O homem, o mito: com a Helmut Lang em nova fase, olhamos para o legado da marca cult e seu fundador
POR Camila Yahn
Helmut.
Autorretrato de Helmut Lang
Nasceu em 1956 em Viena, na Áustria. Aos 18 anos começou a mexer com roupas, como autodidata e poucos anos depois abriu uma loja sob medida em Viena. O ponto foi fechado em 1984 e dois anos mais tarde mostrou sua primeira coleção em Paris, no Centro Georges Pompidou. Em 1997 mudou-se para Nova York.
A influência de Lang
Linda Evangelista fotografada por Steven Meisel na Vogue em 97
Como estilista, Helmut tinha uma alma punk. Sempre se recusou em trabalhar de acordo com qualquer coisa que não fosse sob seus próprios termos. Sua estética era anti-fashion total. Imagina, meio dos anos 80, quando a opulência de marcas como Versace e Dolce & Gabbana dominavam a cena, chega um designer austríaco com uma estética limpa, rígida, arquitetônica e subversiva. As roupas vinham em tons de preto, branco e outros neutros, como terrosos, misturados a pontos de luz amarelo, rosa ou vermelho. Havia uma experimentação com materiais sintéticos como couros laminados e malhas revestidas de plástico. Anna Wintour relembra: “quando ele apareceu, foi algo assim: espera, o que é isso? Não era nada do espírito dos anos 80. E de repente tudo mudou, a moda refletiu isso e Helmut estava lá antes que todo mundo”.
O que Lang fez foi criar uma nova linguagem de design. Ele também foi um dos primeiros estilistas a levar a moda do dia a dia para um desfile, mas uma vez na passarela, as roupas ganhavam status de vanguarda. Como disse Sarah Mower, ele dava um ar mais polido a referências underground. Assim, quando jovens desconectados com a moda viraram fotógrafos, stylists e artistas, eles enxergavam em Helmut Lang o seu guarda-roupa perfeito. Ele articulou um novo movimento para uma nova geração.
Kirsten Owen na campanha de Verão 97
Mower explica bem o entusiasmo que rolava no entorno: “O que Helmut Lang conseguiu nos anos 90 é tão pouco escrito sobre e vai muito além do alcance existente da Internet – e foi tão evasivo, mesmo na época – que é difícil capturar sua enormidade. O que ele fez foi muito além de inventar um uniforme casual-formal, elegante e subversivo – coisas para usar todos os dias que passavam confiança e sensualidade. Todos os que lotaram seus shows sentiam isso quando viam seu exército de modelos marchar em uma única fila. O público entendeu. As modelos incorporavam aquela energia. Ninguém falava nada, mas todos sabiam: era a evolução do cool acontecendo ali”.
O estilista tornou-se uma das principais referências da moda dos anos 90, criando uma marca hiper influente e cult – e que tem desde então inspirado gerações. Seu DNA é até hoje difundido, dentro e fora das passarelas. Marcas como Alexander Wang, Off-White, Yeezy, Vetements, para mencionar apenas algumas, olharam, em algum momento, para o legado de Lang. Ele fez as calças bikers bem antes da Balmain, silhuetas desgrenhadas bem antes de Kanye, colabs com artistas e mix high-lo muito antes de virar moda.
Hoje, as peças criadas durante sua época como estilista, são objetos de desejo e podem ser encontrada em leilões ou sites especiais que vem peças raras de acervo. Seu influência ainda vive e com força.
NYFW
É por sua causa que a semana de moda de Nova York é a primeira do calendário. Antes era Milão-Londres-Paris-NY. Lang desfilava em NY, mas queria mostrar antes de todo mundo e não por último. Então decidiu fazer um desfile sozinho antes do ciclo começar. Assim que ele anunciou a mudança, Donna Karan e Calvin Klein disseram que fariam o mesmo.
Turma
Com Kirsten Owen ao final de um desfile / Reprodução
Sempre em seus desfiles, víamos Stella Tennant, Kristen McMenamy, Kirsten Owen, Kate Moss, Élise Crombez, Amber Valletta, Christy Turlington, Linda Evangelista, Naomi Campbell, Kirsten Owen. Helmut também trabalhava muito com o fotógrafo Elfie Semotan, com o cabeleireiro Guido Palau, o maquiador Dick Page e a stylist Melanie Ward, figura fundamental na marca.
Melanie Ward
Melanie Ward / Reprodução
Melanie se formou em Política, mas no tempo livre usava a máquina de costura que havia ganhado da tia para desconstruir e reformular roupas que ela mesmo vestia depois. Ela conheceu os fotógrafos David Sims e Corinne Day e juntos fizeram muitas fotos, hoje icônicas, de uma menina de 15 anos chamada Kate Moss. Ela se sentia tão fora da indústria que só conseguia fazer styling para bandas. Até que um dia, foi chamada pra trabalhar com os Rolling Stones – foi quando sua mãe aceitou que ela trabalhasse com moda, aos berros no telefone, de tão excitada com a novidade.
Mal sabia Melanie que Lang observava de longe e um dia escreveu uma carta e mandou. Mas ela nunca chegou a receber. Até que ele ligou e marcaram seu primeiro encontro. Foi em 1992 no Cafe Flore, em Paris. Melanie virou a stylist da marca e com Lang ficou por 13 anos, até sua saída da moda, em 2005. “Nossos gostos eram tão similares que por muito tempo eu desenhei as coleções femininas. Ele gostava da mulher que eu representava e eu era muito mão na massa. Pouca gente sabe disso, mas eu desenhei muitas coleções enquanto ele focava no masculino”, ela disse a Cathy Horyn para uma entrevista na Gentlewomen.
A venda ao Grupo Prada
Em 1999, Helmut vendeu 51% de sua grife ao Grupo Prada, que também era dono da Jil Sander e Azzedine Alaia. Algum tempo mais tarde, comprou o restante. “Deter o controle total sobre a marca é uma demonstração clara do quanto a gente acredita no potencial da marca”, disse na época o CEO Patrizio Bertelli. De seu lado, Lang disse estar satisfeito com a evolução das coisas.
A saída de Lang
Em janeiro de 2005, Suzy Menkes escreveu: “Em mais um choque nas estratégias da indústria de luxo, espera-se que o Grupo Prada anuncie a saída de Helmut Lang da marca que leva seu nome. A Prada não deu nenhuma razão específica para o caso, mas gente de dentro da indústria disse que o estilista havia se desentendido com Bertelli.
Prada vende Helmut Lang
Em março de 2006, o grupo disse que, após seis anos de prejuízos, estava vendendo a Helmut Lang para a japonesa Link Theory Holdings por 20 milhões de euros. Na época, o presidente do grupo, Chikara Sasake, deu a entender que se Lang quisesse voltar, a porta estaria aberta.
Entram novos estilistas
Verão 2008, a primeira coleção dos Colovos / Reprodução
Dois meses depois, o casal Michael e Nicole Colovos foi anunciado na direção criativa da Helmut Lang. Sua primeira coleção foi descrita como “uma redução comercial da identidade do designer Helmut Lang”. A dupla ficou lá por oito anos e nunca conseguiu retomar a força e o status da marca.
Momento atual
A Helmut Lang finalmente parece ter encontrado um caminho que fará a marca retomar o seu lugar como uma das mais importantes e icônicas da moda contemporânea.
A editora-chefe da Dazed and Confused, Isabella Burley, é a nova diretora criativa e vai convidar designers para trabalhar em coleções para a marca. O primeiro deles, que estreia o novo formato, é Shayne Oliver, da Hood by Air. Sua coleção será desfilada na semana de moda de Nova York, em 11 de setembro. “A ideia de trazer estilistas diferentes para trabalhar em projetos nasceu da noção de como o legado de Lang influencia essa nova geração de designers”, conta Burley ao site The Fashion Law. Sobre a escolha de Shayne Oliver para ser o primeiro, ela diz: “Vendo os primeiros desfiles da HBA, eu senti uma energia e acho que é a energia que as pessoas falam quando elas lembram da época de Helmut Lang. Vale muito ver o vídeo abaixo, de 1996, apresentado por Tim Blanks e com participação de um Juergen Teller bem novinho. Precioso!
E não haverá um tempo definido para cada colaboração, como por exemplo, um designer por temporada. “Cada um deles irá trabalhar de maneiras diferentes, então queremos dar o espaço que eles precisam”.
A marca também vai lançar uma série de peças de arquivo em conexão com a coleção. “Muita gente quer se apaixonar de novo pelo Lang. A intenção é celebrar essas peças incríveis, recomeçar uma conversa e apresentar a marca para essa nova geração, para que essa garotada responda a esse legado de sua própria maneira”. A primeira série, intitulada Volume 1, terá 15 itens e será lançada em setembro. Novos volumes chegam a cada quatro meses, como uma investigação em evolução do arquivo.