Como disse a editora da “Vogue” UK Alexandra Shulman, existem poucas coisas no mundo que a indústria da moda goste tanto quanto um evento – de preferência desses com direito a hashtag trending topic nas timelines fashionistas. E foi justamente um Acontecimento (sim, com “A” maiúsculo) que movimentou os principais players do mercado na tarde dessa segunda-feira (12.01), em um prédio comercial próximo ao Palácio de Buckingham, em Londres: o retorno de John Galliano às passarelas com seu primeiro desfile como diretor criativo da Maison Margiela.
+ Veja todos os looks do primeiro desfile de John Galliano para a Maison Margiela
+ Relembre o caso John Galliano e seus desdobramentos
Na pequena sala de desfile, que comportava cerca de 100 pessoas, estava apenas o crème de la crème da indústria: a top Kate Moss (amiga de longa data de Galliano), os estilistas Alber Elbaz, da Lanvin, Christopher Bailey, da Burberry, e Manolo Blahnik; o stylist Nicola Formichetti; o empresário Renzo Rosso, dono do grupo OTB, que controla a Margiela, entre outros. Os top editores e críticos de moda também não ficaram de fora: marcaram presença na fila A Anna Wintour, da “Vogue” americana, Vanessa Friedman, do “The New York Times”, Suzy Menkes, da “Vogue” UK, e Alexander Fury, do “The Independent”, cujos comentários sobre o desfile ganharam grande repercussão logo após a apresentação.
“Para aqueles de nós que viveram os grandes anos de Galliano e Margiela, as memórias ameaçaram submergir a realidade durante o desfile realizado no ultramoderno prédio de vidro de Londres”, escreveu Suzy, com nostalgia, em sua coluna, que terminou assim: “Em uma era em que a maré alta da moda está baixando, como uma onda de normalidade maçante que rola para frente, o retorno de John Galliano à passarela deve ser bem recebido por qualquer pessoa que ame a glória do extraordinário”.
Suzy também deu voz às pessoas que testemunharam o acontecimento que ganhou as redes sociais com a hashtag #margielamonday. “Eu nunca vi nada igual em toda minha vida. Todos os looks contam uma história e nós trabalhamos por seis meses, muito tempo, em cada um deles”, disse Rosso à jornalista. Ela revelou ainda que Elbaz enviou uma caixa de lápis e giz de cera como um presente de boas-vindas para o estilista e que Kate Moss disse ter ficado arrepiada com um dos vestidos vermelhos apresentados.
Sobre as roupas em si, Fury observou que elas capturaram um pouco da “energia exuberante e do senso de experimentação” característicos da Margiela, mas sem deixar de lado a inventividade e energia do ex-diretor criativo da Dior. “Vestidos de tule delicados e casacos extravagantes foram dilacerados e reconfigurados, de forma que um par de calças de smoking acabou virado de cabeça para baixo em um vestido sem alças (…). Destroços – conchas, itens de armarinho, carros de brinquedo e soldados, nada que lembrasse muito a moda – deram origem a bricolagens em estilo Arcimboldo, formando rostos. Galliano se referiu a eles como um ‘Cabinet de Curiosités’. Talvez eles também fossem uma jogada irônica em uma grife conhecida pelo desconhecido (durante toda sua carreira, o fundador Martin nunca mostrou seu rosto para a imprensa) (…)”.
Fury também chamou atenção para as condições excepcionais (leia-se o local e a data escolhidos) sobre as quais a apresentação foi realizada. Esta foi, por exemplo, a primeira vez que um membro da Chambre Syndicale de la Haute Couture, entidade máxima da Alta-Costura francesa, apresentou uma coleção fora de Paris.
Já Vanessa se mostrou mais cética, dividindo com os leitores do “The New York Times” que esperava mais da estreia de Galliano e que torce para que, na próxima temporada, o estilista dê um passo adiante. Segundo a expert, para além de toda a empolgação que envolveu o evento dessa segunda-feira, “[A coleção] não foi o nascimento de uma nova visão – um daqueles momentos que mudam a direção das roupas, redefinindo a silhueta e o ‘mood’, e que fazem com que as mulheres reconheçam e pensem, ‘assim é como eu quero me vestir a partir de agora’. (…) Ela foi mais como um alongamento vagaroso, um aquecimento. Você deve entender. Sr. Galliano ficou sentado no banco por um tempo”.
Em seu texto, Vanessa levanta ainda um questionamento crucial e ainda sem resposta pronta: a moda mudou e será que Galliano conseguirá se manter relevante daqui para frente? “Quanta diferença esses anos [de seu afastamento das passarelas e reabilitação] podem ter feito? Teria o designer mudado sua estética fantasiosa e enviesada do mesmo jeito que ele teria mudado sua personalidade? Será que o maior showman da moda vai prestar atenção para a identidade de uma marca estabelecida sobre discrição e ironia, ou ele ignorará completamente? O desfile será – bom, não; o Sr. Galliano é sempre bom – mas, mais importante, relevante?” E a resposta dada pela jornalista é um vago “talvez”. O jeito é esperar para ver.
+ John Galliano mostra boa forma em sua estreia na Maison Margiela, por Camila Yahn