Tempos duros pedem decisões agudas. Ronaldo Fraga nos mostra que não podemos relaxar sequer um minuto porque o “inimigo” mora perto de nós: o violento conservadorismo que tira tantas vidas por mero preconceito. Estamos falando aqui da perseguição real que vivem as transexuais no Brasil e no mundo, pagando com suas vidas a falta de aceitação e entendimento da sociedade. Mas onde está a moda? Em tudo. A moda é o veículo de que o estilista se utiliza nesses “tempos de guerrilha”, como ele mesmo disse ao FFW, no backstage depois do desfile. A moda para Ronaldo é um ato político. E esse ato colocou um casting de transexuais, em pleno poder, desfilando lindas e firmes no SPFW.
Veja os principais destaques desse momento:
O protesto
Ronaldo Fraga nos mostra uma coleção nos convidando a ver uma causa social de um modo que ultrapassa, de longe, as fronteiras comerciais de um desfile de moda. Não se fala em venda, não se fala em segmento, não se fala em calendário. Enxerga-se arte e política num ativismo lírico e dramático. Depois do desfile, conversou em tom emocionado com o FFW: “Eu espero realmente que isso plante alguma coisa. Não dá para brincar com essa onda conservadora que está tomando conta do mundo. Já falei de resistência na temporada passada e continuo repetindo. O mundo não precisa mais de roupa, precisa de outras coisas. Não posso falar muito que começo a chorar, tá vendo? Neste teatro foi encenado Macunaíma!”
Transexuais, o casting
A prioridade para o estilista foi menos a roupa que se estava mostrando, e mais quem a estava vestindo. Foram as modelos a dar poder para os looks, e não o inverso. Como Ronaldo nos contou, elas vieram de várias realidades. Donas-de-casa, cabeleireiras, bancárias, garotas de programa. Não importava exatamente a profissão de cada uma, mas a batalha que viveram para se transformar nas mulheres que são. No camarim, depois, emocionadas, falavam em realização. “Estamos fazendo isso por todas nós”, era uma das frases que ecoavam.
‘O primeiro vestido’ como tema central
Uma história que a coleção conta é a da primeira vez que uma transexual coloca um vestido de mulher. Momento mágico que cura outras dores como o bullying da escola, a rejeição familiar. Esse vestido vem com cara de vestido de boneca. E na passarela ele veio assim, com estampas que imitavam recortes e bordados, uma estética plana como das roupas das bonecas de papel. Sente-se um ar de cabaré que poderia ser de qualquer época entre anos 20 e 40. O glamour do underground, que é a cara da história que estamos contando.
O teatro histórico
O Theatro São Pedro entrega boa parte da sensação dramática deste desfile, com uma bagagem de um passado histórico que começa na sua construção, em 1917. Lá foi encenada a peça “Macunaíma” na década de 70, fato que Ronaldo Fraga nos conta quase com lágrimas nos olhos. Ouvir “She”, de Aznavour, enquanto as modelos desfilavam pelo teatro foi uma experiência de imagens e sensações que levou o poder da moda a grandes consequências.