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    “FFWMAG” 39 analisa a epidemia do fast fashion
    “FFWMAG” 39 analisa a epidemia do fast fashion
    POR Redação

    *Por Vivian Whiteman

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    Arte que acompanha a matéria “Você tem pressa de quê?” na “FFWMAG” ©Heretic

    Inspirada numa epidemia social de pressa e imediatismo, a hiperaceleração nos tempos hipermordernos da moda bateu em cheio nos guarda-roupas e teve impacto até mesmo na logística das grandes maisons de luxo. Muito além das pechinchas oferecidas por cadeias de lojas espalhadas pelo mundo, a expressão fast fashion descreve um modo de operação, a própria estrutura de ação que a indústria da moda vem adotando na última década.

    “Vivemos num mundo em que temos de ser ágeis e rápidos. Meu acordo com a Chanel prevê quatro coleções por ano, mas eu faço oito. Não estou querendo mais dinheiro. Foi ideia minha ter seis coleções por ano no prêt-à-porter, porque a cada dois meses tudo pode ser mudado”, disse Karl Lagerfeld, o grande defensor do ritmo “velozes e furiosos” da moda, em entrevista ao site The Business of Fashion. Além de uma coleção Primavera/Verão e outra Outono/Inverno, ele assina a Cruise, a Pre-Fall e uma pré-coleção menor para cada estação na Chanel.

    Para completar a conta faltam as duas temporadas da alta-costura, sem contabilizar empreitadas menores, como os produtos criados exclusivamente para países e mercados específicos e o desfile anual Métiers d’Art, focado nas peças de ultraluxo artesanal produzidas pela grife. Lagerfeld ainda desenha para sua própria marca e para a italiana Fendi.

    Alber Elbaz, diretor de criação à frente da Lanvin, já defendeu as pré-coleções e a rapidez da moda, mas mudou de ideia. Entre as críticas, estão a produção de peças de luxo em países da Europa Oriental e na China e as demandas constantes para atender as tendências do minuto. “Pré-coleções são totalmente guiadas pelas tendências. ‘O que você quer? Uma saia reta. Por quanto? 400. Você precisa de uma bolsa? Certo.’ Isso não é trabalho de um designer. Por que o pessoal que cuida do business não desenha essas coisas?”, desabafou o estilista ao crítico de moda britânico Colin McDowell.

    A despeito das críticas de muitos de seus colegas, Lagerfeld parece conectado com os efeitos da revolução digital no modo de consumo. “Com a era digital, o ciclo de moda mudou, ou seja, o processo de adoção e rejeição de tendências, padrões e produção de roupas. O digital mudou principalmente o varejo, a mídia e o consumidor, que passou a demandar as coisas para ontem. Ele tem acesso ao que está na sala de desfile naquele minuto, então quer aquela peça já”, explica Carol Althaller, ex-diretora de conteúdo do WGSN para a América do Sul e analista cultural, com trabalho de consultoria para grandes empresas.

    “Tudo na sua sacola agora” foi exatamente o que a Burberry tinha em mente quando lançou, em 2013, um sistema de compras das peças de desfile em tempo real. Ou seja, a consumidora pôde não apenas ver e desejar para daqui a alguns meses, mas ver e comprar imediatamente após a apresentação. É um formato que mantém o “fast” com a qualidade e o preço altíssimo do “fashion” do alto luxo.

    Analistas de mercado entendem essa apropriação da velocidade como uma resposta, um contra-ataque ao fato de redes como a Zara e a H&M terem em suas araras “similares” dos modelos desfilados pelas grandes maisons antes mesmo de serem apresentados na passarela. “Essas cadeias de lojas decodificam as tendências e looks instantaneamente e deixam acessível ao consumidor, empoderando-o e o incluindo socialmente. É uma nova maneira de produzir moda. São mais do que lojas vendedoras de roupa, são difusoras”, completa Carol.

    O império contra-ataca

    O termo fast fashion ainda é mais ligado, é claro, aos supermagazines que estabeleceram seu império de roupas baratas e conectadas às tendências das grandes semanas de moda. A palavra império não é exagerada. Segundo a “Forbes”, a sueca H&M já ocupa o 31º lugar entre as marcas mais valiosas do mundo, muito à frente de grandes maisons de luxo como Prada e Gucci.

    A gigante nascida na Suécia tem cerca de 3.400 lojas pelo mundo. A Zara ultrapassa a marca das 1.800 e a Forever 21 contabiliza mais de 600 (e pretende dobrar esse número até 2017). Cada uma delas lucra bilhões por ano e tem dinheiro para, inclusive, contratar grandes nomes para assinar coleções especiais: de Karl Lagerfeld a Viktor & Rolf, passando pela recente parceria de Alexander Wang, todos já tiveram uma etiqueta com seu nome atrelado ao da H&M.

    No Brasil, só nos últimos meses, duas grifes importantes fizeram parcerias com magazines: Stella McCartney para a C&A e a badalada coleção da Versace para a Riachuelo, apresentada durante o São Paulo Fashion Week. A chegada da Forever 21 por aqui também causou furor: nas primeiras semanas de atividade, senhas foram distribuídas e as filas tinham de três a quatro horas de espera.

    Por trás dessas cifras e números monumentais está um batalhão ainda mais impressionante de consumidores ávidos por novidades. E eles não são decepcionados: milhares de mercadorias desembarcam diariamente nas lojas.

    Entre as possibilidades do alto luxo e a estrutura faraônica das cadeias de fast fashion, o setor do chamado luxo acessível, ao qual pertence a maioria das grandes grifes brasileiras, também teve de se adaptar.

    Na Iódice, marca comandada por Valdemar Iodice, a chave tem sido desenvolvimento de produto. “Fazemos sempre quatro coleções principais por ano, mas precisamos de novidades. No fim de janeiro, por exemplo, apresentamos no nosso showroom um ‘pré-verão’. Como o Brasil é um país continental e que tem poucos dias de inverno, apostamos em uma coleção mais fresh, que chega às lojas em maio e junho e que dá um fôlego para o lojista até agosto, quando ele começa a receber a coleção de verão”, diz o estilista e empresário.

    A marca existe desde os anos 1980, mas foi há menos de cinco que abraçou uma identidade mais definida, baseada num estilo sexy e com toques tropicais. Além disso, para driblar a concorrência, a Iódice acelerou o ritmo em algumas frentes: ampliou lojas, entrou para um dos maiores e-commerces locais, investiu em redes sociais e em minicoleções especiais, como as feitas para as festas de fim de ano e a do Dia dos Namorados. “Tem que seguir o ritmo do mercado, focar nas oportunidades. Mas é importante fazer isso de olho no produto e na estratégia. Acima de tudo, é preciso manter qualidade e identidade”, diz Valdemar.

    O estilista defende a agilidade e não reclama da necessidade de ampliar muito o mix de produtos, mas vê um limite no pique da aceleração: “Lançamos novidades toda semana, mas não temos a mesma proposta das fast fashion. É preciso certa moderação para a consumidora ter tempo de se adaptar, de entender as novas formas, cores, estampas, etc.”, conclui.

    Um exemplo de sucesso no modelo híbrido entre grife e fast fashion é a carioca Farm, uma das campeãs de vendas do shopping Iguatemi SP, que abriga muitas marcas de luxo. O segredo desse hit nacional está, sobretudo, no planejamento e na apresentação do produto: estampas exclusivas, setor de criação “made in Rio”, site e comunicação visual caprichadíssimos, “tiragens” limitadas, redes sociais hiperativas e ótimas sacadas de branding.

    Uma das últimas bolas dentro da grife carioca foi a parceria com a Adidas, que resultou em peças esgotadas em poucas semanas, com status de item de colecionador. Uma nova fornada da dobradinha, com produtos que custam até R$ 350, já está em pré-venda no site.

    Em meio a tanta novidade, as marcas também estão sendo pressionadas a rever seus padrões éticos. Os consumidores começam a desconfiar de roupas muito baratas ou de procedência duvidosa. Há sites e aplicativos que listam as grifes suspeitas de uso de trabalho escravo e que pedem boicote às grandes corporações fashion notadamente poluidoras. “Podemos fazer fast fashion com alguns princípios: entender que nossos produtores estão conectados num sistema ainda maior e pensar de forma coletiva, ser transparente com o consumidor. Monitorar e participar de iniciativas de tratamento justo com os trabalhadores e códigos de conduta honestos”, analisa Carol.

    Você tem pressa de quê?

    Mas, afinal, por que tanta fome de produtos, por que tanta pressa para ter novas roupas e acessórios toda semana, repetindo incessantemente o ato de consumo?

    O mercado tem suas respostas, que encontram ecos e raízes em análises do comportamento humano. “O filósofo, ensaísta e crítico alemão Walter Benjamin escreve em Passagens que a moda possui um caráter extraordinário para antecipar os desejos futuros, sejam eles da ordem do consumo, das convulsões econômicas, sociais e culturais, justamente por sua lógica ser a da repetição”, afirma Brunno Almeida Maia, escritor e pesquisador de filosofia da Unifesp.

    Maia acrescenta que a lógica do fast fashion – com coleções disponíveis no mundo inteiro ao mesmo tempo e multidões correndo atrás do último grito da moda – gera um sentimento de atraso e estagnação. Ou seja, no momento em que alguém compra a última tendência, ela já está ultrapassada. Além disso, o que se produz são exércitos de pessoas buscando um produto “diferente”, mas que acabam presas em looks massificados.

    “Parece-me que o impasse contemporâneo da moda seja este: quebrar o relógio e voltar ao tempo do artesanal, do especial e da diferença, ou deixá-lo devorando a ‘eterna repetição’”, diz Maia.

    Na próxima semana, leia sobre Slow Fashion

    Artigo escrito originalmente para a “FFWMAG” 39, disponível em bancas e livrarias e também através dos sites FFWSHOP e Livraria Cultura.

    + Mais infos sobre a “FFWMAG” 39

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