A moda quase perdeu um estilista de talento para o teatro. O fluminense Marco Ribeiro, que acaba de lançar apenas a terceira coleção, queria na verdade atuar. Antes de começar a desenhar e abrir sua marca MARCO em Paris, ele fez aulas de teatro, dança e chegou até mesmo a fazer alguns trabalhos como modelo. Marco, que é filho de alfaiate e nasceu em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro se mudou para Paris em 2014 aos 26 anos anos com o sonho de fazer da moda seu futuro e elevar a cultura brasileira. Através de técnicas artesanais familiares ao Brasil, ele faz do fuxico escultura. Apesar da carreira recente, o designer brasileiro já tem recebido uma importante atenção do mercado internacional sendo apontado pela Vogue Itália como um dos novos nomes para ficar de olho. De Paris, Marco Ribeiro falou com o FFW sobre sua história, seu trabalho e sua visão da moda.
Marco, porque você faz o que você faz?
Sempre fui uma criança muito extrovertida adorava dançar e cantar, na verdade queria estar no teatro quando era muito mais jovem, fiz aulas de teatros, comerciais e alguns trabalhos como modelo antes de começar a desenhar, o que me deixa um pouco envergonhado agora e felizmente porque foi um pouco antes que as redes sociais começassem a tomar toda essa dimensão dos dias atuais.
Me lembro de memórias da infância, de quando ainda morava em Petrópolis, uma cidade nas serras do Rio de janeiro, que meus pais tinham um pequeno ateliê em casa que abastecia algumas lojas locais. Lembro também que meu pai era um ótimo alfaiate, tinha vezes que ele passava toda a semana costurando suas roupas para sair aos sábados à noite.
Achei muito inspirador vê-lo criar algo do nada. Acho que estava no sangue! Foi só quando cheguei na Europa e comecei a MARCO, meu próprio projeto, que olhei para trás e percebi que era algo que sempre quis fazer. Foi um processo totalmente orgânico!
Nos conte um pouco sobre seu background na moda?
Me mudei para a Argentina alguns anos depois do divórcio dos meus pais, minha mãe morava lá com meu padrasto e minha irmã fruto do seu segundo casamento. Fui visitá-los e simplesmente adorei a energia e parecia algo novo e diferente.
Foi lá onde estudei arte dramática e teatro e também onde eventualmente estudei 2 anos de design de moda no Instituto ABM de Buenos Aires, mas não terminei o curso. Eu queria ser mais espontâneo. Sempre tive vontade de me expressar além de me considerar super autodidata para explorar meu próprio caminho.
Minhas inspirações vem da vibração de cores vivas e memórias da minha cidade natal e da energia contagiante da minha casa de infância e das mulheres com as que cresci ao meu redor :minha avó, mãe, irmã, tias e primas e da minha vida atual em Paris. Quero ser extravagante, colorido e apresentar um novo ponto de vista, sendo fiel aos meus princípios, valores e raízes como ser humano. Trazendo um pouco da América do Sul para a Europa.
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“Quero ser extravagante, colorido e apresentar um novo ponto de vista sendo fiel aos meus princípios, valores e raízes como ser humano.”
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Porque decidiu abrir sua marca?
Como pessoa criativa e sonhadora que sou, a moda é o caminho profissional pelo qual escolhi me expressar e ser eu mesmo. Demonstrar minha força, meu poder, ocupar meu espaço e superar experiências que marcaram momentos da minha vida.
De uma forma ou de outra sempre soube que tinha algo a expressar e dizer, um ponto de vista único e distintivo que queria explorar. Hoje me dou conta que talvez a falta de diversidade e representatividade na moda que não tive quando era mais jovem foi um dos motivos pelo que também me levou a querer começar MARCO.
Mas percebi que não tinha as oportunidades que precisava para realizar meus sonhos e ambições onde morava. Espero um dia poder voltar e ajudar a criar essas oportunidades para jovens talentos, oportunidades que eu não tive. Era meio óbvio para mim que eu tinha que estar em Paris. De alguma forma, consegui me encontrar morando em Paris, sem falar francês e muito pouco inglês naquele momento. Tive de aprender muito rapidamente o modo de vida parisiense.
E aqui estou dando o meu melhor para realizar meus sonhos e desejos, mas ao mesmo tempo representando uma “minoria” que também não teve representação na infância, demonstrando e inspirando as novas gerações, mostrando que isso é possível. Siga os instintos do seu coração, ouça o que te dá motivação, propósito e perseverança para manifestar a sua verdade. Acredite 100% no que você tem a dizer e faça sua voz ser ouvida.
Vemos que uma das características mais marcantes em seu design são formas, como o círculo por exemplo.
Meu trabalho é uma exploração de formas, cores e formas femininas para celebrar a nudez como uma forma de auto expressão, não de sexualização.
O círculo é uma daquelas formas pelas quais sempre me senti atraído naturalmente e se tornou o centro de minhas coleções. É tão simples e gráfico, mas ao mesmo tempo complexo. Tem um sentido de naturalidade – parece orgânico e industrial ao mesmo tempo.
Conceitualmente, o círculo simboliza muitas coisas. A vida tem tudo a ver com ciclos, da vida até a morte. Temos ciclos de emoções e eventos, em nossas próprias vidas e também nas dos outros. É um pouco clichê, mas realmente é verdade para mim. Sem um início ou fim óbvio, o círculo o faz parar e ter que pensar no momento atual. Algo que considero muito relevante no nosso tempo atual.
Quero que minhas roupas perturbem o ambiente ao seu redor, sejam sérias e divertidas ao mesmo tempo. Combinado com formas (como o grande círculo), as roupas quase se tornam esculturais. É bom ver como as pessoas interpretam o círculo de formas diferentes, é um objeto super democrático e isso é outra parte do que tento fazer com meu trabalho.
Me inspira muito o artista Brasileiro Hélio Oiticica, em particular sua performance ‘Os Parangolés’ onde ele fala, “Os objetos só ganham vida com os movimentos das pessoas que os usam”.
Você tem trabalhado fortemente o fuxico em proporções exageradas como uma assinatura, um statement. De onde vem sua relação com essa técnica artesanal?
Meu processo criativo é muito íntimo e pessoal, depende muito de como me sinto no momento e do estado de espírito que quero transmitir na coleção. Estou constantemente pesquisando e explorando técnicas esquecidas com o passar do tempo e o fuxico é uma dessas. Além de ter essa memória nostálgica de casa da vovó e que significa muito pra mim, já que fui criado pela minha avó paterna durante minha infância de alguma forma. É como lembrá-la e homenageá-la.
O Brasil é uma grande fonte de inspiração pra mim, além de ser o país de onde venho. Como brasileiro creio que somos criados em um sistema onde não aprendemos a valorizar nossas raízes e ancestralidade. Estamos sempre nos comparando com outras culturas que achamos que são “superiores” e “melhores” em vez de celebrar nossa própria cultura.
Com MARCO adoro explorar essa ideia da sensibilidade que tem o artesanato, uma peça única é feita à mão e de uma forma sustentável, isso é a nova cara do luxo pra mim.
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“A indústria precisa desenvolver o potencial criativo e intelectual dos negros em todas as áreas e posições, e não apenas mostrar a diversidade performativa por meio do casting ou de visões fetichistas da beleza negra.”
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Qual o maior desafio de criar moda hoje?
Até algum tempo atrás teria sido a falta de oportunidades para o que seria considerado uma “minoria” por mais qualificação profissional que você tenha. Acho que hoje a sociedade e em particular a indústria da moda estão muito mais interessadas em ouvir e conhecer novos talentos. Também temos que considerar que existem muito mais ferramentas ao nosso alcance, onde se pode expressar e comunicar sua criatividade.
Como acontece com todos os novos negócios, torná-los financeiramente viáveis é um grande desafio. Especialmente não vindo de privilégios ou de poder ir para uma escola de moda de prestígio. A indústria está encontrando novas formas de premiar e investir, mas ainda com base na estrutura existente. Portanto, significa ter que encontrar maneiras de criar sem suporte financeiro e tentar criar oportunidades do nada.
E qual sua visão da moda para o futuro?
Vejo o futuro da moda de uma forma mais humana e de um consumo mais consciente.
Eu sinto que a sociedade precisa se engajar novamente com sua humanidade, celebrar e respeitar a diversidade e garantir uma maior representatividade. Até certo ponto, houve uma grande mudança na indústria da moda com a pandemia do Covid-19 e o movimento Black Lives Matter. Questões de representação e sustentabilidade nunca foram tão onipresentes. Mas a moda ainda tem muito trabalho a fazer. Precisamos nos tornar mais criteriosos como criativos e consumidores para avançar mais rapidamente e de forma mais substancial em direção à sustentabilidade real.
A indústria precisa desenvolver o potencial criativo e intelectual dos negros em todas as áreas e posições, e não apenas mostrar a diversidade performativa por meio do casting ou de visões fetichistas da beleza negra.
Minha esperança pessoal é que coloquemos a saúde mental e o bem-estar de maneira mais importante na hierarquia das coisas, não apenas para os consumidores, mas também para os criativos. E acredito que a diversidade e a sustentabilidade farão muito para ajudar nisso.
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No topo da página a nova coleção Epiphany da MARCO lançada recentemente e que reflete as dificuldades e momentos de caos vividos nos últimos 12 meses como uma expressão de pausa, diversão, extraordinário e fantasia e reconexão com suas memórias da infância.