A semana de moda de Nova York caminha para seu encerramento, agora com dois desfiles importantes ainda para acontecer: Calvin Klein e Marc Jacobs.
Há algumas temporadas, Nova York se encontrava em um impasse. Marcas que vinham fazendo um trabalho consistente e muito bom, como Proenza Schouler e Rodarte, migraram para Paris (e voltaram nesta temporada); Alexander Wang indicava que iria sair do calendário. Grifes grandes e lendárias da história da moda americana, como Donna Karan, saíram de cena. Tommy Hilfiger passou a fazer mega desfiles de see now buy now em outras locações.
Mas esta estação confirmou que a cidade está dando a volta por cima através de marcas que falam outra língua, muito mais atual, inclusiva e sem máscaras. Pyer Moss, Eckhaus Latta e Telfar ganharam a semana com desfiles que causaram impacto e passaram mensagens, cada um à sua maneira. As três marcas são totalmente honestas em seus discursos – elas vivem essa realidade e se apropriam de suas mensagens.
Já dizem que a coleção de Pyer Moss foi a coisa mais importante que aconteceu nesta temporada em Nova York. A marca de Kerby Jean-Raymond continua sua exploração sobre o que significa ser negro nos Estados Unidos. “Nossa esperança é continuar a desafiar as narrativas tradicionais de grupos minoritários, contar histórias empolgantes com o nosso trabalho e encorajar a inclusão”, disse o estilista ao site Refinery 29. Para a coleção chamada “American, Also. Lesson 2” (a Lesson 1 foi lançada em fevereiro), ele criou “um mundo desprovido da angústia do racismo e imaginou como seria a vida dos negros americanos caso eles não tivessem sido molestados”, segundo o release da marca.
Kerby se inspirou no The Negro Motorist Green Book, guia de viagem publicado entre 1936 e 1966 para ajudar viajantes negros a passar por áreas racistas, listando os lugares onde seriam bem vindos.
O desfile foi uma experiência à parte. Os convidados foram para o Brooklyn debaixo de chuva para ver os modelos caminhando ao som de um coral gospel maravilhoso que cantou Heaven is 10 Zillion Light Years Away, de Stevie Wonder, entre outras músicas. Muitas peças da coleção falavam direto sobre a experiência de ser negro, como a faixa com o escrito See Us Now. Vale mencionar as 10 pinturas criadas por Derrick Adams que mostram o cotidiano de famílias negras; uma dama de honra em um casamento, um homem grelhando hambúrguer, um abraço entre pai e filho…
Vale assistir ao desfile abaixo. Você pode se colocar no lugar de um dos modelos negros desfilando com emoção e orgulho ou no do público, vivenciando uma experiência verdadeira e autêntica de moda. Em qualquer um deles, você vai se emocionar.
Pyer Moss SS19 Runway Show from Pyer Moss on Vimeo.
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A Eckhaus Latta, da dupla Mike Eckhaus e Zoe Latta, também levou todo mundo ao Brooklyn, em um prédio industrial. Eles sempre foram anti-establishment: seus desfiles não são convencionais, não têm celebridades na primeira fila ou na passarela e suas coleções podem vir com elementos políticos inseridos. Neste específico, eles levantavam questões sobre consumo, sustentabilidade e o futuro da humanidade.
E ele fazem isso ocupando todos os espaços que podem: o casting tem diversidade de raça, idade e forma física. A trilha era, na verdade, o som ao vivo de um monte de crianças gritando, brincando e batendo em panelas e tambores. Na passarela, suas peças que ficam entre o estranho e o desejável, um sexy que não se leva à sério, trabalho artesanal e detalhes lúdicos que aparecem para quebrar a caretice de roupas tradicionais, como terno.
A Eckhaus Latta está com uma exposição no Whitney Museum, em Nova York, vendem em 60 pontos de venda e abriu recentemente uma loja em Los Angeles, mas sua pegada experimental permanece mesmo com sua evolução visível. Se antes eles eram apenas uma marca artsy cult que o mainstream da moda sabia que existia, mas não prestava muito atenção, hoje ela é parada obrigatória e um daqueles desfiles que todo mundo quer ver.
+ Veja o desfile da Eckhaus Latta aqui
E por fim, a Telfar, que falamos aqui em 2017. Telfar Clemens levou o primeiro lugar no Vogue Fashion Fund do ano passado e tem dado um bom caminho para os US$ 400 mil que levou de prêmio.
Seu desfile aconteceu no domingo a tarde, debaixo de uma ponte, também sob chuva. Mas quem foi, falou da sensação de comunidade e família que pairava no ar. E esse é um dos diferenciais de Telfar, que vem construindo sua própria comunidade pelos últimos 10 anos.
Ele olhou para os clássicos americanos, como estrelas, listras, jeans, águias e bandeiras em um desfile que disse ser dedicado aos Estados Unidos – com aquela estética anos 70 que já virou sua marca registrada. O casting – nota 10 – majoritariamente negro, desfilou com músicas do Temptations e Aaliyah cantadas pelo grupo sul-africano Fela Gucci. Seus desfiles são sempre em formatos inesperados.
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Telfar nasceu no Queens em 1985 e lançou sua marca unissex em 2005. Hoje, ela pode ser encontrada em multimarcas como Opening Ceremony. “Não é para você. É para todos”, diz um aviso no site. Ele não tem uma educação de moda tradicional e começou a criar reconstruindo peças de roupas até começar a fazer suas peças para seu próprio guarda roupa.
O estilista mostra que vem desenvolvendo seu negócio com estilo e substância. “Há muita insegurança na indústria da moda atualmente e há uma chance de que a forma como nós já trabalhamos – se conseguirmos aumentar a escala – pode representar um novo caminho a seguir”, disse ao The Guardian.