Muleke Doido é o nome da nova coleção de Petrvs Figueira, estilista paraense, de origem periférica, que já falamos por aqui e que faz parte de uma nova leva de criadores do Norte que foge do saturado eixo sudeste do país.
Nesse caso, Muleke Doido apresenta uma noção de um streetwear moderno, pensado para o clima tropical do Brasil e, mais especificamente, do Norte e suas altas temperaturas. Você já deve ter ouvido falar da máxima de que na Europa as pessoas são mais estilosas do que no Brasil, porque lá faz frio e aqui calor. Petrvs Figueira questiona esse conceito com seu Streetwear do Norte, apresentado na nova coleção, que ressignifica as referências regionais para criar designs divertidos e consistentes.
A linha streetwear é composta por peças básicas que trazem recortes
esportivos, texturas fluidas e volumetrias que reinventam o estilo casual.
Destacando a estamparia autoral, a cartela de cor traz tons terrosos, inspirados nas
casas de alvenaria, nuances de pele e tons cítricos que se combinam ao nylon
reflexivo e tecidos adequados ao clima da região como malharia, algodão e
tactel.
Muleke Doido é uma resposta debochada às discriminações que acontecem dentro das próprias comunidades, “transformando a pivetada em protagonista” conta. A realização é fruto do Edital Prêmio Vicente Salles de Experimentação
Artística 2021, promovido pela Fundação Cultural do Estado do Pará e Governo
do Pará.
Em conversa ao FFW, Petrvs nos conta sobre a nova coleção e seu streetwear abrasileirado.
Me conta um pouco sobre as inspirações dessa coleção e o “streetwear do norte”?
“Muleke Doido” é inspirada na minha infância, como oportunidade de falar sobre minhas origens na periferia, a capacidade do paraense de enfrentar as adversidades com senso de humor e trazendo uma dose de otimismo para o mundo pós-pandêmico. Vivendo em uma região sem indústria, é desafiador criar produtos mais competitivos e isso exige soluções difíceis ao mesmo tempo que me capacita. O resultado é uma construção cheia de referências amazônicas e cada vez mais funcional.
Acho que todo brasileiro já ouviu alguma fala sobre algo como o brasileiro não ser tão estiloso quanto os gringos por causa do clima. Sendo um estilista do Norte, o que você tem a dizer sobre isso?
Acredito que o brasileiro precisa priorizar outras necessidades antes do Vestir, como alimentação, transporte e saúde. Mas isso tem mudado com as possibilidades da roupa de brechó e o crescimento da busca por marcas independentes que fazem abordagens interessantes sobre as diferentes realidades do Brasil. Ahistória do Pará e a crítica social se tornaram um argumento muito relevante para meus clientes porque eles compreendem as intenções das coleções. A moda sem propósito está com os dias contados.
Na sua coleção, as estampas chamam atenção. Qual o significado e inspiração por trás delas?
Em Muleke Doido busquei resgatar aquilo que a rotina tinha me tirado, como desenhar. A estampa com rosto de moleques é inspirada em colegas da infância, com seus traços miscigenados, cortes de cabelo e o estilo malaco. Foi uma forma de retratar com carinho a identidade da periferia. E nesse universo onde efervescia as aparelhagens na década de 90, também combinei imagens que remetessem à potência das mesas e torres de som, utilizando cores neon e tecido reflexivo para evocar o visual provocado pelo techno-brega na Amazônia.
Você acha que a moda tem se aberto mais para os designers do Norte e Nordeste do país? O que falta para esse movimento ser mais efetivo?
Um pouco. O consumidor já percebeu o potencial e o valor criativo dessas regiões e graças à internet estamos conseguindo ter maior alcance. Porém, sem dúvida, precisamos de mais espaço nos veículos de comunicação locais e nacionais para aumentar nossa visibilidade e compreensão sobre o que fazemos.
Quem você acredita que é seu público alvo, para quem você cria suas peças e quem você gostaria de vestir?
Direciono aos 30 anos, jovens na idade e no espírito mas atinjo gente entre 20 a 60 anos na realidade. Crio pra pessoas que não se limitam à padrões e valorizam a expressão individual, ao mesmo tempo em que buscam o que revele sua visão política e ideológica. Visto pessoas que não aceitam mais o velho mundo sobrecarregado de aparências e preconceitos. Não é mais sobre a roupa, é sobre a existência.
Confira abaixo o Fashion Film da coleção Muleke Doido, que conta a história dos moleques, que numa tarde nublada, atravessam a cidade para reivindicar seu espaço numa sociedade que ainda os marginaliza. Ariscos, debochados, bonitos e destemidos.