Por Camila Yahn e Carolina Vasone
Escolher 10 desfiles entre centenas não é uma tarefa fácil. Observando como a temporada se desenrola, duas coisas ficam claras: a primeira é que, num momento em que as marcas, preocupadas com as vendas, focam numa moda cada vez mais comercial, mastigada para a cliente desde a passarela, o papel do stylist ganha importância inédita: é ele quem traz muito do frescor que vemos nas coleções. O que acontece nas semanas de moda é replicado como tendência estabelecida de estilo: hoje, mais do que ter peças relevantes, o que fará diferença de fato é a maneira como se combina tudo. A segunda constatação é perceber como, atualmente, nenhum criador é maior do que uma marca. Não por acaso, as duas parcerias mais bem sucedidas do momento entre grandes maisons e estilistas é a da Dior, com o discreto Raf Simons, e a da Louis Vuitton, comandada pelo low profile Nicolas Ghesquière. Chanel é caso à parte. Dirigida por um showman, Lagerfeld, desde os anos 80, fez a melhor de suas coleções em muito tempo.
O resultado da matemática dos shows em Nova York, Londres, Milão e Paris para o Verão 2016 mostra vantagem para desfiles bonitos e bem executados, com roupas lindas e desejáveis, porém sem autenticidade, novidade ou frescor. Jovens estilistas como J.W. Anderson e Simone Rocha ajudam a fazer o contrapeso. Abaixo, mais oito apresentações que completam a nossa lista dos 10 melhores desfiles da temporada, que indicam novos movimentos, ideias e maneiras mais interessantes de fazer e vestir moda. Porque toda regra, afinal, tem suas exceções.
Céline
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Esta foi uma coleção de opostos, a do Verão 2016 da Céline. O romantismo, a sensualidade e a languidez do vestido tipo lingerie se contrapôs à estrutura cheia de volume, mais agressiva, associada à alfaiataria, do resto do desfile. Mangas estufadas e imponentes versus camisolas fluídas e delicadas; calças amplas e masculinas versus plissados superfemininos; romance clássico versus volume conceitual contemporâneo. Na coleção de Phoebe Philo, porém, não há antagonismo. A ideia é mesmo fazer uma confluência dos dois mundos, colocá-los no mesmo guarda-roupa e usar tudo harmonicamente, pela mesma mulher. A diretora criativa disse que pensou nesse conceito de uma coleção portável, estendida para a cenografia, composta de uma tenda multicolorida: basta desmontar, empacotar e levar. Ela também fala entre o contraste do urbano e do rural, e diz que tem cada vez se aproximado mais da natureza, “onde mais tenho gostado de estar”. De fato, os opostos de atraem. No Verão 2016, a atração deu num feliz casamento.
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Chanel
https://www.youtube.com/watch?v=mOJTZ8zun4M
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A Chanel mostrou sua melhor coleção em um bom tempo com o desfile Chanel Airlines, inspirado em um tema bem amplo: viagens, aeroporto. Mulheres de todos os estilos e idades passam por eles e a vantagem de fazer desfiles com quase 100 looks é que dá para mostrar todos os tipos de opções possíveis para toda a sua gama de clientes: das jovens patricinhas, passando pelas fashionistas orientais às madames tradicionais. Pelo aeroporto da Chanel circulam jovens de estilo grunge e mulheres chiquérrimas portando chapéus para combinar com seus finos ternos de tweed e salto alto. Mas aqui, o que se faz notar melhor são os looks mais modernos com jogo de volumes, sobreposições e explosões de cores, jaqueta amarrada na cintura e boné virado pra trás, boas sacadas de um styling que se comunica sem esforço com as jovens fãs e consumidoras. Entre as dezenas de acessórios, três certamente devem evaporar das lojas: a mala de viagem, as sandálias com led nas laterais e as bolsinhas em forma de mala de rodinhas. Desfile 1st Class.
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Givenchy
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Riccardo Tisci tirou, nesta estação, o desfile da Givenchy de Paris e brindou Nova York com o show mais impactante da temporada norte-americana de moda. Com apresentação dirigida pela sérvia Marina Abramovic, o diretor criativo da Givenchy, que completa dez anos à frente da marca, ofereceu um espetáculo também de roupas. Quando a coleção chegar às lojas da Europa e dos Estados Unidos – e também ao primeiro endereço da Givenchy em Nova York, inaugurado recentemente -, desprovidas da emoção do desfile, elas terão ainda muito o que mostrar e provocar em termos de desejo de moda. Muito desejo. Tisci partiu do jogo clássico de misturar referências do guarda-roupa feminino e masculino em combinações a partir do smoking com o vestido lingerie de maneira descontruída, assimétrica, instigante, arrematando tudo com uma boa dose mistério e um toque de exotismo vindos de seu próprio repertório estilístico e da mistura de elementos de várias religiões, uma das tônicas de seu show. Sexy, exótico e urbano. Bravo, well done, superb!
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Gucci
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Quando Alessandro Michele estreou à frente do prêt-à-porter feminino da Gucci na temporada passada e colocou seu exército de geeks fashionistas na passarela, o mundo da moda se perguntou: “Mas onde está aquela mulher sexual criada por Tom Ford e remodelada (de um jeito mais careta, mas ainda falando sobre sexo) por Frida Gianinni?” Havia desaparecido. E todo mundo gostou. A próxima pergunta: “Foi um arroubo de estreia? Será que ele continuará com esse discurso?” Chegou o Verão 2016 e a resposta é um sonoro sim. Há uma nova mulher morando na casa Gucci, e ela veio para ficar. Segundo o estilista, não se trata mais de ser sexy, mas “sensual”. Uma sensualidade sem protagonismo, bem nas entrelinhas. Renovado, o estilo Gucci diz respeito agora ao ecletismo de referências retrôs misturadas de uma maneira contemporânea graças à personalidade independente e bem informada de sua cliente. Nesta coleção, Michele olhou para a obra da escritora francesa Madeleine Scudéry (1607 – 1701), “Map of Tendre”, um mapa de uma terra imaginária chamada Tendre, que representa um caminho em direção ao amor e que tem sua geografia inteiramente baseada no tema amor. O mapa aparece estampado em um vestido e uma saia, mas o amor é sentido por toda a coleção, em flores, laços, babados. A mudança é uma verdadeira revolução de diretriz na Gucci, incentivada pelo CEO Marco Bizzarri, que quer fazer do desfile da marca o mais importante da semana de moda de Milão. Nesta estação, alcançou seu objetivo.
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J.W. Anderson
https://www.youtube.com/watch?v=g4q1pk6m1ls
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Hot ticket da semana de Londres, Anderson já disse que fica entediado com facilidade. Assim, suas coleções definem um momento, uma ideia, mais do que servem para a posteridade. Ele parece ser um menino incansável com muitos pensamentos que vão e vêm e parece não estar interessado se ecoa para outras pessoas. Sua coleção não é fácil, há várias ideias inusitadas para serem digeridas e sua habilidade está justamente em reuni-las de uma forma que faça certo sentido (para ele ao menos). Certo sentido, não sentido total. Antes de ver, a gente acha que não gosta daquilo. Vendo, ficamos incertos. Revendo, entendemos. Anderson pode ser lido como um estilista de vanguarda, mas conhece as necessidades do mercado em termos de produto – tanto que foi nomeado diretor criativo da Loewe. Ele se inspirou em uma odisseia da mulher, olhando pro passado e pro futuro de uma forma totalmente não convencional. Com os pés na terra, a cabeça na lua. Esse tipo de moda é o que torna tudo mais interessante.
Louis Vuitton
https://www.youtube.com/watch?v=q57UbjigjIU
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“Vamos para um lugar onde tudo é feito em blocos. Onde o único limite é a sua imaginação. Ninguém pode te dizer o que você pode ou não fazer. Sem regras para seguir, essa aventura depende de você.” Em of, a voz do narrador do jogo Minecraft passa, no início do desfile, a mensagem da Louis Vuitton de Guesquière sobre a relação com o novo mundo digital: liberdade de escolha para construir o seu próprio repertório a partir de infinitas possibilidades de informação. Projeções de vídeo em telões por toda sala de desfile, o tema da era cibernética, dos games, da inteligência artificial, das redes sociais, já não é assunto do amanhã, mas a realidade que todos vivem hoje. E Guesquière interpreta esse presente que até ontem ainda enxergávamos como futuro de maneira brilhante. Assim, o desfile passeia pela referência dos anos 90 em séries que vão do grunge das ruas à tecnologia do mundo virtual, misturando macacões estonados de uniforme operário, vestidos molengas com volumes estruturados, saias balonês, tops de rede, bermudas ciclistas e calças com vivos esportivos e fios metalizados lembrando a fiação dos computadores.
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Marc Jacobs
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Paris era a segunda casa de Marc Jacobs durante os anos em que trabalhou para a Louis Vuitton. Agora, morando somente em Nova York, ele chegou a reclamar de saudades daqueles tempos. Pois esse desfile foi seu acerto de contas com seu momento e, de certa forma, um desafio. Em meio a tantas mudanças em sua vida pessoal e profissional, qual caminho seguir? Marc deu seu melhor: humor, criatividade, uma espécie de the best of, recheado de peças inusitadas e que são tão… Marc Jacobs. Há uma homenagem explícita aos Estados Unidos, desde o uso intenso de vermelho e azul às referências à bandeira americana. De jaqueta jeans a vestidos de noite, camisa xadrez a estampas loucas, o desfile tem seus momentos absurdos em que nada casa com nada, mas tudo pertence a um mesmo universo. O desfile começou com as modelos entrando no cinema Ziegfeld Theatre, palco de grandes pré-estreias, e parando em um backdrop como as celebridades fazem no tapete vermelho. Aí mesmo já sabíamos que ele encerraria a temporada de Nova York fazendo o que sabe fazer melhor: surpreender.
Stella McCartney
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Stella em seu melhor momento. Aqui lembramos de onde saiu Phoebe Philo, ex-assistente de Stella na Chloé, com suas coleções pensadas para a mulher contemporânea. McCartney, mais uma vez, se inspirou em mulheres fortes, entre artistas, escritoras, arquitetas. De fato, muitas mulheres que circulam por profissões mais artísticas irão abraçar essa coleção, que consegue ser feminina, confortável, original e a mais forte da estilista em muito tempo. Os looks em xadrez e os listrados assimétricos em cores fortes rendem os melhores momentos e já causam um impacto logo ao abrir o desfile. A evolução deles para os plissados sobrepostos – outra configuração de listras – também vale destaque. Tem o momento da alfaiataria, em que ela joga com os símbolos masculinos de forma sensual e fresca, com decotes, recortes e fendas, sem estereotipar para nenhum dos lados. Uma coleção com energia e movimento, usável e, mais que tudo, desejável e contemporânea.
Simone Rocha
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É um prazer olhar para a coleção de uma jovem estilista e ver que ela entra em uma lista com os 10 melhores, escolhidos entre centenas de desfiles. Seu talento já era reconhecido e suas coleções vinham evoluindo a cada temporada, mas nesta ela subiu um degrau e se confirmou como um dos nomes mais quentes da semana de moda londrina, ao lado de J.W. Anderson. Aqui, ela mostra com quantos vestidos rosa se faz um bom verão. Claro que não é só isso, mas é do que mais lembramos quando a coleção vem à mente. Saias volumosas e mangas bufantes podem parecer coisa de debutante, mas com Simone vira um exercício de forma, volume e técnica. Ajuda ainda o fato de que se inspirou no Japão de forma inusitada: quando estava em Kyoto, descobriu que estava grávida e a sensação estranha de seu “novo corpo” foi um dos pontos de partida, junto a fotografia de Nobuyoshi Araki, que tem uma carga erótica forte, com cenas de mulheres em bondage (de onde ela tirou as faixas que cruzam o corpo). Assim, misturando a sensação de pureza que vem com a gestação, com a sensualidade realista de Araki, ela construiu uma coleção de dualidades: a inocência e o fetiche convivendo em harmonia.
Vetements
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O desfile da Vetements foi um dos mais comentados da temporada. Se o coletivo parisiense já estava fazendo barulho com suas roupas que falam com as vontades extremas das ruas, nesta estação o boca-a-boca se intensificou pelo fato de que o estilista da marca, Demna Gvasalia, era um dos cotados para assumir a Balenciaga, fato que se confirmou após o desfile da marca.
O coletivo formado por oito amigos e capitaneado por Gvasalia tem injetado novidade na cena de Paris, ainda conservadora e voltada para as grandes maisons. “Tentamos refletir o que sentimos que está acontecendo ao nosso redor em Paris e nos subúrbios. Não tem mais a ver com sentar em um café no Rive Gauche. Nós nem conhecemos essa parte de Paris”. Essa frase de Demna dita a “i-D” traduz o espírito da Vetements. As roupas parecem erradas e em proporções estranhas, enfrentando as definições estabelecidas de cortes e caimentos. As mangas são mais longas do que os braços, as camisas e paletós têm ombros enormes, as calças têm um monte de tecido sobrando nas barras, assim como as botas, frouxas nas pernas. As combinações são inusitadas, mas é essa maneira de pensar o vestuário que traz a sensação do novo, um outro olhar para a roupa e para o estilo, que certamente encontra eco nos jovens cosmopolitas de hoje.