Nicolas Ghesquière estreia à frente da Louis Vuitton com desfile marcado para o dia 5 de março ©Reprodução
Mal começaram os desfiles da Semana de Moda de Paris e o que todo mundo quer é que chegue o último dia. E isso não significa um desejo coletivo que a temporada termine logo, mas que todos estão ansiosos para o que deve ser o acontecimento do ano na moda: a estreia de Nicolas Ghesquière na Louis Vuitton, com o desfile do dia 5 de março (quarta-feira). Coincidentemente, a data cai em uma quarta-feira de cinzas, dia de reflexão e de mudança de vida para os católicos. E certamente a saída de Marc Jacobs da direção criativa da grife, onde esteve nos últimos 16 anos, representa a busca por renovação de uma empresa que chega aos 160 anos em 2014.
Na quarta-feira, quando finalmente se acenderem as luzes e começar o vaivém na passarela, saberemos se a troca de estilistas na maison realmente representou o fim dos desfiles megalomaníacos tão aventada com o término da dobradinha Marc Jacobs/LV. Na época do anúncio que Jacobs deixaria o posto, em outubro de 2013, muito se falou sobre o encerramento da era dos grandes espetáculos na moda. Isso porque Jacobs tem uma capacidade única em criar imagens fascinantes em seus desfiles, mas o investimento necessário para esse arrebatamento nem sempre era revertido em faturamento. Ou seja, nem sempre o espetáculo se pagava. Agora, antes mesmo de observarem a coleção, os olhos estarão atentos ao todo: se o evento estará mais para uma apresentação intimista ou para os desfiles suntuosos de Jacobs. Nicolas, sabemos, é mais introspectivo e cerebral.
A Louis Vuitton é uma empresa global e todos os passos são guiados por objetivos comerciais. Bernard Arnault, o todo-poderoso do grupo LVMH (proprietário da marca), já disse que o simples fato de se trocar de estilista é um grande evento. Em outras palavras, o acontecimento por si só já dá bastante o que falar, e esse falatório leva mais pessoas às lojas. Indo além do bafafá causado pela troca de bastão, ninguém dá um pio sobre como será o desfile, mas há a possibilidade que haja referências às raízes da LV, que nasceu como fabricante de mala. O elemento tem aparecido em campanhas e é explorado pela grife sempre que possível (lembra da exposição em formato de mala que teve que ser desmontada na Rússia?). Despertar (ou criar) o desejo por malas de luxo tem tudo a ver com o objetivo atual da marca. O novo esforço estratégico, iniciado no ano passado, busca a manutenção da posição da LV por meio da venda de artigos de couro mais caros. E essa mudança nos negócios se deve, em parte, ao desaceleramento no crescimento de marcas de luxo na China, que nos últimos anos vinha garantindo o crescimento das vendas. Mas está aí o filósofo Gilles Lipovetsky para nos mostrar que o consumo passa por estágios evolutivos e que mesmo os mercados emergentes não ficarão eternamente comprando bolsas de lona (que têm custo de produção muito menor do que as de couro) só porque têm um logo de grife. Esse novo foco deve ser visível na passarela.
Na falta de informações concretas sobre o que deve acontecer no desfile, o WWD foi procurar fontes que podem dar pistas dos próximos passos da grife no mercado: analistas financeiros. E o que eles dizem é que a troca de estilista é apenas um dos elementos dessa nova estratégia. A dúvida é se haverá um esforço para que o prêt-à-porter ganhe mais espaço na receita da marca ou se ficará em segundo plano. O que parece claro é que há a necessidade de um alinhamento, pois apesar de o prêt-à-porter ser fundamental para dar visibilidade à marca, ele corresponde a apenas 5% das vendas da LV. Por isso, o desfile de Ghesquière deve marcar um ponto de inflexão.
O que os analistas ouvidos pelo WWD apontam é que há espaço para que o prêt-à-porter ganhe importância comercial no balanço de vendas da marca. O que falta é encontrar uma identidade própria, a exemplo do que fizeram Gucci, Prada e Burberry, que não vivem apenas das vendas de bolsas. Os artigos de couro representam em torno de 90% das vendas da LV, mas os analistas apontam uma grande oportunidade de diversificação apostando em fragrâncias e cosméticos, especialmente se a gente pensar que o grupo também é dono da Sephora. Jacobs foi contratado em 1997 e sua maior contribuição para a Louis Vuitton foi colocar a marca em um novo tempo dos negócios na moda, introduzindo o prêt-à-porter, os calçados, as joias e os óculos em uma grife até então conhecida apenas pelas malas e bolsas. A missão de Ghesquière agora é fazer com que a Louis Vuitton entre em uma nova era, e seu desafio é ter um olhar totalmente à frente do seu tempo (e ele é bom nisso), como Jacobs teve em seus primeiros anos de casa. Tomara que ele realmente consiga nos surpreender.