Sharon Graubard no auditório da FAAP, onde teve lugar a palestra do Stylesight ©Thiago Borba
No quarto dia de SPFW (14.06), o bureau de tendências Stylesight trouxe ao Brasil o “Stylesight Live”, um evento que já passou pelas grandes capitais da moda como Paris, Londres e Nova York, com o objetivo de apresentar o seu famoso mapa de tendências “Runway Roadmap” – Outono/Inverno 2013 – que pega as tendências das passarelas internacionais e as destrincha em um guia de inspirações. Para a apresentação desse mapa de tendências, ninguém melhor do que a sua criadora, Sharon Graubard, vice-presidente sênior do escritório de Nova York, que deu uma palestra para um auditório cheio na FAAP.
A palestra seguiu-se por uma mesa redonda, na qual estavam presentes a dona da tecelagem Santaconstancia e ícone da moda brasileira, Costanza Pascolato, o gerente de estilo da Riachuelo, Luiz De Maio, a brand manager da Farfetch, Daniely von Atzingen, e a diretora de tendências do bureau no Brasil, Camila Toledo. O tema da mesa foi “O futuro da moda brasileira”, que sempre gera discussão e algumas opiniões mais afiadas. Costanza, por exemplo, falou sobre a importância de formar pessoas em modelagem e tecelagem: “Todo mundo quer ser estilista; falta a base”, disse, e todos concordaram.
Costanza Pascolato, Sharon Graubard, Camila Toledo, Luiz De Maio e Daniely von Atzingen © Thiago Borba
Ao fim da discussão, o FFW conversou com Sharon, que explicou como constrói o seu elaborado mapa e como ele pode ser adaptado aos vários países, incluindo o Brasil.
Confira abaixo a entrevista completa:
Como começa o processo de uma pesquisa de tendências?
Pode ser com qualquer coisa, uma pessoa passando na rua, uma fotografia antiga, uma fotografia recente ou só uma ideia. Algumas vezes é alguma coisa que você lê, ou alguma coisa que você vê, é muito difícil dizer como começa. Para nós no Stylesight, estas tendências são catalisadoras do que nós chamamos de megatrends (mega tendências), que são depois trabalhadas no nosso escritório maior em Londres. Nós não somos tão voltados para o consumo, tentamos pensar qual é o verdadeiro desejo e como é que vamos expressar isso por meio da roupa, que é a forma de arte mais democrática que existe, a arte que todos praticamos.
Você criou o “Runway Roadmap”. Como sentiu essa necessidade?
Eu faço este tipo de livros há muito tempo. Comecei como ilustradora e costumava desenhar as roupas para as revistas e jornais. Muitas vezes a roupa não existia, mas o editor pedia-me para desenhar coisas que estavam na cabeça dele com inspirações em outras coisas existentes. E eu tinha grande facilidade em fazer isso, em ver o que estava para a frente. Depois trabalhei para várias empresas analisando tendências de passarela, mas eles queriam coisas tipo “casaco militar”. E eu dizia: “Isso não é uma tendência, é um item. Qual a história por trás dessa peça?”.
Uma vez eu li – e atenção, isto foi há 20 anos – que as pessoas entendem as coisas melhor quando ouvem uma história. E comecei a criar uma história na minha cabeça em relação às tendências: sobre o que aquilo significava, quem usava, e a juntei com outras referências. Eu tenho uma grande paixão por arte, então tenho uma grande quantidade de imagens na minha cabeça que relaciono com itens que vejo na passarela e com as quais ilustro as tendências e construo melhor essa história. Quando mudei para o Stylesight, adaptei esse meu formato para o “Runway Roadmap”, e o que ele tem de mais legal são precisamente essas referências.
Como isso afeta o mercado? Como as pessoas usam esse mapa que você elabora?
Tenho muitos clientes de varejo que vêm e já falam que não querem saber da arte e da história. (risos) Mas tem outros que se inspiram só com uma palavra. Eu penso sempre em Shakespeare e nos Simpsons, que são as minhas duas referências de clientes. (risos) Shakespeare escrevia para os inteligentes, intelectuais e sofisticados, mas também escrevia para o povo que ficava se embriagando nos bares. Eu sempre tento mostrar a tendência de uma forma acessível a todo o mundo. Se trabalho de forma conceitual, podem se inspirar e tirar ideias, mas se trabalho de forma mais concreta, conseguem entender o que estou falando.
Uma das páginas do mapa de tendências de Sharon com todas as inspirações ©Reprodução
Como os seus mapas afetam outras áreas?
Afetam tudo. Antes de mais, estamos vivendo na era dourada do design. Hoje em dia, não suportamos mais olhar para uma coisa feia. Todas as garrafas de água, todas as embalagens, os anúncios de TV (quase todos!) são bonitos. O design enriquece as nossas vidas. Acho que a passarela, de certa forma, é uma antena de sensibilidade. Eu já vi coisas aparecerem na passarela anos antes de aparecerem em qualquer outro lugar. Vou dar um exemplo: Há muito tempo, cerca de três empregos atrás (risos), elaborei um book sobre a tendência “artesanal”. Na época, as pessoas nem conheciam essa palavra, foi na passarela que vimos pela primeira vez as costuras marcadas com os pontos aparecendo, a decoração com pedraria e os tecidos naturais. Comme des Garçons e Marni, por exemplo, eram dois grandes “artesãos”. E agora, aqui estamos 15 anos depois bebendo café artesanal e comendo doces artesanais. Até na maneira como vivemos, nos atos reais, queremos ter um senso de artesanato, de arte, quando fazemos a nossa maquiagem de manhã ou quando nos vestimos.
Por que acha que isso acontece?
Por várias razões. As pessoas querem se conectar umas com as outras. A internet foi feita para efeitos militares e estratégicos, mas quando as pessoas entenderam que era mais fácil se conectarem, a internet virou um sucesso. Quando você vê uma costura ou um detalhe ou uma estampa, você sabe que há alguém do outro lado que escolheu isso para você. A coisa engraçada é que a tecnologia no fundo é muito humana porque nos aproxima uns dos outros. E o artesanato nos liga também. É uma das formas de desacelerar da tecnologia rápida, mas também nos conecta: você não fez aquele vaso de cerâmica, mas você consegue imaginar as mãos que a moldaram. É quase contemplativo.
Com o Stylesight Live, a ideia é criar um evento que aplique as tendências globais do Stylesight a países específicos. Como elas se aplicam ao Brasil?
Assim como acontece com a internet e o artesanato, as pessoas precisam se conectar e ver quem está por trás das coisas. Quando a gente vem ao vivo ao Brasil, você nos vê e a gente vê você. Quando fazemos os relatórios, eu gosto de pensar nas pessoas que vão ver esse relatório: ele tem que falar com o Brasil, com a China, com Nova York, Paris e Londres. Então precisamos nos encontrar.
Como podemos interpretar as tendências apresentadas aqui no Brasil?
Hoje em dia quando eu viajo, acho que estou comprando um super batom em Paris e quando chego em casa tem um igual na loja do lado. Vocês têm a vantagem de produzir tudo aqui e ainda ter esse desejo de ir a algum lugar no país e encontrar alguma coisa que não encontra em outros lugares. Eu acho que o Brasil tem que descobrir a sua identidade. Quer dizer, quem diria que o Rick Owens ia criar uma empatia tão grande com as pessoas? Mas ele fez algo, criou uma identidade e agora todas queremos as suas peças. Eu sou maníaca por marcas, não porque quero estar bonita, mas porque quero um pedaço do cérebro daquele designer, daquela identidade. E vocês têm que ter isso, em vez de tentarem se misturar. Acho que vão ter que ser mais confiantes. A moda brasileira ainda está na sua adolescência, e quer “ser amiga dos caras populares do colégio”. Quando forem adultos vão ter a sua própria voz. (risos)
O que acha que define a moda brasileira?
Otimismo, exuberância, prazer, sensualidade e confiança – vocês se apoderam do seu look. Eu sei que o Brasil é um país que adora beleza e perfeição, mas estando aqui, vi muitas pessoas orgulhosas do seu cabelo ondulado, do seu nariz grande, das suas curvas voluptuosas. Vocês não são tão homogêneos como nós somos nos Estados Unidos e já têm na sua cultura a celebração da beleza individual. Só precisam traduzir essa celebração e otimismo na moda. E isso é o DNA de vocês. Vocês têm essas caraterísticas no sangue então é só fazer o que está no coração.