Por Pedro João
Em 2019, Fernanda Yamamoto teve gêmeos, completou 40 anos de idade e uma década de ateliê. O ano, para ela, parece ter uma aura mística e, por isso, achou bom comemorar a coincidência desses números da melhor maneira que pode: criando um desfile. Assim, a estilista resgatou, pelo menos, uma peça de cada coleção apresentada até hoje por sua marca. Ao todo, foram 450 itens selecionados sendo que mais de 300 deles foram desmanchados e recriados para dar a luz a apresentação que aconteceu no SPFW N48.
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“Tem look em que a gente usou 11 casacos para fazer um casaco totalmente novo. Tiramos a gola de uma peça para colocar em uma posição diferente em outra. Tentamos aproveitar os detalhes de maneira diferente da que eles foram anteriormente arquitetados. Foi preciso certo desapego para dar adeus a todas essas peças de acervo, mas, ao mesmo tempo, foi lindo rever toda essa história e perceber que ela ainda pode criar novas narrativas”, explica Fernanda em entrevista ao FFW. Para executar esse intrincado trabalho criativo e extremamente manual, ela contou com vários colaboradores renomados.
Para começar, Augustina Comas (designer especializada em upcycling e amiga de longa data de Fernanda) ministrou um workshop de upcycling pelo qual toda a sua equipe passou. Além dela, outros quatro nomes assinarão um look cada. Eles são Suzana Fernandes (especialista em tricô), Gabriel Pessagno (“que faz uns bordados maravilhosos”), Nino Cais (artista plástico) e Daniel Corsi (arquiteto e marido da estilista).
“Acho que quando a gente traz outros olhares para esse processo, estamos elevando o potencial do que estamos fazendo”, confia Fernanda que também conta com a participação da japonesa Reiko Sudo, da Nuno Textiles, nesta coleção. Ela fez alguns tecidos com desenhos inspirados no Brasil que foram retrabalhados. “As peças, logo depois do SPFW, ficarão brevemente expostas na Japan House”, avisou.
Se quando entrou para o line-up da principal semana de moda no país a designer não estava no radar do público do evento, hoje Fernanda é uma das poucas estilistas que segue fazendo um desfile 100% conceitual. A ideia de ir na contramão de uma roupa descartável e de aproveitar o espaço do desfile para desovar seus impulsos criativos encaixou-se perfeitamente com a estratégia de apresentar-se somente uma vez por ano.
“Dessa vez, pulamos duas temporadas. Faz quase um ano e meio que estou sem desfilar. Mas é porque estamos preparando algo que é muito especial. Acho que foi uma medida muito acertada. Lembro que fiz um desfile às pressas uma vez e o resultado ficou muito longe do que eu almejava. Não tinha trabalho manual, não tinha nada de mim. Foi aí que percebi que era hora de mudar essa estrutura.”
Quem olha para as roupas de Fernanda na passarela – que ficam no limite entre a moda e as artes plásticas – não imagina que, na verdade, a estilista tem uma formação no mundo das exatas. “Eu não sabia direito o que queria fazer da vida aos 17 anos. Então acabei entrando da Fundação Getúlio Vargas. Fiz administração de empresas”, revela. O plano era ficar com o negócio dos pais, uma fábrica de confecção de utilidades vendidas por catálogo. No entanto, seu interesse pelo desenvolvimento dos produtos deu espaço para que aflorasse dentro dela o desejo por usar a moda e esses conhecimentos em favor de sua auto-expressão.
Depois, ela fez uma série de cursos e, hoje, ela tem uma marca que funciona: faz duas coleções comerciais por anos, tem uma loja na Vila Madalena, em São Paulo, e apresenta uma vez por ano um desfile no SPFW. “Curiosamente, esse background me ajudou muito. Acho que se eu fosse fazer uma faculdade hoje iria para as artes, sem dúvida”, disserta a respeito do equilíbrio entre essas suas duas facetas. “Eu encontrei o meu caminho. Não sou uma marca grande e não desejo ser. Não quero ter que abrir mão das coisas em que acredito.”