quero mostrar coisas legais que podem conectar as pessoas de países diferentes, como Rússia e EUA e o skate é uma delas”. Gosha pode se inspirar na Rússia para contar suas histórias, mas a imagem final atravessa fronteiras, é fresca e universal.