Ronaldo Fraga sabe contar bem uma história. É dessas pessoas que começam a conversar e te transportam para outro lugar, ao ponto de te emocionar com tamanho envolvimento. O dele e o seu, no universo que ele generosamente faz questão de dividir com o interlocutor. Seus desfiles são tão tocantes certamente por isso. Ao falar de amor, da China, da juventude ou do rio São Francisco, há honestidade de intenção, recheada com um talento vindo de um olhar muito particular, cheio de poesia e engajamento, que desta vez se voltou para o tema dos refugiados do mundo. As roupas são um meio de comunicar toda essa mensagem, da mesma maneira que simbolizam a única herança que muitas das pessoas fugidas de seus países carregam, embarcando em viagens de barco levando consigo apenas o que vestem. “Há um elo entre a cultura deles e suas roupas”, diz Ronaldo Fraga, que, nesta coleção, critica a intolerância, não só dos países europeus que querem virar as costas para refugiados e imigrantes, mas para a intolerância das diferenças, incluindo as do Brasil. “Vivemos um momento de muita intolerância aqui e em todo o mundo.”
A seguir, os 10 destaques do desfile de Ronaldo Fraga, intitulado “Re-existência”.
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1. Uma viagem à África
Tudo começou no ano passado, quando Ronaldo Fraga fez uma viagem de dois meses para a África. “Há lugares como o Brasil, a Índia, a China e a África, de onde você não sai do jeito que entrou.” Dessa viagem, Ronaldo trouxe experiências significativas, muitas delas de Moçambique, onde passou mais tempo, que juntou com o movimento dos refugiados – africanos, mas não apenas – e a literatura do português nascido em Angola Valter Hugo Mãe e do escritor moçambicano Mia Couto. Quando foi para a África diz que não tinha na cabeça que sua próxima coleção sairia dali, mas acabou acontecendo.
2. Máscaras de Burundi
Localizado na África Central e um dos países mais pobres do mundo, Burundi vive uma guerra civil há décadas, desde que, nos anos 90, o primeiro presidente eleito democraticamente foi assassinado. O conflito já fez mais de um milhão de refugiados e e pelo menos 200 mil mortos. No ano passado, Pierre Nkurunziza, no poder desde 2005, tentou a reeleição e acionou nova onda de protestos. Muitos dos manifestantes usavam máscaras, e foi inspirado por elas que Ronaldo criou os seis modelos de tricô coloridos que abriram o desfile, no grupo de modelos que vestia camisas brancas, com furos e manchas de sangue, com a inscrição “Refugee” nas costas. Segundo Ronaldo, a ideia era também remeter à cultura islâmica das burcas femininas.
3. Refugiados
Cinco refugiados convidados pelo estilista – dois sírios, uma congolesa, um senegalês (que abriu o desfile) e um palestino – participaram do desfile de Ronaldo Fraga. Ao FFW, contaram suas histórias e por que vieram para o Brasil.
4. Beleza
O beauty artist Marcos Costa como sempre assinou a beleza de Ronaldo Fraga e foi incumbido de um desafio. “Pedi para que ele se inspirasse nos cabelos trançados das moçambicanas refugiadas em Portugal. Pedi para que imaginasse que elas haviam acabado de chegar, trazendo em seus penteados a cultura do seu país. Nenhum podia ser igual ao outro”, conta Ronaldo. Perfeccionista, Marcos criou uma rica variedade de trançados moçambicanos. “Em tempos áridos, proponho uma beleza real com pele luminosa e verdadeira, em contraponto com cabeças-esculturas inspiradas nas moçambicanas que vivem em Lisboa. O real em contraponto com a fantasia poética que a moda nunca pode perder”, diz Marcos.
5. Barquinhos, correntes, figas
A aplicação em forma de barquinhos de papel que aparece na coleção foi feita com a impressão de um jornal de Moçambique, e simboliza a fragilidade das embarcações nas quais os refugiados viajam. “Elas afundam mesmo.” Estampas de correntes douradas, correntes usadas como echarpes e print de figas evocam, de um lado, a relação quase de aprisionamento a qual essas pessoas se submetem para sair de seus países e a esperança de uma sorte melhor em outro lugar.
6. Mix de culturas
“Este não é um desfile africano”, salienta Ronaldo Fraga. Apesar da referência principal vir da África, o estilista quer misturar outras referências culturais por meio das roupas, como a padronagem listrada das roupas sírias, que foi reinterpretada por meio de listras feitas de elástico colorido em fundo de náilon transparente e que acaba se integrando à imagem do conjunto, junto com referências africanas como o print de pintura corporal.
7. Trilha sonora
Todas as músicas foram escolhidas por Ronaldo Fraga, que queria dar uma atmosfera familiar garantida pelo português, mas com algum estranhamento vindo do sotaque moçambicano ou de Portugal, como o da Oquestrada, grupo português de origem moçambicana, Dona Rosa e Maurício Tizumba, que fechou o desfile com a música Maurice à Paris. A apresentação começou com uma trilha gospel cantada em zulu.
8. Ronaldo sensual couture
Ronaldo Fraga já me disse uma vez, numa entrevista, que conhece muito bem a fórmula das roupas sensuais que são sucesso comercial. Se não faz é porque não quer. Gosta de interpretar a mulher de maneira menos sexualizada e mais intelectual e poética. Já há alguns desfiles, o estilista brinda as mulheres que gostam da atitude mais glamourosa sensual na roupa com um ou outro modelo. O dessa estação foi um primoroso vestido branco todo bordado de um ombro só, contornando o corpo numa saia midi ajustada. Total couture.
9. Masculino by Rodrigo Fraga
Dono de uma marca masculina que leva seu nome, Rodrigo Fraga já havia criado dois ternos na coleção passada do irmão Ronaldo e dado “vários pitacos” no desfile. Ronaldo então decidiu oficializar essa parceria inédita e Rodrigo assinou, pela primeira vez, toda a parte masculina da coleção. E não é que seja um novato na área: lá atrás, há mais de dez anos, chegou a se apresentar na Casa de Criadores e depois, por dois anos, desfilou no SPFW. Hoje faz roupas sob medida, mas não perdeu a boa mão na passarela que já lhe rendeu elogios no passado: o costume de linho amassado que abre o desfile, as camisas estampadas bem cortadas e as calças oversized cropped são bons exemplos de sucesso.
10. Nova loja
Depois do fechamento de sua única loja em São Paulo, em 2012, Ronaldo Fraga acabou encerrando as atividades, no ano passado, de seu endereço em Belo Horizonte. Em maio próximo, porém, deve reabrir em grande estilo. A nova loja será multifuncional, numa casa dos anos 30 na capital mineira, e abrigará, além das coleções do estilista, a marca do irmão, Rodrigo Fraga, com atendimento sob medida para a clientela masculina, um café e um espaço para venda de vinhos. Já foi apelidado pelo estilista de “O Grande Hotel Ronaldo Fraga”.