Por Patrícia Favalle (Twitter: @patriciafavalle)
Depois que Charles Miller trouxe o futebol para o lado de cá do Atlântico, isso em 1894, a história do esporte ganhou graça, ginga e nuances supertropicais. Mas o amarelinho tão característico dos uniformes nacionais só apareceu em 1954, substituindo as oito tentativas anteriores que despontaram para o mundo a partir de 1914. Por sinal, foi naquele ano que a estreia da seleção tupiniquim aconteceu, num memorável 27 de julho, diante dos ingleses do Exeter City. Na partida, Oswaldo Gomes, vestindo polo com amplas faixas azuis nas mangas, calções brancos e meiões pretos, marcou o primeiro gol do Brasil.
O primeiro uniforme da Seleção Brasileira de Futebol: gola cadarço, calção branco, meias pretas com listras brancas e camisa branca com faixas azuis na região dos cotovelos © Divulgação/CBF
E então a terra destinada aos Deuses da Bola tingiu os gramados com a alegria contagiante típica dos cordões carnavalescos. O futebol valeu-se dos toques mulatos e dos dribles desconcertantes que colocavam os “Joãos” no chão. O verde e o amarelo dividiram em maxi listras verticais o conjunto de 1916. A experiência não agradou e acabou com a concepção de um modelito alvinegro, convertido mais tarde em alviverde.
A primeira aparição das cores da bandeira nacional no uniforme da Seleção: maxi listras verticais combinadas com a gola cadarço. Não deu certo © Divulgação/CBF
Nas duas décadas seguintes – de 1919 a 1938 –, o selecionado aderiu à moda europeia, escolhendo trajes bicolores para as suas camisa branca e bermuda azul. Com o crescente entusiasmo causado por Leônidas da Silva (aka Diamante Negro), inventor do gol de bicicleta, o jeito foi abandonar as considerações do velho continente para inverter a lógica, a começar pelo vestuário que, simbolicamente, teve as cores das peças trocadas de lugar, ficando a camisa azul e a bermuda branca.
Essa camisa azul roubou a cena até 1944, sendo desbancada pela composição off-white com golas celestes. Mas como o neutro nada tem a ver com a personalidade explosiva dos latinos, o monocromático acabou banhado, novamente, pelo azulão. A tonalidade só foi para a reserva por causa da Copa perdida em pleno Maracanã, em 1950, ainda que até às vésperas de 1954 tenha resistido bravamente.
O uniforme da derrota: depois da Copa de 1950, o azul seria praticamente banido das camisas da Seleção © Divulgação/CBF
Disposto a deixar no passado os algozes uruguaios, o jornal carioca “Correio da Manhã” promoveu um concurso para a criação do novo uniforme oficial. Nesta empreitada, a tarefa de traduzir o sentimento da nação coube a Aldyr Garcia Schlee, gaúcho nascido, ironicamente, no meio fio entre o Brasil e o Uruguai.
Idealizador do emblemático calção azul com veios brancos e camisa amarela com detalhes em verde, Aldyr já não vê motivos para comemorar: “A camisa canarinho, tão bonita e tão vilipendiada − que, além de vestir nossa discutível e muitas vezes vitoriosa seleção de futebol, foi transformada em símbolo nacional brasileiro – hoje habita e povoa todos os cantos do planeta, remetendo-nos a uma necessidade de manifestação de patriotismo que me desagrada e com a qual não posso concordar”, disse em entrevista a um site europeu.
Protagonista de quatro das cinco Copas conquistadas pelo Brasil (1962, 1970, 1994 e 2004) – ausente apenas em 1958, por conta da final contra a Suécia, que arriscou o mando de amarelo –, a combinação sobreviveu às tendências e aos modismos, ainda que tenha sido vítima de muitos experimentalismos. Quem não se lembra, por exemplo, dos shorts agarradinhos, semidesbotados, com cara de país subdesenvolvido, usados pelos rapazes nas décadas de 1970 e 1980?
O jogador Zico com os micro shorts da seleção que ganharam fama popular nos anos 1970 e 80 © Divulgação/CBF
O fato é que deu samba e os baticuns tomaram as arquibancadas, elevando o futebol, até então espetáculo popularesco, à condição de arte. Na evolução deste ícone pátrio, vale lembrar que nem sempre os tons da bandeira tremularam mais fortes. Em algumas partidas sul-americanas datadas de 1917, o escrete brasiliano foi a campo de vermelho! No Chile, em 1962, preferiu tirar do armário a versão inverno, de mangas compridas, com punhos e golas verdejantes. Já em 1968, na releitura com gola careca, o peito foi cravejado com duas estrelas – alusivas às vitórias passadas; adereço que logo virou constelação.
Quase impossível de acreditar: em 1917, a seleção brasileira entrou em campo com uma variação de uniforme na cor vermelha © Divulgação/CBF
Com a entrada do patrocínio, a edição de 1977 estendeu as faixas da Adidas por todo o perfil da blusa, além de ostentar a logomarca da empresa bem ao lado do escudo. Num contragolpe certeiro, a Topper assumiu retomando o viés puído da “Era do Tri”, acrescentando o nome do país abaixo do brasão e a sua marquinha no canto direito da camisa. Em 1986, um tímido colarinho contracenou com os calções grafados com os números dos atletas.
Em 1977, o dinheiro falou mais alto: pela primeira vez o uniforme da seleção ganhou interferências gráficas por conta de um patrocínio © Divulgação/CBF
Mas foi apenas no início dos anos 1990 que a tecnologia aportou na indústria têxtil. Ainda pouco familiarizada com as maravilhas do mundo novo, a Umbro exagerou na dose: resolveu estampar a sua divisa, devidamente redesenhada, como se fosse uma holografia num tecido überbrilhante.
Depois disso, o reencontro com a bossa dourada foi obra da todo-poderosa Nike, em 1997. Cada vez mais vintage, já em pleno século 21, voltaram para o topo da lista as cobiçadas peças setentistas. Na sequência, as interferências foram apenas hi-tech, deixando o design mais leve e despretensioso.
Neste enredo, para a temporada de caça ao Hexa, na África do Sul, o tal less is more conteve as cabeças geniosas para se atrever numa seara onde apenas os hits sustentáveis estão permitidos. A aposta da Nike para a Copa do Mundo de 2010 foi investir no desenvolvimento de um tecido Dri-Fit feito de PET reciclado, 15% mais leve do que os exemplares anteriores, garantindo maior aderência e fluidez ao corpo, com respiros laterais e silk screen em vez dos bordados.
Supertecnológico, o novo uniforme da seleção é mais leve, mais econômico oferece melhor desempenho aos atletas e ainda é feito de garrafas PET recicladas © Divulgação/CBF
Cada camisa será fabricada a partir de oito garrafas PET retiradas de aterros no Japão e na Tailândia, e sistemas não agressivos ao meio ambiente, com economia prevista de 30% de recursos. De acordo com a vice-presidente de negócios da Nike, Hannah Jones: “O elo da empresa com a sustentabilidade nunca esteve tão claro”.
Respeitada e admirada nos quatro cantos do planeta, a camisa amarelinha da Seleção Brasileira completa 56 anos com direito a conceitos minimalistas e repaginada sustentável.
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