PARIS, 01 de outubro de 2010
Por Luigi Torre
Colaborou Augusto Mariotti
>> “Com licença, senhora, você poderia trocar de lugar comigo, por favor? Assim não te darei cotoveladas enquanto fotografo o desfile”. Foi assim que começou o primeiro dia de desfiles do FFW na semana de moda de Paris. Com um pedido super educado do fotógrafo Bill Cunnigham (um dos primeiros de streetstyle) para a editora da V Magazine e fundadora da Visionaire, Cecília Dean. Educação e cordialidades desse tipo andam meio démodé entre os fashionistas aqui na cidade.
>> Talvez tenha sido a festa de 90 anos da Vogue Paris na noite anterior, talvez o horário relativamente cedo para o povo da moda _11h da manhã_, o fato é que a plateia do desfile de verão 2011 de Issey Miyake não estava lá das mais bombadas como em temporadas passadas. Dos importantes nomes da imprensa internacional, apenas Suzy Menkes (International Herald Tribune) e Hilary Alexander (Telegraph). Dos top compradores das principais lojas de departamento, apenas a equipe da Bloomingdales.
E antes mesmo das luzes se apagarem a voz de Alfred Hitchcock soou fantasmagórica anunciando o começo do desfile: “There is nothing like a dark room to attract ghosts” (Não há nada como um quarto escuro para atrair fantasmas). E assim, de uma boca de cena profunda e coberta de fumaça branca, suas modelos surgiam trazendo roupas assombradas por fantasmas.
Segundo Dai Fujiwara, atual diretor criativo da grife, o ponto de partida foram justamente as tais criaturas do outro mundo. Eram essas que passeavam por vestidos de plissados miúdos gerando volumes em ondas por toda parte. Ou então, ampliavam as formas de um top, dessa vez em plissados mais largos, e também faziam evaporar estampas e cores à medida que estas se aproximavam das extremidades das peças.
O problema aqui é que ao querer mostrar toda aquela exploração têxtil e de novas técnicas de confecção que caracterizam a marca, Fujiwara acabou tornando sua coleção um tanto confusa. Entre plissados estruturados, estampas digitais de uma trama de ráfia e tingimentos, os fantasmas que serviram de inspiração, enevoaram a clareza de uma mensagem mais consistente para o verão 2011.
>> Você pode não ter convite, mas quem se importa? Afinal de contas, a entrada da Christian Dior no “Jardin des Tuileries” é praticamente um desfile a parte. A única diferença é que ao invés dos fotógrafos italianos, que dominam os pits parisienses, ali a maioria é chinesa ou coreana. Ah, tem a luz natural também, o vento que ao mesmo tempo em que descabela, dá todo um glamour especial para foto e… Bem, para o verão 2011 teve a ameaça de chuva como uma catástrofe fashion prestes arruinar qualquer look.
>> Do lado de dentro da tenda onde aconteceu o desfile da Dior, assinado por John Galliano, uma primeira fila digna dos mais importantes shows _Kate Moss chegou chegando, cercada por centenas de paparazzis que se acotovelavam para tirar uma foto da modelo _fato que, obviamente, acabou atrasando o desfile.
Karlie Kloss, a atual queridinha de Galliano, abriu o desfile com seu andar inconfundível, projetando as pernas à frente do corpo e cruzando os passos por trás do torso. A roupa? Uma parka de algodão em tom de areia sobre vestido curto com estampa de folhas e chapéu de marinheiro.
Numa busca constante em rejuvenescer a imagem da tradicional maison, Galliano mixa Bettie Page e Kate Perry na passarela com uma viagem às praias do Pacifico Sul. Verão ultra colorido, de muitos vestidos curtos, calças amplas, um bonito trabalho de trama de crochê feito na saia usada por Martha Streck.
O resultado é uma imagem bem mais descontraída _e jovem_ do que aquela super luxuosa das últimas estações. Os curtos de saias soltinhas em seda e outros tecidos leves em cores bem fortes, às vezes com discretos tingimentos, são objeto de desejo imediato para as consumidoras mais jovens da marca. Até mesmo quando os longos entram no bloco final, a sensação não é mais daquela roupa no pedestal, e sim de certa proximidade e simplicidade com a vida real.
Ainda que calcado nos arquivos da Dior, Galliano conseguiu ao menos dar certo respiro ao repertório da grife. Não é, nem de longe, uma coleção incrível como fazia na primeira metade dos anos 2000, quando a marca se permitia desfilar mais imagem do que produtos. Ainda assim, o verão 2011 consegue transmitir um ar de leveza e frescor há tempos não visto em suas passarelas.
E assim as luzes se apagam e Galliano, vestido de marinheiro, entra na passarela, fumando cigarro, para receber os aplausos de suas fiéis clientes, como Marisa Berenson, dando um show à parte.
>> Na Lanvin _que estava marcada para as 17h30, mas só foi começar depois das 18h40_ Alber Elbaz deu alguns sinais de mudanças. O desfile começou com um top ajustado e saia de seda toda esvoaçante, evoluindo daí para modelos curtos, ajustados ao corpo com tecidos drapeados se enrolando pelo corpo, ou então como uma segunda metade do look.
Como que se livrando dos volumes e drapeados enviesados que dominaram suas últimas coleções, Elbaz vai então cortando os detalhes de sua roupa. Deixando essa mais limpa e cada vez mais próxima ao corpo.
Delineando bem as formas femininas, sem jamais desrespeitá-las ou desconfortá-las. Por mais justas e envoltas no corpo que suas roupas possam parecer, há sempre uma sensação de adequação e conforto nos looks. Exatamente como aquela mulher que deve querer abrir mão do vestido drapeado por outro mais seco e assertivo para a hora do trabalho.
E assim, a partir dessa noção de limpeza e objetividade, o estilista trabalha em cima das várias necessidades da mulher contemporânea. Da roupa do trabalho _um blazer de ombros marcantes, torso ajustado e saia reta sobre legging de aspecto esportivo_ aos dias de folgas em lugares e ocasiões glamourosas _como nos vestidos e combinações de saias e camisas envoltas ao corpo, arrematadas por maxi acessórios. E o mais impressionante de tudo, é que mesmo com uma imensa variedades de propostas, o resultado final continua extremamente coeso. Na era do pode tudo, Alber Elbaz apresenta mesmo de tudo _e para todas.
>> “Adorei as combinações de cores, os trabalhos com couro… Sua técnica e acabamento são simplesmente incríveis”, disse o diretor de moda da i-D e editor da revista Vogue, Edward Enninful, sobre o segundo desfile de Pedro Lourenço na semana de moda de Paris.
E de fato, após seu mais do que bem sucedido debut parisiense, Pedro não deixou as expectativas em baixa. Seu ponto de partida dessa vez foi Josephine Bonaparte (a mulher de Napoleão) e os uniformes de baseball. Combinação aparentemente complexa, mas que no fundo, pouco importa para se perceber toda a força desta coleção.
O que Pedro quis com esse inusitado mix de referência era, na verdade, trabalhar novas formas de sensualidade. “Fugir do óbvio e explorar outras partes do corpo feminino”, contou ao FFW após seu desfie.
Só isso já dava conta de explicar as incríveis transparências que faziam suas roupas parecem coladas ao corpo, onde indivíduo e roupa são uma coisa só. Todos os aparentes tomara-que-caia vinham com espécie de alça/gola em um tule tão fino que se confundia com a pele. O efeito era excepcional e extremamente contemporâneo.
Ao contrário do inverno 2010, os ombros literalmente caem. Ficam à mostra durante quase toda coleção, falando de uma sensualidade de certo modo natural _quiçá até vulnerável, onde a atenção se dirige não mais para imponência dessa parte do corpo quando estruturada, mas para todo resto.
Principalmente para o colo, reforçado pelas várias silhuetas império em vestidos de couro com incríveis volumes nas costas. Falando em couro, Pedro começa a fazer do material sua marca registrada. Se antes pareciam super-estruturados, agora vêm mais leves e dotados de uma feminilidade moderna sensacional. Plissados, ondulados ou lisos caindo soltos pelo corpo.
As calças-botas _ com couro do joelho para baixo e tule de lá para cima_ são bem interessantes. Mais ainda os aparentes macacões verticalizados que na realidade são duas peças parecendo uma só. Com faixas primeiro em verde, depois em vermelho são ótimos exemplos dos trabalhos quase de ilusão de óptica que Pedro exercitou nessa coleção. Além do jogo entre transparente e opaco, o jovem e talentoso estilista faz uso desses recortes gráficos para ressaltar a silhueta alongada que tanto gosta de trabalhar.
E quase como que para fechar com chave de ouro, vestidos longos em tecidos transparentes onde apenas faixas retangulares cobriam seios e partes íntimas femininas, falando dessa nova sensualidade totalmente exposta, ao mesmo tempo que velada e inocente.
Se em março passado Pedro fez seu nome conhecido, agora vai se fazer lembrado. Mais maduro, mais polido e com visão mais afiada do que nunca, não restam dúvidas de seu potencial como um dos estilistas jovens mais talentosos se apresentando na cidade.