Por Luísa Graça
“Resista à aceleração e ao seu arfar obsessivo que ameaça devastar a vida. Resista ao mantra da velocidade que violentamente leva à perda de si mesmo. Resista à ilusão de algo novo a qualquer custo”.
A criação como um ato de resistência foi o que catapultou o Verão 18 da Gucci, apresentada hoje em Milão com 107 looks das coleções feminina e masculina. Em seu segundo ano no comando da direção criativa da marca, Alessandro Michele resiste a rótulos e classificações ao evocar um ecletismo superlativo por meio de uma variedade enciclopédica de referências. E assim continua a criar um universo bastante peculiar, no qual qualquer um pode habitar, se encontrar. Segundo as notas da grife, cada peça da coleção vibra com uma tensão intelectual que resiste à homologação – em nome do direito à diferença e a um viver inerentemente criativo, amém. É a moda como ponte para tribos diferentes. As ideias de Heidegger sobre autenticidade, glam oitentista, bordado chinês, fluidez de gênero, stagewear dos anos 1970, códigos talismânicos, terno galês, o cartoon Pernalonga, as irmãs Mitford, cultura asteca, paetês e cristais, baseball, música trance e a trilha dramática de Réquiem Para Um Sonho… tudo pode coexistir.
“Há quem pense que eu quero destruir as tradições da moda. Tudo que tenho feito é questionar a maneira que a moda faz as coisas”, explicou o estilista ao The Guardian.
Roma não foi construída em um dia
E qual configuração melhor para resistir à monotonia da convenção do que um cenário que justapõe diferentes culturas e períodos na história? Michele fez da passarela azul no Gucci Hub seu aceno ao Rio Tibre, que atravessa Roma, e baseou o percurso num mapa antigo da casa de campo do poeta romano Horácio. Como totens no caminho, esculturas, pórticos e pilares refletem referências diversas com um tom razoavelmente kitsch: as ruínas do Foro Imperial, um buda chinês, um pórtico medieval, arcos tipo indiano e asteca e até mesmo uma múmia egípcia. Os bancos angulares e a sinalização coloridíssima no chão deram ao set um contexto mais urbano, cortesia de uma outra inspiração cartográfica: a do metrô milanês. O cenário levou três semanas para ser construído e passará por um processo de desmontagem com duração de 10 dias.
Rocket Men
Não bastassem as várias referências já citadas (e tantas outras não-citadas), dois dissidentes, rebeldes criativos cada um à sua maneira, foram reverenciados na coleção: Elton John e Bob Mackie. Um splash de glam rock sobreveio muitas das peças como os tracksuits brilhantes, macacões de cintura alta, paleta em tons de rosa, roxo, verde e laranja, blazers bordados com ombros extravagantemente largos e as iniciais EHJ nas costas (Elton Hercules John). E pra quem tiver dúvida, Michele desenha: há bolsas estampadas com uma capa de um vinil de 1971 do cantor. Alguns dos looks são, inclusive, uma recriação dos arquivos de Sir Elton e fazem parte de uma coleção-cápsula da marca, em colaboração com o próprio. É uma homenagem do estilista ao artista e também à Bob Mackie, figurinista e estilista que desenhou muitas dessas peças originais de John e cujo autógrafo está cravado em uma das camisetas da coleção.
Desejo imediato
Os acessórios têm ajudado a impulsionar a Gucci com vendas recorde na história da marca, virando desejo imediato logo que os modelos pisam na passarela, como a bolsa Dyonisius e o mocassim Prince. Nesta temporada, óculos de armação grossa à la Sir Elton, as bolsas “Guccy” (uma brincadeira espirituosa com a falsificação de peças da marca), bolsas tote estruturadas em couro e colares de múltiplas camadas com GGs giga pipocaram na passarela. Mas o item da vez, que já vem aparecendo nos desfiles da Gucci há algumas coleções, é a pochete/cinto que ganhou versões derivadas de vários modelos de bolsas da grife, como a Marmont e a mini-messenger com monograma.