Por Guilherme Meneghetti
Segundo o sociólogo alemão Georg Simmel no livro Filosofia da Moda, há um vínculo intrínseco entre moda e identidade. O “eu” se constrói socialmente a partir das roupas e do visual como um todo quando cada um expressa sua individualidade, e então esses dois elementos (indivíduo + imagem) confundem-se, tornam-se miscíveis e viram um só, conforme a filósofa e escritora francesa Hélène Cixous enfatiza, dizendo que as roupas não são principalmente um escudo para o corpo, funcionando antes como uma extensão dele.
Basta se deparar com o casal de amigos Hannah Rose Dalton, de 22 anos, e Steven Raj Bhaskaran, 24, para elevar essa ideia à máxima potência e comprová-la empiricamente. Por onde quer que andam, arrancam suspiros seja para o bem ou para o mal. Eles adoram o universo fantástico (“uma parte crucial para a sobrevivência do ser humano”) e Matrix é uma de suas grandes influências. Eles são impecavelmente montados que chegam a se assemelhar a “aliens”: Hannah usa nos pés um protótipo revestido com material que parece pele como se fosse um salto do seu próprio pé (em breve ela planeja vendê-los); ambos usam lentes pretas, brancas ou verdes que cobrem todos os olhos; makes pesadas que simulam veias e cicatrizes no rosto com direito a borboletas penduradas na testa; cabeça raspada com apenas algumas mechas coloridas de cabelo colocadas estrategicamente; e por aí vai. Se eles se vestem assim todos os dias? “Obviamente quando treinamos usamos tênis de corrida”, brincou Steven à Vogue US.
Com quase 200 mil seguidores no Instagram, juntos criaram dois anos atrás a Fecal Matter (mesmo nome da primeira banda de Kurt Cobain), uma marca que funciona como plataforma multifunção com a qual eles lançam produtos que englobam moda, cinema, música e política, tudo junto, misturado e mais o que for necessário para, claro, questionar o senso comum e provocar um pensamento crítico e sem amarras. Por isso mesmo eles pouco se preocupam com o que pensarão, embora instintivamente percebem olhares opressores e por vezes risadas – e pensar que Hannah já vestiu Burberry da cabeça aos pés tentando parecer intelectual, já que cresceu em escola particular vestindo uniforme e, sem ele, tinha dificuldade em encontrar sua identidade.
A maioria das roupas e acessórios que criam (alguns com upcycling) são vendidos no e-commerce da marca, além de também serem DJs e produzirem suas próprias mixtapes, que envolvem música eletrônica com beats pesados e caóticos. Ao longo desse período em que estiveram juntos, criaram mais de 10 coleções (criam quando querem, independente de estação) em mais de 10 cidades diferentes. Suas coleções envolvem música, fotografia, filme e performance, tudo para reverberar em diferentes meios um única ideia. Uma delas foi chamada de “Abondonner, que significa ‘abandonar’ em francês. Trata-se da desconstrução do ideal de beleza de figuras femininas e masculinas de nosso tempo – Adão e Eva”, conforme explicaram à Indie Mag.
Tudo começou no último ano da faculdade de moda em Montreal, Canadá, quando conversavam sobre tudo que os incomodavam na indústria da moda. “São coisas da indústria que a gente não concorda, como o trabalho infantil, o desperdício que ocorre na indústria de tecidos, os corantes prejudiciais ao meio ambiente, etc”, diz Steven. Surgiu então uma grande afinidade.
Ainda que tenham se conhecido lá e vivem na maior parte do tempo entre Montreal, Nova York e Londres, eles dizem não se basear, pertencer, tampouco se identificar com nenhuma cidade do mundo. “Naturalmente, nós adoramos viajar, estamos expostos a muitos ambientes diferentes, o que altera nossa visão de beleza”. No que diz respeito à recepção alheia de seu visual, eles afirmam que Londres é a cidade menos pior para perambular, pois já houve pessoas que pediram foto e agradeceram por serem tão inspiradores. Já Paris é a mais complicada, onde foram chamados de “Diabo” e até cuspiram neles.
Por meio de sua marca, eles também questionam um outro tipo de relacionamento. “A relação que o humano tem com bens materiais é algo com o que estamos tentando brincar”, aponta Steven. “Você tem que realmente gostar do que você está comprando, do design, da textura…”, complementa Hannah. “É o oposto de comprar uma bolsa apenas porque é da Dior”. E o que esperar para o futuro? “Você realmente não pode esperar nada, não somos tão facilmente previsíveis. Para ser sincero, também é uma surpresa para nós”.