Desfile da Prada, em Milão, em cenografia que dava a sensação de estar em um bunker ©Juliana Lopes
Estamos todos no subsolo enquanto uma guerra acontece lá em cima. Esse era o sentimento que pairava no desfile da Prada na quinta (20.02), lançamento da coleção Outono-Inverno de 2014/2015. Como o que já vimos de um filme de guerra, onde as pessoas mais abastadas conseguem viver um bizarro glamour, escondidas num bunker, ignorando as bombas que devastam o país. Será que Miuccia ironiza a crise europeia que, sim, está devastando o bem estar social do continente? O paradoxo entre o crescimento da pobreza paralelo ao crescimento do mercado de luxo? A superioridade econômica alemã? Não são só essas dúvidas que nos intrigam. A cada desfile da Prada, o movimento mental de quem assiste, se atento, é atormentado por uma profusão de sinapses. Quem veio primeiro: as formas de cada peça ou o styling total? O tecido ou a sobreposição? A cor ou a textura? O final ou o começo?
Mas voltemos à experiência do bunker de Miuccia: o estúdio criativo AMO criou esse espaço de desfile para que cada espectador se sentisse numa performance teatral. Nos comunicados oficiais da Prada não existe, de presente, como sempre, uma explicação de referência, inspiração, esses itens que combinam mais com material de marketing. Eles falam com quem entende e pronto. Mas a marca quis deixar bem claro a escolha dos intérpretes musicais, como a atriz que cantou ao vivo no desfile, Barbara Sukowa, alemã, protagonista de “Lola”, de Fassbinder, e de “Europa”, de Lars von Trier. Foi acompanhada do grupo de músicos L’Usignolo e um grupo de violinos e violoncelo. A passarela era de um piso de carpete acinzentado e foi construída mais alta do que o chão. Os convidados ficavam embaixo, fazendo parte da cena. Em torno, toda a área de desfile era envolvida por uma parede de rede metálica. Parte da plateia assistia (incluindo jornalistas brasileiros e o FFW) o desfile de cima, num segundo andar, como uma ópera.
Quando a atmosfera dessa sala-bunker de desfile começa a se formar, eis que os looks entram confirmando tudo: foi-se aquele lirismo solar, ainda que sarcástico, da última coleção. As mulheres agora vieram em atitude rigorosa, com cabelos colados na cabeça e coque. Batons vermelhos. Casacos pesados e “importantes”, como dizem os italianos. Saias no joelho, vestidos levíssimos por baixo do peso dos casacões (que davam uma pitada de cabaret). A escolha de cores que confirma a “tragédia”: vermelho, roxo e preto, principalmente. E ficamos nessa espera por algum Hitler que venha ali atrás, ou de uma revelação de que estamos numa coreografia de Pina Bausch.