Cadeiras da nova coleção de móveis da italiana Marni ©Divulgação
Já faz tempo que o pensamento geral dos admiradores da moda absorveu a ideia: moda não é apenas roupa. Existe uma infinidade de filósofos, sociólogos, antropólogos e afins (inclua-se Lars Svendsen, jovem pensador contemporâneo, que depurou o melhor dos clássicos) que nos anunciou essa máxima. Moda é mais, moda é toda uma construção que se faz valer de outras artes aplicadas e das referências culturais a que temos acesso, para existir. Moda devora tudo, e nos entrega numa imagem, e, sim, numa peça de roupa. Mas também num gesto, numa musa, num filme e, inclusive, numa cadeira. Por que será? Porque moda significa expressão de um gosto.
E o que é o gosto? É algo, sim, espontâneo, mas também construído. O background cultural de cada um nos faz ter um gosto. O que experimentamos, com cada um de nossos sentidos, amplia e refina nosso gosto. Se viajarmos, in loco ou virtualmente, para as capitais de moda, nos alimentamos dela. Se degustarmos conscientemente uma boa série de vinhos, construiremos nosso conhecimento de quais são as características marcantes e o que é um vinho de qualidade.
Uma peça de moda, que serve para atrair o nosso gosto, veio do gosto de alguém.
A Semana do Design de Milão, que acontece sempre no mês de abril, e atrai visitantes não só da Europa, como do mundo todo, é uma ótima oportunidade para as marcas de moda mostrarem seu gosto em outras peças que não as de roupa. Mas as da casa. É como pensar: que tipo de design de interiores atrai aquele personagem que desfilou na passarela? Em que poltrona aquela mesma mulher que veste aquela moda teria em sua sala? Quais são as cores do tapete da dona daqueles sapatos? Porque o gosto é o mesmo. O gosto, aquele tempero invisível, vira visível em vestidos, mas também do mesmo jeito em cadeiras, abajures, esculturas, quintais.
FFW esteve na exibição da Marni, “Animal House”, durante a Semana do Design. A locação é a mesma da Semana de Moda, no bairro Porta Romana, em Milão. Mas agora, no lugar das modelos, desfilam peças de design de interiores. Com a mesma nobreza e, inevitável repetir, o mesmo gosto.
Diretora criativa dos projetos de design, Carolina Castiglioni, filha de Consuelo Castiglioni, fundadora da marca, falou sobre a mostra e o estilo da marca ao FFW. Percebe-se que as peças para casa vem do mesmo DNA das peças de roupa: “O design é uma grande paixão e gostamos de poder exprimir essa paixão com o nosso estilo. As cores e os entrelaçados que criam textura estão presentes também nas coleções Marni. A característica dessa edição de cadeiras é o fato de serem modulares e aí você tem a possibilidade de múltiplas combinações personalizadas, como também nas coleções de roupa da marca”.
Quando uma marca cria uma própria identidade, é como se ela mesma fosse um personagem, com passado, presente, futuro e, atrás de tudo isso, uma estética. Uma identidade forte nos traz um gosto marcante e prontamente reconhecível. Como quando olhamos um quadro ou ouvimos uma música e pensamos que são “a cara” de alguém. O que seria uma casa com a cara da Marni, marca de moda italiana, familiar, e tão moderna? Ou, como nos disse Carolina, “eclética e criativa”? Quem viu o último desfile de moda encontrou novamente essa mulher contemporânea e informada, que viaja, que pesca os detalhes de uma estética refinada em cada contexto que encontra à frente. Que antes de se preocupar em ser sexy, quer se divertir com a moda. Uma mulher que não tem medo de desconstruir tendências de moda, de trocar o lugar onde estão os volumes de um look, usar cores ainda únicas, de exibir sapatos ainda estranhos no mercado, enfim, de brincar com a vanguarda.
As peças exibidas pela Marni nada mais são do que uma apropriação de uma estética artesanal e territorial da Colômbia. “Uma parte das peças das bijoux da Marni vem da Colômbia e por isso acabamos estabelecendo contato com as mulheres colombianas. Já gostávamos muito desse tipo de cadeira, típica da América do Sul. Pra essa edição a Marni criou novas formas e novas combinações de cores e entrelaçados”, explicou Carolina.
A marca criou um projeto de colaboração com essas mulheres, que confeccionaram as peças à mão, usando materiais sintéticos, simples. O toque “Marni” foi editar essa coleção em forma desconstruída, assimétrica. Existem cadeiras de diferentes tamanhos e modelos e que, no conjunto final, transmitem harmonia. Os “animais” da Marni são as esculturas de porcos, girafas e outros, com um toque naif mas, visto o contexto e a curadoria, incrivelmente chics e adequados. Não por acaso as peças, antes mesmo que terminasse a semana do design, estavam todas sold out. E a renda das vendas endereçadas a um dos projetos sociais da marca, que faz doações para uma instituição que cuida de crianças com doenças terminais.
Trabalhar em família parece ser um fator com o qual estão acostumados os italianos e os fortalece. Para viver num mundo “paralelo” à tempestade de tendências, Carolina Castiglioni sugere “seguir o próprio instinto”. Mas também não esquecer das horas vagas e aproveitar a dolce vita. “Trabalho há nove anos na empresa, mas obviamente Marni sempre fez parte da minha vida. Somos uma família muito unida, temos uma troca de ideias afiada, mas sabemos também ter nossos momentos “livres” pra aproveitarmos a vida familiar.”