Por Lucas Dias, em colaboração para o FFW
O fim da temporada internacional de Verão 2020 marcou “oficialmente” (pelo menos no calendário das quatro cidades-polo da moda) o fim de uma década.
Muito se construiu e muito de desconstruiu numa década que foi carregada de inovações tecnológicas, tensões sociais, políticas e econômicas e que aparenta ter passado num piscar de olhos.
Os anos 2010 podem ser resumidos quase por uma falta de definição, onde a moda esqueceu de suas grandes tendências que eram seguidas à risca por estações, anos ou até mesmo décadas, e se voltou a uma busca pela individualidade, tendo o estilo próprio como ponto de partida. Essa busca incansável – que partiu do consumidor – atingiu veículos de imprensa, mudou a maneira de vender e até redefiniu quais marcas e designers dominariam o mercado do futuro.
Outra revolução inescapável dos anos 2010 foram as redes sociais: a era dos influencers – também atrelada a busca por individualidade – resultou em novas estratégias de marketing, revolucionou a maneira como marcas se comunicam com um público que age rápido, é altamente informado e exigente e gerou muita dúvida sobre quem são realmente os líderes de opinião do mercado. Mais ainda, as redes sociais também revelaram um novo olhar sobre a moda: o de um público que não é necessariamente consumidor de marcas de luxo, mas ganhou acesso e uma voz poderosa. As chamadas cancel e call out cultures ecoaram vozes de perfis no Instagram como Diet Prada e Vogue Turfu, que viralizaram a moda e levaram memes, fofocas e polêmicas da indústria muito além das salas de desfiles e veículos especializados. Com o avanço da internet e das redes, a moda passou mais ainda a ser uma indústria atrelada ao entretenimento.
O fim da década também define as duas palavras-chave que são inescapáveis para o futuro: diversidade e sustentabilidade. Enquanto a moda deu passos grandes em direção a extremamente necessária inclusão de corpos, idades, etnias e gêneros, esse esforço ainda é insuficiente. Apesar de recordes de diversidade em castings terem sido constantemente batidos e personalidades como Edward Enninful, Virgil Abloh, Adut Akech, Dapper Dan, Tyler Mitchell, Ashley Graham, Indya Moore e muitos outros alcançarem posições e níveis de influência nunca antes visto por profissionais negros ou aqueles considerados fora do padrão estético (inalcançável), ainda se vê muito pouca diversidade e igualdade em outras posições dentro da indústria, como as corporativas, por exemplo.
Link in bio— Same respect you showed me @bof @imranamed
Em um texto brilhante publicado semana passada, Kerby Jean-Raymond, diretor criativo e fundador da marca americana Pyer Moss, chama a atenção de Imram Amed, fundador e editor-chefe do Business of Fashion, que segundo o designer, usou nomes, personalidades e aspectos da cultura negra de forma inapropriada para promover o tema “diversidade” escolhido pela publicação ao divulgar sua lista das 500 pessoas mais influentes da moda e também durante um baile de gala em Paris. Ele nota porém, que os profissionais que representam essa diversidade ainda não ocupam os mesmos espaços e créditos que seus colegas brancos. E Kerby não está errado, é fácil notar a falta de diversidade na lista divulgada pelo site que, ao retratar os profissionais considerados estar no topo, reflete exatamente o problema que ainda é estrutural (você pode ler o texto de Kerby aqui).
O mesmo vale para o tópico da sustentabilidade. Vimos recentemente um grande número de grifes internacionais abandonarem o uso de pele e couros exóticos em suas coleções. A Prada anunciou recentemente ter encontrado uma nova maneira de produzir nylon 100% sustentável e que todos os produtos que usam o material (uma das especialidades da marca) serão feitos com o novo nylon até 2021.
Gucci e as demais marcas do grupo Kering tornaram-se carbono neutro, assim como as marcas como Louis Vuitton, Dior, Givenchy e Celine do grupo LVMH. A Burberry, após duras críticas, decidiu procurar soluções menos poluentes do que queimar as sobras de estoque. Por mais que tais mudanças sejam bem vindas e todo esforço em prol de um futuro sustentável seja válido, consumidores, principalmente os da geração Z que já representam (e representarão ainda mais) uma parte considerável do consumo de produtos de luxo, exigem que mudanças sejam feitas imediatamente e que ultrapassem apenas os discursos de marketing. Marcas de fast fashion como Topshop, H&M, Zara e Forever 21 também não escaparam: escândalos envolvendo direitos humanos, racismo e principalmente sustentabilidade foram inúmeros, influenciaram vendas e mudaram a mentalidade do consumidor.
Outro ponto importante que definiu e abalou as estruturas da indústria na última década foi o baque econômico e político que atingiu vários países como EUA, os países membros da União Europeia e Japão, causando uma descentralização desses mercados que antes eram foco para a moda. A década começou com a ressaca da recessão de 2008 que atingiu as grandes potências mundiais, que ainda se recuperam e se estabilizam lentamente, Vimos a China crescer e se tornar umas das economias mais fortes do mundo e se também o principal mercado e foco das grandes marcas de luxo, que abriram lojas a uma velocidade incomparável e tiveram que adaptar rapidamente suas estratégias de comunicação e marketing para o comportamento, mentalidade e cultura dos consumidores chineses. Outros países como Rússia, Mexico, Brasil e África do Sul, apesar de recessões e escândalos políticos, também expandiram sua influência mundial e viraram foco para algumas grifes. No Brasil, presenciamos a chegada de marcas internacionais, do fast fashion ao luxo, como Forever 21 e Balmain.
Intensos, imprevisíveis e revolucionários, os anos 2010 trouxeram uma nova mentalidade e reflexões importantes para a moda quanto ao seu papel e responsabilidades perante a sociedade e o planeta. Apesar do atual momento político, social e ambiental fazer o futuro parecer sombrio e incerto, podemos dizer que passos largos em direção de um desenvolvimento inclusivo, transparente e sustentável foram dados durante essa década. E essa mentalidade continuará, pois representa uma mudança de mindset e estrutural da indústria. Que a próxima década traga ainda mais evolução!