A Vetements mais uma vez aproveitou a semana de Alta Costura para mostrar uma coleção que não é couture. Esse desfile vale pela semana masculina e feminina de Inverno 17/18 e aconteceu hoje à convite da Chambre Syndicale de la Haute Couture (pela segunda vez consecutiva), a instituição que governa a indústria da moda francesa. Normalmente os critérios para estar na temporada de AC são bem rigorosos e o fato da Vetements estar lá é mais um exemplo de como a marca vem mudando a ordem das coisas e descobrindo outras maneiras de trabalhar. Por exemplo adiantando o lançamento da coleção feminina para aproveitar antes de todos o budget dos compradores que só verão as coleções das outras marcas entre fevereiro e março próximos, quando a temporada feminina acontecerá.
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Alta Costura ou não, dá para imaginar que os vários casacos hiper volumosos da coleção não sairão à preço de batata – aliás tudo na Vetements é bem caro.
Em conexão com a Prada, que olhou para o homem comum que vive à margem da cultura de celebridades, Demna Gvasalia também se inspirou em pessoas de verdade que, no desfile, aparecem estereotipadas, bem fáceis de identificar: a senhora rica com casaco de pele, a jovem da India, a menina moderna que vai de moto ou bike pro trabalho, o militar, o empresário, o punk, a aventureira, a secretária, a menina que usa Chanel, os meninos que vestem roupas oversized, o cowboy e até uma noiva, que fecha o desfile. Claro, noivas existem, mas aqui fica a brincadeira, já que o desfile acontece numa semana em que é um clássico os vestidos de noivas fechando alguns desfiles.
A inteligência não está só na forma de pensar na modelagem de cada peça, mas há pequenos detalhes que compõe os personagens, como por exemplo, o look da atleta: uma menina de legging, boné e um super casaco esportivo. Ela está equipada para fazer seu jogging nas temperaturas baixíssimas do inverno europeu. Imaginamos então que ela é uma pessoa saudável. Assim, na frente da sua jaqueta, está escrito ISO 21570:2005, que é a sigla para International Organization for Standardization (Organização Internacional para Padronização, entidade de padronização e normatização, criada em Genebra, em 1947). Já a numeração refere-se a um quadro dos métodos para detecção de organismos geneticamente modificados em alimentos.
É também irônico a “roupa da Chanel”, uma imitação do terno de tweed com colares de pérolas que encontram correntes e viram um cinto. Na barra da saia, um pontilhado com o desenho de uma tesoura.
O punk (Adrian Hurtado, namorado da stylist do desfile, Lotta Volkova) tinha pintado em sua jaqueta: not your resident, um trocadilho com a campanha anti-Trump not my president. Cada peça tem um detalhe escondido, uma brincadeira ou ironia.
Os convites do desfile também foram tudo, menos ordinários. Eles fizeram documentos de identidade falsos para cada um dos convidados. O editor da i-D, Anders Christian Madsen virou uma senhorinha alemã, por exemplo.
No backstage, Suzy Menkes fez uma foto flagra de Anna Wintour conversando com Demna. Mal dá para ver o rosto de Anna, mas é uma daquelas imagens que falam por si só. Afinal ter a aprovação de Anna Wintour é o caminho para ter as portas totalmente abertas no importante mercado americano.
Mais uma coleção que vai manter a Vetements dividida entre os que amam e odeiam, os que entendem ou não entendem o buzz em torno da marca. É fato que eles trazem uma nova energia para a moda como um todo, desfazendo-se dos vícios do mercado e ainda propondo uma visão sagaz do encontro entre o high fashion e o streetwear.