Você deve conhecer a voz de Clara Lima, até antes de conhecer seu trabalho como stylist. Atual stylist da popstar Anitta, Clara foi integrante da primeira formação da banda Cansei De Ser Sexy e em 2003 escreveu, com Carlos Dias, o hit Superafim (Sapatênis de vinil/Bolsinha baguete/Luvinha de pelica/Você não me esquece!/Lesbian chic/Sapacaxa do Agreste/ Superafim superafim superafim de mim!) quando a banda estourou. “Menina, eu sou muito sua fã e sabia cantar a música toda”, confessou Anitta quando as duas se conheceram.
Clara, que é natural de São Carlos, interior do estado de São Paulo, se mudou para a capital aos 18 anos para fazer faculdade de moda e logo no segundo ano começou a trabalhar com o stylist Marcio Banfi na extinta revista Simples e com o artista plástico e stylist Maurício Ianês, responsável pela imagem de todos os desfiles de Alexandre Herchcovitch. Logo em seguida começou a assinar sozinha os desfiles de amigos como Adriano Costa, Raquel Uendi, Amonstro e Jefferson de Assis, que faziam parte do projeto Hot Spot.
Mas o palco sempre foi o universo de maior interesse de Clara, desde a época do Cansei, em que ela emprestava roupa de amigos estilistas para vestir as integrantes. “Minha relação com moda tem a ver com palco e performance, mais que editorial de moda”, ela me conta em nossa conversa por Zoom que você lê abaixo.
Augusto: Como aconteceu a transição do styling de moda para o styling de celebridades?
Clara: Em 2005 me mudei pros Estados Unidos, fiquei sete anos fora, e lá fiz assistência de styling na GAP Japão, trabalhando com vários stylists renomados como o Karl Templer, o Mel Ottenberg (que foi stylist da Rihanna e é o atual editor de moda da Interview), era um trabalho bem comercial. Eu conhecia a Patrícia Zuffa, stylist da Ivete Sangalo. Em uma das minhas vindas ao Brasil a gente se encontrou e ela me convidou pra desenhar um vestido pro Festival de Verão de Salvador, em 2016. Eu voltei pra Nova York, comprei os tecidos, o vestido ficou lindo e a Ivete amou. Depois disso ela me pediu mais duas vezes para fazer looks. Daí a Zuffa me chamou para ser sócia dela para dividir com ela o trabalho com a Ivete, que exigia muito. Trabalhei com a Ivete por uns sete anos. Depois disso também trabalhei com outras garotas, como a atriz Leandra Leal.
Daí pintou um convite da Marina Morena para fazer o figurino da Anitta para o Rock in Rio em 2019. Ela amou e me pediu para fazer o Carnaval. E daí nossa relação começou. Mergulhei então nas performances e vídeos pra observar as necessidades dela, dos movimentos, pra criar uma identidade visual para as roupas de performance dela. Foi uma loucura o primeiro carnaval, eu quis fazer fantasias que fossem divertidas, que as pessoas pudessem replicar, e isso foi incrível porque comecei a ver as pessoas reproduzindo as roupas. Foi muito viral, fiquei muito feliz.
O que você acha que é mais desafiador ao criar imagem para uma pessoa pública?
É muito diferente. A Anitta, por exemplo, não funciona com coisa muito delicada, fofa, não é da personalidade dela. A mesma coisa da Ivete, ela não funciona muito com algo muito romântico, ela é feminina, mas forte. Tenho que realçar as características da personalidade de cada uma e o que elas querem comunicar. Ali, no meu papel de figurinista de show, eu tenho que pensar nos movimentos, facilitar os movimentos, pensar em como a música soa, a vibe, que parte do corpo a pessoa quer valorizar, brincar com proporções, alongar, diminuir, é todo um pensamento criativo que envolve vontades, gostos, histórias a serem contadas, os sentimentos de uma pessoa. Eu uso todas as referências de moda do que eu gosto, mas é um encontro de duas pessoas.
Enquanto fazer styling para um desfile ou campanha é muito diferente…
Exato. Claro que também existem as propostas e o encontro do meu universo com o universo da marca, o que ela quer comunicar, onde ela quer chegar, mas são outros métodos, outros objetivos.
O artista tem que ser agradado, uma marca tem que agradar ao cliente.
Eu tenho a maior liberdade para criar com meus clientes, mas geralmente numa marca existem as barreiras comerciais, de público, do mercado onde quer chegar, isso conta muito, não só a minha criação.
Como funciona o processo com a Anitta no dia dia?
A Anitta gosta de fazer parte do projeto desde o começo e se envolver em tudo, em todas as etapas do trabalho. Se é um vídeo ela se envolve na direção, se é um dressing ela sempre opina. Com ela, eu sempre procuro levar várias opções, eu preciso saber o mood dela, onde ela vai usar. Ela precisa de mais opções para escolher dependendo do mood dela no dia. Já para algo como o Carnaval, usamos sete figurinos. A gente teve a ideia juntas, mas ela solta na minha mão e daí opina, pede alguns ajustes e as coisas vão se transformando durante o processo, se sentimos a necessidade de um acessório…Na maioria dos trabalhos ela se envolve completamente, da direção de arte à edição, mas ela me dá muita liberdade.
Qual era o briefing dela pro Carnaval?
Ela já vinha com uma vontade de falar do universo gamer, desde o vídeo para Modo Turbo com a Luísa (Sonza) e a Pabllo (Vittar) e a gente já vinha trocando sobre isso. Daí eu sugeri de fazer o carnaval gamer e ela super topou. Na minha cabeça eu criei todo um cenário, eu pensei em cada dia criar um jogo da Anitta, mas ela queria mais a identidade do gamer, e daí a gente juntou as duas idéias, a do avatar e do jogador e criamos um mix disso.
Quantas peças você desenvolveu para o carnaval?
Fizemos sete porque o carnaval teve menos dias.
E para chegar em 7 looks você desenvolveu quantos?
Eu comecei a pesquisar no final de agosto do ano passado, uma pesquisa bem extensa, eu tinha tudo muito alinhado quando sentei com dois ilustradores para mostrar pra ela. Ecomeçamos a decidir o que íamos fazer primeiro. Comprei os tecidos de Los Angeles, daí quando o tecido chegou, ao ver na mão surgiram outras ideias, mas foi muito acertado, não fizemos mais looks não.
Vivemos um tempo de mudanças comportamentais e quedas de padrões, principalmente relacionadas à estética, corpos, muito impulsionado pelo espaço que as redes sociais abriram. Você pensa sobre isso ao criar?
Sim, eu penso sim. Assim como fiz no carnaval, que eu queria roupas que todo mundo pudesse reproduzir, eu usei lycras que esticam e que favorecem todo mundo, então o público poderia adaptar para seu corpo. Em campanhas publicitárias também tenho que trabalhar mais isso, mas ainda mais com a Anitta, como uma figura pública, isso aproxima o público. Eu sempre busco criar uma imagem que não seja tão inatingível, que não seja tão exclusiva, mesmo sendo glamurosa.
Que não distancia das pessoas…
Sim. Eu até estava vendo esses dias a nova campanha da Telfar, que eu acho maravilhoso todo trabalho e branding dele, da acessibilidade do que ele cria. É acessível tanto em termos de imagem como em termos de produto.
E como é trabalhar com a publicidade?
A publicidade é onde o trabalho do stylist é mais como um ghost, a moda nem sempre tem protagonismo. Geralmente é mais limitador, mas é necessário para os profissionais para que nossa carreira seja sustentável. Na moda posso ser mais criativa, mais vanguardista, mas o dinheiro não está necessariamente na moda e sim na publicidade, então é importante fazer um para possibilitar o outro.
Como você definiria sua assinatura no styling?
Eu gosto de criar imagens de mulher sexy e divertida.
Qual seu maior gol como stylist?
Eu gosto de tudo o que eu faço. Mas eu amo uma roupa de sorvete que fiz pra Ivete que eu olho e ainda fico ‘uau’. Eu também tinha o sonho de trabalhar com o Alexandre (Herchcovitch) quando eu entrei na faculdade e quando isso aconteceu foi uma realização. Eu aprendi muito com ele e com o Maurício em termos de acabamento, proporção, cores e preciosismo com os mínimos detalhes. E eu trago isso comigo até hoje.
Qual a melhor parte do trabalho de um stylist?
Eu gosto muito do começo, do momento da pesquisa, da criação da imagem e da finalização, apesar do processo também ser bom, mas imaginar e daí ver o resultado é o que mais gosto.
E a pior?
Todo trabalho tem alguma parte chata, por exemplo, em editorial de moda, fazer a devolução das produções, fazer orçamento e fechamento das contas, mas tem que fazer. E se for feito errado pode acabar com o trabalho.
O que você diria a um stylist que está no início de carreira?
Eu fui bastante privilegiada de conseguir trabalhar logo de cara com moda e com pessoas incríveis, pessoas bem exigentes e regradas. É importante saber que o trabalho todo em si não é fácil, nada é rápido. Com o fácil acesso à imagem, as pessoas não têm muita ideia do processo todo que existe pra fazer aquilo. Mas eu diria que ser assistente de alguém é muito importante, trabalhar mesmo, além de estudar, fazer cursos como os do FFWaprender, cursos livres de arte, assistir desfiles. E entender que tem a parte chata, carregar muita sacola, fazer romaneio, até você ter a sua independência e começar a gerar suas próprias imagens.