Por Guilherme Meneghetti
Minutos antes da estreia de Vanessa Moe nesta SPFW, a estilista estava tentando acalmar as modelos no backstage. “Algumas estão viajando pela primeira vez internacionalmente”, conta. “Moram no norte da Austrália e até tiveram que viajar para outra cidade para tirar o passaporte. Elas estão fascinadas por estarem aqui, disseram ‘meu deus, vou pisar na mesma passarela que as grandes modelos brasileiras pisaram’ [risos]. Afinal, todo mundo conhece a nossa beleza, né? O SPFW é muito forte também por isso”.
Todas as modelos são herdeiras da população viva mais antiga do planeta: os aborígenes da Oceania, a população que saiu da África antes do resto da humanidade e foi para a Oceania há mais de 60.000 anos. Foi essa cultura que inspirou a coleção, que a estilista chamou de ‘projeto’ Circles, já que o círculo é uma figura enigmática para a tribo, tanto na arte milenar e contemporânea, como as figuras que pintam no corpo.
“Todas as modelos são de lá, algumas das quais são profissionais, mas nem todas. Existe uma variedade muito grande dentro da cultura aborígene, são grupos diferentes, e cada uma tem feições bem diferentes também. Conseguimos chamar modelos bem variadas para representar a cultura”.
Não é de hoje que Vanessa é fascinada pela cultura indígena em geral, e a vontade de trabalhar com este tema numa coleção já estava em mente. Desde 2002, a estilista mora na Austrália, onde já se apresentou na semana de moda de Sydney, e, ao conhecer a cultura aborígene local conversando e pesquisando com organizações que mantém viva a herança da população, fascinou-se ainda mais.
“Chamei de ‘projeto’ porque não queria que eu simplesmente me apropriasse disso tudo, queria mesmo é dar mais visibilidade para essa povo”, ela explica sobre os indígenas que sofreram séculos nas mãos dos colonizadores e hoje são minoria que luta para preservar sua herança. “E aí surgiu a oportunidade de trazer as modelos, uma delas é a Shelley Cable, Miss NAIDOC [Comitê Nacional de Observação dos Aborígenes e dos Insulares Merinda Dryden] de 2016, que está nesta viagem [para o SPFW] representando oficialmente a voz de seu povo”.
A coleção levou aproximadamente um ano para ficar pronta, pois foi construída sob os princípios de Alta Costura. São 12 vestidos numa paleta de cores pontual: branco, preto e vermelho, as cores que os aborígenes mais usam, “porque vêm da terra”. O shape é reto, bem próximo ao corpo, alguns dos vestidos têm barra volumosa, com tules em camadas ou plumas, como o vestido preto que fechou o desfile.
Todos os detalhes foram aplicados à mão. As plumas foram inspiradas no clã Aranda, que habita a região central da Austrália e usa penas em rituais religiosos que duram até três dias. As penas usadas na coleção são de ema e corvo, colhidas quando caíram naturalmente das aves, num processo lentíssimo. “São as mulheres do clã que buscam as penas pra fazer os adereços deles”.
As cordas também. “Foi um trançado que demorou muito, todos foram enrolados à mão e costurados na parte de trás da peça. Foi uma das minhas inspirações também, que eu tive a oportunidade de ver uma aborígene fazendo um cesto desde o começo do processo: eles pegam como se fosse uma linha que sai de uma árvore, enrolam, enrolam, e então surge o cesto, instrumento essencial em seu dia a dia”.
Todas as peças da coleção estarão à venda, em edição limitada, na pop-up que a estilista armou em São Paulo, onde fica até dia 17 de setembro.
A ideia de apresentar a coleção no SPFW foi de estreitar a relação entre os estilistas brasileiros e australianos. “Acho que somos dois grandes países do hemisfério sul, e acredito que é super possível estreitar essa relação”.