O FFW tem um caderno impresso na revista FFWMAG. Na mais recente edição, uma homenagem a Regina Guerreiro, trazemos uma entrevista com o stylist e diretor criativo Nicola Formichetti, que na época ainda trabalhava para a Mugler. Ele é agora diretor da Diesel; acompanhe tudo por aqui.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
Conheci Nicola Formichetti quando morava em Londres, lá pra trás, no meio dos anos 1990, e éramos dois jovens que gostavam de moda. Quer dizer, no caso de Nicola, um jovem obcecado por moda.
Quem o acompanha pelo Facebook ou Instagram tem que tomar cuidado para não entrar em depressão achando que a vida é muito desinteressante ou comum demais. Explica-se: nas fotos, Nicola aparece um dia em Tóquio, trabalhando com as japonesas mais modernas do mundo; no outro, de férias em uma locação paradisíaca na Costa Rica. Sem contar seus dias em Paris, Londres, Hong Kong e Nova York, onde tem residência fixa, se é que consegue ficar em um mesmo lugar por mais de uma semana.
Mas sua interação com as mídias sociais mostra seu entusiasmo e crença em tudo o que diz respeito à internet. Nicola, que começou como colunista da revista “Dazed and Confused”, construiu sua carreira em cima da experimentação e da conectividade. Suas ideias e projetos sempre são compartilhados nas plataformas online, o que deu a ele um número gigante de seguidores virtuais, mas que também mantém presença na vida real.
Hoje, oficialmente, Formichetti é diretor criativo da Mugler e a mente por trás dos figurinos de Lady Gaga, mas também assina matérias como stylist para revistas mundo afora, como a “V Magazine”, “Vanity Fair” e “Dazed & Confused”. Até pouco tempo atrás 2também era diretor da “Vogue Homme” japonesa, que deixou de circular.
Só o cargo de diretor criativo de uma marca já parece suficiente para tomar todo o seu tempo. Só trabalhar como stylist de Lady Gaga também parece algo bastante movimentado. Ser um stylist bem sucedido e cobiçado garante trabalho para o mês inteiro. Como uma pessoa consegue fazer tudo isso ao mesmo tempo então? “Sou muito focado. Quando estou trabalhando em um projeto, ele é a única coisa na minha cabeça. E também não levo tudo a sério demais. Eu me divirto muito trabalhando e acho que é por isso que consigo ser uma pessoa multitask”, diz em entrevista exclusiva para a “Mag!”.
Um dia, quando nos encontramos em Nova York, passamos uma tarde juntos e seu celular não tocou uma vez. Na verdade, nem vi o aparelho. Não estava em sua mão freneticamente tampouco em cima da mesa no almoço. Obviamente não é que ninguém ligou ou mandou whatsapp; isso apenas mostra como de fato ele consegue se organizar e dar tempo ao tempo. Na Mugler, ele trabalha 10 dias por mês em Paris. Aquele dia em Nova York estava com a tarde livre.
Nicola tem um time enxuto na sua cola, mas todos que trabalham com ele têm que ter ao menos uma característica em comum: “Têm que ser multi tarefas. Meu time é pequeno considerando o número de projetos nos quais me envolvo. É uma pequena família e todos nós nos desdobramos em muitos”. Para Nicola, esse é o segredo do sucesso hoje. “Nós somos a geração multitask. Você não precisa ser apenas uma coisa. Dá para ser várias, o que você quiser, ao mesmo tempo”.
Formichetti é um dos grandes criadores de imagem de sua geração. Ainda na “Dazed & Confused”, começou a assinar matérias de moda até se tornar diretor criativo da publicação. Recentemente, a revista prestou uma homenagem ao seu colaborador mais ilustre, com uma edição dedicada a ele e curada por ele. “Nicola trouxe uma nova onda de cores e experimentação para as páginas da Dazed”, diz Jefferson Hack, fundador da revista. “Claramente há a fase antes e depois de Nicola na nossa história. Ele sempre esteve à frente do seu tempo e foi a primeira pessoa que eu conheci que fazia casting pela internet. Ele literalmente contatava 100 pessoas para fazer um simples ensaio, então a energia saía pelas páginas”, continua Hack, em texto publicado nas páginas da “Dazed”.
Em 2012 Nicola abriu com seu irmão Andrea a Nicopanda, marca que lançou no Japão com o nome de seu “mangavatar”, cujos produtos traduzem algo como “Hello Kitty encontra streetwear”. “É uma coisa pequena e eu quero mantê-la assim, pequena e pessoal. Basicamente eu seleciono cinco ou seis peças todas as semanas e coloco na loja online”. A cada peça que divulga no Instagram, centenas de “likes” e comentários acompanham a foto. “Amo a resposta instantânea e a comunicação com meus seguidores. É muito inspirador ouvir as opiniões deles, que para mim, são mais importantes do que as dos críticos”.
Hummm. Qual a importância que uma crítica de moda tem de fato no seu trabalho?
Existe uma leva da imprensa que questiona se não-estilistas podem mesmo dirigir uma marca artisticamente. Nos velhos tempos em Londres, ao sair das festas de madrugada, parávamos em uma banca de revistas para esperar os jornais chegarem com os reviews dos desfiles da temporada. Nicola lia tudo sobre todos. E hoje? “Leio quase tudo, dos jornais aos blogs. Gosto de ouvir os comentários de todos”, diz. Mas, segundo ele, a crítica hoje influencia apenas o designer e seu trabalho para a marca. Compradores e clientes são pouco impactados pelas opiniões especializadas.
Uma das razões que o fizeram aceitar o cargo na Mugler foi justamente para mostrar para a indústria que você não tem que ser um designer com formação clássica para dirigir uma maison. “Adoro o trabalho que Carol Lim e Humberto Leon, da Opening Ceremony, estão fazendo na Kenzo como diretores de criação. São novos tempos, tudo está mudando e há espaço para todo mundo. Você pode ser estilista no mais puro contexto da palavra ou ter um perfil mais colaborativo. Depende do DNA da marca”.
De um dia para o outro, Nicola estava inserido em um universo com um universo forte, porém adormecido. Mas as imagens e os looks emblemáticos criados por Thierry Mugler tinham o efeito de uma caixa de brinquedos nas mãos de uma criança. “Tive muita sorte em ter um acervo maravilhoso como ponto de partida. O acervo da marca é muito forte. Estou apenas canalizando o espírito do que o Thierry fez e jogando para uma nova era”.
E claro, como manda a regra desta nova era de estilistas, ele mantém uma mão na criação e a outra nos negócios. Uma de suas primeiras tacadas foi rapidamente lançar uma linha de bolsas, acessório que, quando bem sucedido, chega a responder por grande parte do faturamento de uma empresa. “O business é uma parte muito importante para mim. Agora estamos no processo de criar nossa primeira loja. Não vamos esquecer que eu entrei há apenas dois anos e estamos indo muito bem para tão pouco tempo de trabalho. Mas agora eu quero é que a Mugler domine o mundo, rsrs!”.
Energia é o que não falta no trabalho de Nicola. Seja nos figurinos mais absurdos de Lady Gaga, nas páginas de revistas ou na passarela da Mugler, é como se tudo acontecesse sob o mesmo ritmo de excitação só mesmo possível quando os olhos estão abertos para o “novo” novo e as antenas permanentemente ligadas. “Adoro descobrir novos lugares ou coisas que são tabus ou não tão legais. Mau gosto às vezes pode ser bom gosto. Mas no geral, olho para tudo, não deixo nada escapar”.
Depois de experimentar em tantas plataformas, o olhar fica mais exigente e inovar, renovar ou criar fica cada vez mais difícil? “Não digo que fica mais difícil, mas não fica mais fácil também. Tenho a sorte de amar o que faço. Criar imagens é a minha paixão e eu só trabalho em projetos que tenho vontade. Dessa forma eu posso ser livre. Eu só sou bom e só funciono quando sou livre”.
+ Nicola Formichetti
Eu amo moda porque… É divertido.
Meus modelos favoritos são: Meus amigos.
Novos talentos que me inspiram: Artistas incríveis que eu descubro no Tumblr.
A Hauss of Gaga é… Uma turma de amigos se divertindo e fazendo coisas juntos.
O que a Mugler tem: Força e o fato de que você está entre a fantasia e a realidade. O universo Mugler vai além da moda. É futurista, é divertido e é digital.
Lady Gaga já recusou um look? Ela nunca diz não para os meus looks, haha! Gaga é uma grande apoiadora do meu trabalho e eu amo ela.
Hedi Slimane na Saint Laurent: Hedi conquistou sua liberdade porque sua visão é muito respeitosa com o senhor Saint Laurent.
Mais Slimane: Amo fotografar com Hedi. O processo começa sempre a partir de uma locação ou um casting. Então decidimos o que estamos sentindo sobre aquilo e… Vamos embora! Já estivemos em muitos lugares juntos, Londres, Paris, Los Angeles, Tóquio…
É dolorido ser criativo? Eu não sei fazer de outra maneira.
Estilistas estrelas são velhas estrelas? Não acho. Mas hoje há espaço para outros tipos de estrelas.