Por Guilherme Meneghetti
Tom Martins é um nome pra ficar de olho. O jovem estilista de apenas 23 anos vem conquistando espaço no mercado com sua marca Martins Tom, que lançou junto a seu sócio, o arquiteto Bruno Dalto. Ele desfila na Casa de Criadores e suas peças já foram vistas em matérias e editoriais de revistas como Harper’s Bazaar e a extinta Elle Brasil. Personalidades como a cantora Céu, os DJs Zé Pedro e Johnny Luxo e o florista Vic Meirelles estão entre os clientes que usam suas peças oversized e hiper confortáveis.
Por sua predileção ao denim e aos tecidos naturais, as roupas despertam uma vontade de tocar e usar. Formado em Moda no Senac, Tom trabalhou por quatro anos como vendedor na multimarca Choix e hoje, além de cuidar de sua marca, trabalha na Pair como curador de produtos.
Abaixo, em 30 perguntas, Tom fala sobre como tudo começou, revela suas referências, seu processo criativo, e sua visão para a moda. Spoiler: adoramos saber que a primeira revista de moda que ele comprou foi a FFWMAG <3.
Onde você nasceu?
Em São Paulo, cresci no bairro Vila Perus, Zona Norte.
Como era sua família? Como foi sua infância?
Minha família sempre foi muito tranquila com tudo. Meus pais são divorciados, fui criado por minha mãe, mas meu pai sempre foi muito presente. Eles sempre me apoiaram em todas as minhas escolhas.
Você sempre gostou de moda?
Não, nem sempre. Acho que comecei a gostar com 13 anos, quando assisti Esquadrão da Moda – foi meu primeiro contato com moda. Queria ser consultor de imagem. A primeira revista de moda que comprei foi uma FFWMAG, se não me engano em 2010, era uma edição que tinha todas as coleções do SPFW, com fotos de backstage, etc. Sou de um bairro periférico, então tinha umas cinco bancas de jornal no bairro e nenhuma vendia revista de moda. Eu procurava revista de moda masculina e não achava. Comecei a procurar na internet alguns títulos, ia à banca pra ver se achava, e nada. Lembro que pedi dinheiro pra minha avó, fui numa banca, perguntei se tinha revista de moda e o cara me mostrou a FFWMAG.
Quem te inspira na moda e na vida?
Em relação à estilo, Dries Van Noten. Pra mim é um estilista que vai além da moda, que não é ligado em tendência, no hype. E eu sempre busco essa atemporalidade, quero que minha roupa seja atemporal. Na vida, em relação à business, uma pessoa que me inspira e tem me inspirado muito é a Carla [Ribeiro], dona da Pair. Hoje eu faço a curadoria de produtos da Pair e também sou estilista. Estamos desenvolvendo a terceira coleção juntos.
Como e quando surgiu a Martins Tom?
O Bruno Dalto, arquiteto e hoje meu sócio, ficava muito no meu pé. A gente se conheceu na Choix, trabalhei quatro anos lá, saí em novembro do ano passado e entrei na Pair. O Bruno sempre ia aos eventos, ele gostava do jeito que eu me vestia e sempre me falava: “Vamos fazer alguma coisa, você tem que fazer alguma coisa”. Só que eu via a dificuldade das pessoas pra ter uma marca. As marcas que eu vendia na Choix eram pequenas e tal, e eu pensava: “Acho que não quero isso pra minha vida”. Mas ao mesmo tempo, eu sentia necessidade de ter um produto que me emocionasse e servisse em mim, sabe? Porque sempre fui grandão, meio gordinho, e sentia falta desse produto. Sempre gostei de oversized, sempre comprei na seção plus size e procurava o maior tamanho da loja. Se me falassem que a peça era M ou G, eu queria XG. E aí eu topei a ideia do Bruno e a gente começou a marca, na coragem. Lançamos a primeira coleção da Martins Tom em agosto de 2016.
Como o trabalho é dividido entre você e ele?
Eu cuido de toda a parte de desenvolvimento: criação, produção, modelagem, etc. O Bruno cuida da parte financeira, mas também manja muito de cartela de cor, combinação de cor e etc por conta da arquitetura. Então, querendo ou não, a criação também passa um pouco por ele.
Você disse que procura mudar a forma como se faz moda no Brasil e o que ela representa.
O meu foco é criar uma nova estética. Acho que no Brasil a gente vê muito uma roupa sensual, que mostra muito o corpo. As mulheres têm que estar sexy, os homens com roupa justa, e isso não é um problema pra mim. Porém, eu proponho uma outra história: uma roupa confortável, que te protege, que te deixa bem o dia inteiro, que você possa usar em qualquer lugar, fazer qualquer coisa, e não uma roupa que te limita, que te expõe, algo que vai mais ou menos nesse caminho.
Por isso a predileção por formas amplas?
Sim, vem dessa ideia do conforto, uma roupa que serve em todo mundo, todos podem usar.
Como é o seu processo criativo, da ideia à criação?
Eu não sei explicar, mas assim, os temas aparecem (risos). Eu já tinha algumas vontades. A minha primeira coleção não teve tema, eu fiz cinco peças jeans e duas bolsas, todas bem brutas, não tinha nem lavagem; na segunda, me inspirei nos pijamas; na terceira, no David Bowie; na quarta, no mar e também em Clara Nunes; na quinta, fiz grunge e pijama, esse último eu já tinha feito, e aí fiz com uma cara nova, misturado ao grunge, um movimento que eu sempre gostei – não a música grunge em si, gosto do estilo, de como os músicos se comportavam, essa coisa largada, jogada. Na verdade, algumas músicas grunge eu até gosto, mas não sou fã.
Minha próxima coleção tem como tema o jogo do bicho, que, na real, a ideia surgiu de uma conversa que tive com meu amigo, o Herbert Loureiro, do coletivo Lambada, que desfilou pra mim na minha última coleção. Após o desfile, marcamos pra tomar um café. Eu estava contando um pouco de mim e contei que fazia jogo do bicho pra minha avó. Na hora ele disse: “Amigo, vamos fazer uma coleção inspirada no jogo do bicho”. Respondi: “Bicha, vamos fazer então!”. Tanto que ele vai assinar algumas estampas. A coleção já está em desenvolvimento e será desfilada em novembro. O tema, na verdade, são algumas memórias afetivas: tem o jogo do bicho, que é bem forte, a coisas das estampas, do couro de vaca, uma exuberância, mas tem outras coisas além disso, que são minhas memórias afetivas em relação à minha avó.
Parece que você é muito ligado à sua avó.
Ela é maravilhosa. Sou muito apegado à ela. Foi a primeira pessoa que eu contei sobre minha sexualidade, por exemplo. Foi tudo muito natural pra ela. Depois de dois anos abri o jogo pra todo mundo. Sempre troquei ideia com ela sobre tudo. Ela é uma mulher muito simples, mas tem uma sofisticação ímpar – usa lenço na cabeça, pencas de grampos, tem a sacola de feira mais bafo, é capricorniana, sabe tudo sobre signos e sonhos. Posso contar sempre com ela. Seu nome é Georgina.
Em quem você pensa quando cria?
Sem dúvida no meu cliente final. Pra mim não tem sentido nenhum fazer uma roupa que não será vendida, por isso penso no meu público, que são pessoas que não seguem regras, nem padrões. Uma galera ligada à arte e à moda – não saio muito desse circuito. Eu sempre brinco que a minha roupa é de uma mulher das artes.
Desde o começo da marca, é notável que representatividade é uma prioridade.
Sim, é bem importante pra gente. Eu venho do varejo né, sou super do varejo, e eu saquei essa falta do mercado, de uma roupa que fosse atemporal, que servisse em todo mundo, deixasse confortável… A gente sempre pensa nisso na criação. Não queremos deixar a marca estereotipada, sabe? A gente faz roupa pra absolutamente todo mundo, todos os corpos, basta você ter estilo. Às vezes as pessoas vão comprar e falam: “Ah, mas achei muito grande”, e aí damos soluções. Ficou muito grande? Gata, segura, a calça é clochard, tem um cinto. A barra está muito comprida? Corta! A maioria das nossas peças jeans são a fio, é só você cortar, usar e pronto.
E sua produção é interna ou terceirizada?
Toda terceirizada. Eu tenho meu ateliê, que é na minha casa, às vezes meus amigos e produtores vêm aqui, mas a produção mesmo é toda terceirizada.
Proporcionar conforto é um princípio da marca. Quais tecidos você usa?
A gente prefere trabalhar com tecidos naturais. Usamos jeans em todas as coleções, sempre procuro usar jeans sem elastano, porque odeio elastano, já que na minha roupa não tem função, né? Não é uma roupa que vai esticar, então tá tudo certo.
Como é a questão da sustentabilidade pra você?
A gente tenta produzir o mínimo de resíduos possível.
Não demorou muito pra marca aparecer em revistas e ser usada por novos Como tudo aconteceu?
Eu trabalhei quatro anos na Choix e foi lá que eu conheci toda essa galera, esses artistas que eu amo muito. O Zé Pedro eu amo de paixão. Eu sempre fui meio cara de pau, sincerão, e pra aparecer nas revistas fui atrás sempre, perguntando se podia mandar o conteúdo e tudo mais. Mas, no geral, a Choix me ajudou muito no começo.
Como você trabalha a divulgação da marca?
Toda interna. Eu mesmo cuido do Instagram. Essa coisa de aparecer nas revistas, em editorial, etc, faz com que as pessoas me procurem, pois já me conhecem da Choix, agora da Pair e assim por diante. Então eu e Bruno cuidamos de tudo.
Quantas coleções você faz por ano?
Faço duas coleções por ano e mais as colaborações.
Quais colaborações?
Fizemos no desfile passado com a Rider e com a [designer de acessórios] Jana Favoreto. Vamos lançar mais uma sandália com a Rider no próximo desfile. Dia 12 de setembro lançaremos nossa colaboração com a Alcaçuz, que é um projeto bem legal em que eles chamaram cinco marcas: a minha, a Room, Paula Marques, Artéria e a Neriage, da Rafa. Para o ano que vem, a gente vai fazer uma coleção exclusiva para a Pair.
O que você acha das colabs?
Acho maravilhosas. A gente entra em outro mundo, é uma outra cliente, a gente pensa em outro público. E isso é muito legal.
Onde encontramos suas peças?
Hoje, eu vendo na Pair a maior parte da coleção em P&B, Choix, Void, Galeria Nacional, numa loja em Porto Alegre chamada Histórias na Garagem, e no meu site também.
Você pensa ter uma loja física?
Não. Ainda não, não é uma coisa que passa na nossa cabeça. Estamos num momento muito complicado do comércio – em tudo né, na verdade. E uma loja gera muita despesa, muito gasto.
Como foi pra chegar à Casa de Criadores?
De novo, foi pela minha cara de pau (risos). Eu conheci o André [Hidalgo] na Choix e mandei uma mensagem pra ele no Facebook. A gente trocou uma ideia, marcou uma reunião e super rolou. Logo em seguida a Elle entrou e meio que me adotou, eu fazia parte da curadoria deles.
Como é fazer um desfile? Você pensa em outras formas de apresentar suas coleções?
É incrível, é muito maravilhoso. Acho que é um sonho de todo estilista, né? Mas é muito trabalho. E no nosso caso, por sermos pequenos e não termos muita grana, aí fica mais difícil. Se tivéssemos verba, acho que ficaria mais fácil. Mas a coisa da grana é complicada. Às vezes a gente quer uma coisa, aí não tem dinheiro, então tem que procurar alguém pra fazer parceria, etc. Acho que a grana é o mais difícil nessa hora. Mas a gente se joga, dá a cara a tapa.
Grunge ou genderless?
Genderless!
Qual sua série favorita?
Eu não assisto série, é muito difícil.
O último álbum que ouviu?
Never Mind, do Nirvana, na pesquisa da minha última coleção.
E filme?
Oito Mulheres e Um Segredo. Mas o filme que eu mais gosto é Tudo Sobre Minha Mãe, do Almodóvar.
Qual é seu maior sonho?
Poder viver da minha marca.
Quem você gostaria que usasse sua roupa?
Olha, já tô super feliz com as pessoas que eu visto. Mas acho que a Rihanna!
Quais são seus próximos planos?
Tem bastante coisa por aí. Eu quero colocar um foco maior nas parcerias, ter mais parceiros. A gente não vai fazer mais o formato see now, buy now – o próximo desfile vai ser o último nesse esquema. Depois vamos desfilar normal, as multimarcas fazem os pedidos e a gente entrega depois de cinco meses. É um momento que o see now, buy now não está mais rolando. A gente precisa de um tempo maior para vender e as pessoas não estão consumindo com essa rapidez, elas estão pensando muito mais.