Izabella Aurora Suzart, 26, é uma designer carioca que vem chamando atenção com sua marca consciente de sapatos, A-Aurora. Consciente não apenas porque busca trabalhar em uma escala baixa, artesanal e com materiais de qualidade e certificados, mas também ciente da história e da cultura de sua fundadora.
Foi Izabella quem criou os sapatos da estreia de Angela Brito no SPFW N48 – antes ela já tinha feito os calçados de Isaac Silva na Casa de Criadores.
A designer trocou os planos de estudar direito pelo design e ainda ganhou a mãe oficial de justiça como sócia. Seu pai também trabalha no Fórum, então aqui o que pesou foi a influência de seu avô alfaiate e sua avó costureira. Ela cresceu entre discussões sobre direitos humanos e tecidos e máquinas e esses dois lados juntos acabaram por formar o que é hoje a A-Aurora.
A marca tem uma estrutura pequena. Izabella trabalha no seu ateliê no Botafogo, no Rio, com mais um assistente, e em busca por mais qualidade e variedade, migrou sua produção para polos calçadistas como Franca e o Sul do país. “Os fornecedores são o coração e o desespero de uma empresa”, diz.
De seu escritório, ela conversou com o FFW sobre sua ainda jovem trajetória e como o encontro com sua ancestralidade moldou a marca que vemos hoje.
Como a A-Aurora começou? De onde veio seu gosto por design de sapatos?
Nasci em Madureira, em uma família muito ligada ao direito. A moda era um hobby que aos poucos foi se tornando maior na minha vida. Meu interesse era comportamento humano, como as pessoas se expressavam através da roupa. Passei na faculdade de Design de Moda na PUC, sempre fazendo conexões com arte e outros processos artísticos. Lá na faculdade conheci meu primeiro modelista e, com ele, ele comecei a testar produtos, entender linguagem e me interessar pelos processos artesanais. Em 2015 lancei a Aurora num esquema sob encomenda, entendendo como funcionava a gestão de uma marca e procurando fornecedores.
Você era uma jovem em começo de carreira. Como sua marca passou a ficar conhecida?
Quando fiz os primeiros produtos, chamei minhas amigas da faculdade pra mostrar. Eu achava que eles eram comuns e pra mim era muito banal. Elas ficaram assustadas de como eles eras diferentes e entendi que tinha algo que chamava atenção. Isso me fez entender quais pontos do produto chamariam atenção. Logo depois, fui chamada pelo MAM pra participar de uma exposição com designers que trabalhavam em madeira. Aí muita gente começou a conhecer a marca. Depois ainda fui chamada pra participar de um calendário internacional com os 365 sapatos mais criativos do mundo.
Quais materiais você usa?
Uso couro mestiço, pele de salmão, que é biodegradável e madeiras de reflorestamento, tudo certificado. Só tenho trabalhado com fábricas que têm certificados e esse já é um outro trabalho. Tem que pesquisar muito, há varias fornecedores com certificados que não eram os que eu precisava, com informações trancadas, então não é fácil, é uma baita pesquisa.
E quando você passou a atender por estoque?
Foi em 2017, quando mudei o modelo de negócios, fui pra estoque e foquei no processo criativo de um sapato como design único, partindo da minha cultura e da minha ancestralidade.
Como foi esse encontro com a sua ancestralidade e cultura?
Sempre digo que a A-Aurora me formou. No Brasil entender raça é muito complexo. Talvez é um dos lugares mais difíceis de se transitar. Quando estou em outro lugar, como na Espanha, me sinto muito mais livre. As nuances do racismo sao diferentes. No Brasil, a princípio é misturado, mas na verdade é segregado. O país inventou soluções pra dizer que estava tudo bem. Só que chega uma hora que sua cabeça bate no teto. Sempre estudei em escolas particulares, mesmo que não fosse na zona sul, era como seu eu fosse a “patricinha do subúrbio”, frequentando lugares onde eu era a única negra. Algumas coisas me passavam imperceptíveis e aos poucos fui aprendendo a ver as nuances.
Como isso impactou no seu trabalho?
Quando eu lancei a marca, não tinha o entendimento que tenho hoje. Por exemplo, quando eu vendia sob encomenda, as pessoas nunca percebiam que eu era a dona da marca. Esse foi um processo de entender como eu conseguiria sair de determinados espaços e não me sentir intimidada. Tive que entender todo um cenário histórico, antropológico e pensar como sair dessas nuances.
E essa simbologia que resultou da sua reflexão já vem embutida nas suas criações.
Sei que meu repertório está sempre ligado a minha história. Pesquiso muito artistas negros. Sabe, Não estou falando da Itália na minha pesquisa. A pesquisa é sobre pessoas negras e referências que estão ligadas à minha cultura. Esse é o lugar onde a minha marca precisa estar. Hoje em dia, pensando em moda com uma visão global, penso que o meu estudo, o que eu produzo, o meu resultado precisam achar seu lugar no mundo. Quando vemos o que designers negros e africanos estão fazendo… Eles entenderam muito sobre a história e como colocar o produto no mundo valorizando a cultura deles. E isso pode estar no mundo, dentro de um cenário de moda. Enquanto no Brasil, parece que pretos não estão fazendo moda.