A instalação “SelfieSaoPaulo” fica em cartaz até o dia 7 de julho na avenida Paulista ©Divulgação
Quem passar pela avenida Paulista até o próximo sábado (05.07) vai poder conferir a obra de arte digital “SelfieSaoPaulo”, do pesquisador russo e expert em novas mídias Lev Manovich. A instalação transmite e analisa os autorretratos de paulistanos publicados no Instagram com a hashtag #selfiecity. A partir de um software, essas imagens são detectadas e transmitidas em tamanho gigante na fachada do edifício da Fiesp, localizado no número 1.313 da Paulista.
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A performance faz parte do projeto “Selfiecity”, que investiga o fenômeno selfie em cinco capitais globais (Bancoc, Hong Kong, Moscou, Nova York e São Paulo) e já contabiliza mais de 30 mil fotos compartilhadas com a hashtag. A iniciativa, liderada por Manovich e pelo laboratório americano Software Studies Initiative, é o primeiro estudo sistemático desse fenômeno em todo o mundo e tem como objetivo buscar novos mecanismos para compreender melhor a sociedade em que vivemos hoje.
Para entender mais sobre o projeto e sobre a selfie, eleita a palavra do ano de 2013 pelo Oxford English Dictionary, o FFW entrevistou Manovich. Acompanhe a seguir:
Como surgiu a ideia do projeto “Selfiecity”?
Eu e o Software Studies Initiative estamos envolvidos em projetos que analisam fotos do Instagram desde o meados de 2012. Em agosto de 2013, depois de explorar bastante a plataforma, decidimos focar nas selfies. Isso foi poucos meses antes de ela ser eleita a palavra do ano pelo Oxford English Dictionary.
A ideia inicial era estudar uma grande amostra de selfies no Instagram para ver o que estava lá. A hipótese era de que nós iríamos encontrar uma grande variedade de estilos, idades e diferenças culturais quando comparássemos selfies de diferentes cidades — e foi exatamente isso o que constatamos. No entanto, se nós simplesmente examinarmos as selfies ou observarmos as pessoas ao nosso redor tirando autorretratos, fica difícil quantificar modelos ou comparar sistematicamente as fotos feitas por pessoas de diferentes idades, gêneros e locais.
As selfies já eram tema de muitas discussões na mídia desde o final do ano passado. Mas este é o primeiro projeto que investiga essas questões sistematicamente, usando cuidadosamente uma grande amostragem e suas estatísticas.
Por que você escolheu São Paulo como uma das cidades do projeto?
Nós buscávamos um entendimento global, então decidimos comparar selfies feitas e postadas em cinco cidades globais em todos os continentes. Eu nasci na Rússia e nosso designer visual (Moritz Stefaner) nasceu na Alemanha, por isso a Europa tem duas cidades — Moscou e Berlim. As outras (São Paulo, Bancoc e Nova York) são importantes centros econômicos e culturais em suas respectivas regiões e, quem sabe até, em seus continentes.
O pesquisador Lev Manovich (@levmanovich) ©Reprodução
O que as selfies podem dizer de cada sociedade?
Nós acreditamos que essas imagens podem transcender as limitações da linguagem. Com o estudo de uma grande amostra de imagens compartilhadas via redes sociais, esperamos desenvolver novas formas de compreender o bem estar de uma sociedade e o “que, onde e quando” de suas necessidades.
A selfie é um produto típico do tempo presente e de uma cultura global, que se tornou possível graças ao desenvolvimento da tecnologia de produção de imagens, especialmente os smartphones com câmeras, e de compartilhamento de imagens, como o Instagram. Ela é um novo subgênero da fotografia vernacular [aquela de caráter amador e privado, como as dos álbuns de família], intimamente relacionada com a disponibilidade e acessibilidade dos smartphones e conexão móvel com a internet. Mas ela também faz parte da história da fotografia e do autorretrato.
O fenômeno da selfie levanta questões ainda sobre a autorrepresentação, o “self-fashioning” e as comunicações interpessoais por meios visuais. A análise dessas imagens gera alguns resultados surpreendentes. Por exemplo, parece que homens com mais de 30 anos tiram mais selfies que as mulheres da mesma idade. Mas nós não achamos que as mulheres com mais de 30 anos não tiram e compartilham selfies — elas provavelmente apenas não as tornam públicas pelo Instagram.
Outro resultado interessante que observamos foi o fato de que as pessoas postam menos selfies publicamente (pelo menos no Instagram) do que podíamos supor. O hype criado em torno delas gerou uma suposição de que quase toda foto postada no Instagram é uma selfie, mas isso não é verdade. A análise de todas as fotos postadas na rede social nas cinco cidades estudadas durante uma semana revelou que apenas 4% eram selfies.
O que pode ser dito sobre São Paulo, e por extensão sobre o Brasil, pelas suas selfies?
Descobrimos que cada cidade tem características únicas. Por exemplo, Bancoc é a cidade mais jovem (a média de idade das pessoas nas selfies é de 21 anos). Nova York é mais velha (com 25 anos em média). Moscou tem 4,6 vezes mais selfies femininas do que masculinas. E, em São Paulo, a média de inclinação da cabeça em selfies do sexo feminino é a mais extrema.
Isso significa que podemos falar sobre algumas diferenças culturais ou preferências de autorrepresentação que são mais proeminentes em um lugar ou outro. No caso de São Paulo, esse alto grau de inclinação da cabeça pode ser resultado da forte “expressividade” e “paixão” do povo brasileiro. Não há como provar ou descartar essa ideia, mas é um fato interessante a se considerar.
Na sua opinião, o Instagram está mudando a história da fotografia? Como?
A selfie é parte de um fenômeno mais amplo, a fotografia vernacular, cuja história é tão longa quanto a da própria fotografia. Por exemplo, tradicionalmente as fotografias dos álbuns de família são associadas às mulheres, que são, na maioria das vezes, as guardiãs desses registros. Os processos atuais dão continuidade a essa tendência de certa forma.
Ao mesmo tempo, como todo o conceito de compartilhamento de imagens online é muito recente; ainda é cedo para dizer com precisão qual impacto que isso terá sobre a história da fotografia.