Nova York estava de férias nesta última segunda-feira (15/02). Era “President’s Day”. E com o sol amenizando o frio que tomou conta da cidade na última semana, os americanos aproveitaram o dia de folga para fazer a economia circular. Por mais que haja um clima de incerteza pairando no ar quanto à situação financeira do país, sacolas e mais sacolas passeavam do SoHo ao Uptwon, mostrando que os consumidores estão aos poucos retomando sua confiança.
Nostalgia do período pré crise, ou prenúncio de uma nova fase. E como moda é reflexo da sociedade, tudo isso apareceu também nas passarelas da New York Fashion Week. Como se estilistas e marcas estivessem otimistas quanto a retomada no consumo ou como chamam por aqui no reganho de “consumers confidence”. Não tão ostensivo como no passado, nem tão recessionista com nas duas últimas temporadas. Os desfiles desse dia 15 de fevereiro trouxeram o que parece ser uma justa medida para o luxo do inverno 2010.
Moda pode ser movida por sonhos. Uma fábrica de fantasias que inspira e desperta desejos. Mas quando os tempos ficam difíceis, são as roupas, aquelas que vestimos todos os dias, quem ditam as regras.
Durante a tarde de ontem, na loja de Marc Jacobs no SoHo, enquanto vendedoras garantiam aos consumidores que seus nomes estariam na lista do desfile mais tarde, estes selecionavam das araras peças em potencial. Entre as peças de pre-fall, aquela profusão de babados do verão passado encontrava-se tanto em formas diluídas (mais comerciais) como em versões quase iguais a da passarela. Porém, para aquele grupo de meninas vestidas com jaquetas de couro de cortes angulares à la Rick Owens, eram justamente as versões mais simples que iam para um passeio no guarda-roupas.
Imagem da fila final do desfile de Marc Jacobs inverno 2010 – foto: Luigi Torre/FFW
A moda sempre será movida por imagens fantasiosas, mas há momentos em que as roupas que podem ser usadas de fato pedem atenção especial. Ao acabamento, aos tecidos, à modelagem e à porpoção capaz de tornar um simples blazer alongado em objeto de desejo instantâneo como fez Marc Jacobs em seu mais recente desfile na noite desta última segunda-feira.
Desfile Marc Jacobs inverno 2010 – foto: FirstView
Quando o bege e outras tonalidades neutras, em peças simples, de modelagem quase clássica, saltam aos olhos, ou quando tons pastel se tornam exuberantes, é porque algo de realmente extraordinário está acontecendo.
Desfile Marc Jacobs inverno 2010 – foto: FirstView
Assim, sem um minuto de atraso sequer, e com a promessa cumprida de nenhuma celebridade na plateia, Marc Jacobs e seu sócio, Robert Duffy, puxaram o papel marrom que cobria a caixa onde um exército de modelos vestidos todas em tons neutros se agrupavam esperando o comando para saírem em marcha.
E daí veio o primeiro look: uma simples camiseta cinza com bermuda larga, seguido de vestido e blazer acinturado em tonalidades parecidas e mais uma série de looks neutros, de silhueta alongada, num verdadeiro pout-pourri de fases e coleções passadas de Jacobs. Só que agora dotadas de uma simplicidade estonteante. Acabamento, corte e proporções das mais corretas. Volumes extremamente bem calculados, aplicações de peles que vão crescendo ao longo do desfile, porém sem jamais roubar a atenção da imensa realidade práticas das roupas, ao mesmo tempo em que conferem emoção extra.
O porquê de toda essa dose de realidade? “Por que a beleza não pode ser o suficiente?” rebate o estilista momentos após seu desfile. Sim, infinitamente menos criativa que coleções anteriores. Mas há de se levar em conta a extrema sintonia com os dias de hoje e com o período incerto que a moda está passando. Como um revolução silenciosa, Marc Jacobs aponta para um luxo simplificado, quase que velado, presente entre pontuações de exuberância por reais valores de design.
Desfile Zac Posen inverno 2010 – foto: FirstView
Menos festa e mais vida real. Roupas para o dia com detalhes precisos que agregavam imenso valor à cada peça. Vestidos com estruturas de corsets, pregas diagonais que delineavam a silhueta feminina, casacos de corte simples sobre blusas sofisticadas e excelente calças de alfaiataria com leve toque 1940s, e um monte de aplicações de pele para um glamour instantâneo.
Decorações simples, construção e modelagem precisas que enalteciam a peça por si só, sem precisar de brilhos, maxi volumes ou adornos extravagantes.
Ainda nas tendas do Bryant Park, foi a vez da Carlos Miele mostrar sua dose de equilíbrio. Balanço este, que assim como em coleções passadas, fica entre características puramente brasileiras e aqueles elementos que tornam a moda do empresário e estilista desejável para suas consumidoras do Hemisfério Norte.
Desfile Carlos Miele inverno 2010 – foto: FirstView
O ponto de partida para seu inverno 2010 foi o construtivismo russo e as formas geométricas da arte abstrata. Dessa fonte brotam recortes delineados por correntes, formas simples com justaposição de tecidos e o delicado trabalho de textura que vem como uma verdadeira colagem de imagens. No meio disso, surgem fuxicos e formas sensuais que sempre permeiam o trabalho de Miele.
O resultado, porém, fica preso entre a vitalidade e leveza do lado brasileiro de Miele e a frieza sóbria e precisa do construtivismo russo. Pedindo maior exploração, como se as duas referências tivessem sido trabalhadas separadamente, raramente se cruzando. Ao se focar meramente no recorte, junção e verdadeira colagem de tecidos, Miele perde um pouco da vitalidade típica de seu país de origem, o nosso Brasil. Com exceção das boas calças amplas de bio denim (um jeans ecologicamente correto), os vestidos justos e outras peças pareciam sem inovações nem diferenciais.
+ Veja fotos das principais grifes que desfilam no inverno 2010 da New York Fashion Week