Muitas vezes a simples existência da Alta Costura é questionada. Pra que ela serve, se atende pouquíssimas mulheres no mundo? Se veste apenas princesas, estrelas da música e do cinema e mulheres de altíssima manutenção?
Deixemos para John Galliano responder: “Haute Couture is a showcase of everything that I can do” (a Alta Costura é um mosturário de tudo o que posso fazer). E é exatamente assim que ela funciona: fazendo as coisas que o ready to wear não faz.
Faz alguns anos que a moda, de uma forma geral, parou de estimular as pessoas. A única coisa que é verdadeiramente estimulada é a caixa registradora. Com o surgimento do fast fashion e a indústria da moda no modo fast and furious, não dá tempo mesmo de pensar, muito menos experimentar. A mensagem tem que ser reta e direta. Há exceções no mercado – sempre as mesmas – de alguns profissionais de relevância global que conseguem seguir empurrando as barreiras do prêt-a-porter: Miuccia Prada, Nicolas Ghequierre, Miuccia Prada, Raf Simons, Rick Owens, Rei Kawakubo…
Sempre há uma forma de resistência e aqui podemos citar dois: um que puxa para o lado da sustentabilidade, questionando impactos ambiental e social, e outro, o da couture, que vai para o lado da experimentação criativa e técnica, indo contra a maré de falta de originalidade e novas propostas.
Nesta temporada de Verão 18, dois desfiles se destacaram na semana de Alta Costura, oferecendo novas maneiras de compreende-la: Maison Margiela por John Galliano e Valentino por Pierpaolo Piccioli.
Entre os pilares da couture estão os materiais e técnicas ultra especiais e o domínio em corte e acabamento. E o fato de os processos serem artesanais já impõe outro ritmo à produção. Leva tempo, esse sim artigo dos mais caros na nossa vida hoje. Mas tudo isso não impede que a Alta Costura converse com os tempos atuais de turbulência política e mudanças comportamentais.
Pegue o desfile da Margiela como primeiro exemplo. Quando voltou a trabalhar, Galliano disse que ficou chocado ao perceber como as pessoas estavam assistindo aos shows através da câmera do celular e concebeu uma coleção que é uma resposta a esse fenômeno. Ele usou tecidos holográficos que, quando atingidos pelo flash da câmera, “acendiam” e explodiam em cores e padronagens. Tecidos interativos para uma geração interativa. Lindo de se ver, novo e provocador. O impacto foi sentido não apenas pelo público presente, mas também por quem viu em vídeo através do Youtube. Causou uma sensação – preocupação que já faz um bom tempo, o prêt-à-porter não tem mais. Galliano e sua equipe não conceberam isso em um laboratório ultra rápido, ao contrário. Eles faziam as roupas, fotografavam para ver o efeito causado e, a partir da fotografia, transformavam a peça. Quer ver mais? O site da Margiela explica look por look.
Já a coleção da Valentino segue para outro lado, o da elegância pura, no entanto uma nova elegância para o universo da Alta Costura. Looks mais tranquilos e fluídos em tecidos cada vez mais leves e em uma combinação de cores que a gente não vê por aí. Corte e cor criando uma imagem de moda contemporânea, mas com seu toque de sonho. O primeiro look passa exatamente essa mensagem: regata e calça de alfaiataria com um casaco amarelo ocre longo e volumoso por cima. Na cabeça, o toque final: um chapéu gigante e colorido com penas de avestruz. Os chapéus foram criados por Philip Treacy e apareceram em diversos looks em cores como pink, turquesa e lavanda. Sarah Mower deu uma boa definição de Piccioli: ele é um down-to-earth dreamer. Um adjetivo tão contraditório quanto a própria Alta Costura hoje: é a forma mais antiga e tradicional de fazer roupa que está definindo novos rumos e se abrindo para novas experiências e possibilidades, muito além de um simples laboratório de ideias guardado nos armários para deleite de apenas duas mil mulheres no mundo.
Dois exemplos que fazem a gente querer mudar nosso guarda-roupa, exatamente o efeito que um bom desfile deve provocar.