A nova geração de estilistas que desponta no mercado merece observação. Essa é a geração que está iniciando uma transição importante e que vai conseguir se desvincular de certos vícios da moda e deixar como ensino para quem vier depois referências de um modo de trabalhar mais colaborativo e uma preocupação forte com o trabalho humano: como a roupa é feita, por quem e onde.
Para esses jovens designers, ter uma loja no bairro mais chique da cidade não é o principal desejo. Eles tampouco querem viver de aparência e hype, mas, sim, de forma sustentável e de acordo com sua realidade e princípios.
Eles têm equipes enxutas e organizadas por talentos, muitas vezes entre amigos, de forma que a organização da marca é mais horizontal que vertical, cada um compartilhando seu saber, unidos por uma mesma forma de enxergar o mundo atual.
Aqui, ser pequeno e crescer com moderação, sem pular etapas, são uma vantagem e uma opção de vida. Da escolha dos fornecedores à distribuição, a atenção aos detalhes permeia todo o caminho. Por serem marcas com estrutura pequena, os designers têm maior controle sobre todo o processo e conseguem atender os revendedores – já que pouquíssimos possuem lojas próprias – respeitando os prazos de entrega.
Sim, ainda são sonhadores, como muitos dos estilistas que vieram antes e muito antes deles, mas são realistas e totalmente conectados e globalizados. Eles buscam qualidade em vez de quantidade e querem ser vistos e usados pelas pessoas certas – aquelas que compartilham e compreendem sua visão, criando uma nova comunidade.
A internet é o mundo deles, por onde inspiram e se comunicam por meio de sites, Tumblr e Instagram, e também onde vendem, em multimarcas online localizadas em diversas partes do globo.
Se eles compartilham de uma mesma visão de negócios, o diferencial está na criação. Os novos estilistas têm um universo particular que vive além das tendências globais e sabem da importância de enfatizar um olhar próprio nas criações.
Nós conhecemos e apresentamos aqui o trabalho de cinco marcas relativamente novas, vindas de cinco partes do mundo: Minas Gerais, Antuérpia, Londres, Berlim e Paris.
Jan-Jan Van Essche
Nacionalidade: belga
Existe desde: 2010
Background: Jan-Jan se formou na Royal Academy of Fine Arts, na Antuérpia, e chegou a trabalhar por um período com o pai, que é diretor de arte de cinema. Sempre foi autodidata e começou a carreira na moda fazendo projetos especiais com camisetas – no início, apenas como uma maneira de ficar longe do computador.
Estilo: a marca é unissex e trabalhada sob o conceito do upcycling. Jan-Jan fez a primeira prova de roupa usando a mãe e um vizinho como modelos, para desenvolver um projeto one size fits all. “É uma marca com perspectiva masculina, mas a maior parte das roupas é unissex”, diz. As coleções são numeradas e lançadas uma vez ao ano. “É um guarda-roupa anual, com alguns lançamentos entre as estações.”
No que acredita: “Fico triste quando vejo toda a injustiça e falta de igualdade no mundo, e isso influencia a maneira como penso e também meu processo criativo. Entretanto, eu não traduzo isso literalmente, mas há uma influência na filosofia sob a qual trabalho. Nos negócios, acredito que ter respeito pelas pessoas com as quais trabalhamos é a chave: pelo nosso time, que faz o melhor para ajudar a realizar nosso sonho; pelos clientes, que acreditam no nosso trabalho e são quem o traduzem para o público; pelos costureiros, que investem tempo e sabedoria para que as ideias se tornem realidade. Se todos receberem o respeito que merecem, irão trabalhar com mais dedicação, orgulho e zelo, o que só vai beneficiar o produto e todos os envolvidos”.
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Modem
Nacionalidade: brasileira
Existe desde: janeiro de 2015
Estilistas: André Boffano e Sam Santos
Background: André é graduado em estilismo/modelismo pela École de la Chambre Syndicale de la Couture Parisienne, de Paris, e Samuel se formou em design de moda, em Belo Horizonte. André estagiou com Giambattista Valli e Reinaldo Lourenço e foi assistente de estilo de Barnabé Hardy, atualmente na Carven, além de ter trabalhado com desenvolvimento de produto na Givenchy. Samuel estagiou como designer gráfico em Nova York e durante os estudos trabalhou com confecções de uniformes.
Estilo: a marca trabalha com uma estética clean e digital, e esse DNA é reforçado nas estampas feitas por meio de fotografias e desenvolvidas a partir de técnicas manuais e/ou com intervenções digitais. A modelagem também é importante, com cortes visualmente simples e volumes estratégicos, que a dupla chama de “organic clean“.
No que acreditam: “Nós, como profissionais, somos simplesmente um reflexo do que somos como seres humanos. Desde as primeiras ideias sobre a criação da Modem, um dos valores mais importantes da nossa futura empresa seria a honestidade. Levamos isso adiante, não somente na ética empresarial como também na precificação de nossas peças. Acreditamos em uma moda sustentável e justa. Apesar do centro de interesse criativo da marca ser o universo digital, o que torna nossa roupa especial é a união desse universo com o afeto que a equipe vivencia durante o processo de desenvolvimento e fabricação das peças. Nossa produção é terceirizada, o que torna as relações humanas de grande importância. A valorização, o reconhecimento e o bom relacionamento com fabricantes e fornecedores são fundamentais para a boa execução das peças. Nosso processo de desenvolvimento e criação é diretamente ligado aos fatores econômicos e ecológicos; para nós, um produto bem pensado desde o desenho pode ser feito com o mínimo de perdas, o que é primordial para conseguir roupas de qualidade com um preço honesto”.
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Bobby Kolade
Existe desde: abril de 2013
Nacionalidade: alemã
Background: formado pela Academy of Arts, em Berlim, logo começou a trabalhar em marcas importantes, como Maison Martin Margiela e Balenciaga.
Estilo: Bobby cresceu em Uganda e traz de lá as composições com cores vivas características da região. Foca também na alfaiataria, com bons cortes em casacos e jaquetas, e há sempre um elemento surpresa nas coleções. Para o estilista, a estética é uma questão de atitude. Para o verão 2016, olhou para o fim dos anos 1990 e início dos 2000 e resgatou a ideia “de não dar bola, de ter uma estética bold”, preconizada por Lil’ Kim e Missy Elliott. “Você não vê muito disso hoje, os estilos são fabricados.”
No que acredita: “Espontaneidade e criatividade, design intuitivo, consumo responsável e produção consciente. Eu gosto da palavra leidenschaft, que, em alemão, significa paixão. É exatamente isso o que eu sinto e aplico em tudo, especialmente no que diz respeito ao design”.
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Bobby Abley
Nacionalidade: britânica
Background: estudou Design e Comunicação na universidade Ravensbourne, em Londres. Antes de abrir a própria marca, trabalhou com Jeremy Scott em Los Angeles.
Estilo: “Faço roupas que eu mesmo tenho vontade de usar. Sempre amei animação e encontrar um jeito de trazer um toque dessa nostalgia divertida para o dia a dia está no centro do meu trabalho. São formas fáceis de vestir, que qualquer um pode usar em qualquer lugar, com um toque lúdico. A moda não precisa ser entediante. Eu levo meu trabalho totalmente a sério, mas as pessoas não precisam ser sérias com a maneira como se vestem o tempo todo”.
No que acredita: “As pessoas ficam presas tentando fazer o que é certo e o que esperam que elas façam, ouvindo conselhos de todo mundo e tentando adivinhar o que é que agrada a todos e vai trazer sucesso. Você tem que defender no que acredita e fazer o que acha correto. Os clientes e as lojas que têm me apoiado desde o primeiro dia não me apoiaram com base no que as outras pessoas acham. Eles estão ao meu lado porque compartilham da minha visão. E é minha responsabilidade fazer com que cada item que crio reflita essa visão.
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Études Studio
Nacionalidade: francesa
Estilistas: Aurélien Arbet e Jérémie Egry são diretores criativos, José Lamali cuida do design e da produção e Nicolas Poillot é editor de foto responsável pelos lançamentos de livros que o grupo faz.
Existe desde: 2012
Background: Em termos de moda, o grupo é autodidata, já que são todos formados em arte e design gráfico. Por mais de dez anos, o coletivo tem conduzido projetos autorais nos campos no campo da moda, da direção criativa e de publicações.
Estilo: “Nós acreditamos em um modelo de estúdio multidisciplinar, onde todas as áreas nas quais operamos estão constantemente se cruzando. Para as roupas, apesar de tecnicamente sermos uma marca masculina, temos a tendência de focar em uma silhueta internacional, que serve para homens ou mulheres. A estética das roupas vem de um streetwear contemporâneo e do casamento entre moda e arte.
Onde produz: Portugal e Itália.
No que acreditam: “Nós trabalhamos sob uma mentalidade de ‘autoverdade’. O que escolhemos produzir vem de dentro, e nosso desejo de criação e produção é um reflexo de quem somos e no que cremos. Nós também acreditamos em criar um lifestyle específico por meio de uma existência holística nas cidades em que moramos”.
Veja na galeria abaixo imagens de cada uma das marcas.
* Matéria originalmente publicada na FFWMAG 41, já nas bancas