A gente sempre ouviu dizer que sexo vende. E apoiada por essa crença, a indústria da moda sempre vendeu… sexo. Lembro muito do termo “glamazon”, um dos adjetivos usados para descrever as mulheres incrivelmente, impossivelmente sexy e glamourosas que apareciam nas passarelas de desfiles como Gucci e Versace. Milão, por sinal, cultivou por muitos anos a imagem da capital da moda sexy, da mulher impecável, poderosa e de alta manutenção, que se equilibra sem nenhuma dificuldade em seu salto 15 e executa todas as suas tarefas em um look sensual e que exala riqueza.
Mas nesta temporada, a mensagem mudou. Parece que finalmente, de uma maneira geral, as marcas que desfilam em Nova York, Londres, Milão e Paris passaram a se questionar se o que fazem de fato reflete o que a mulher precisa. Não uma adolescente, mas uma mulher real, que se divide entre carreira e família, que gosta de moda, que tem estilo, mas que não vive em festas e sim enfrentando seu dia a dia.
Com movimentos como #metoo e #timesup causando ondas pelo mundo, era natural que esse momento chegasse e o respeito à mulher tivesse um respaldo significativo nas passarelas. E essa mudança que está à caminho não aparecesse apenas nas roupas, mas em alguns casos, no casting, na escolha das mulheres para representar a grife. Modelos que hoje estão entre seus 40 e 50 anos desfilaram em Milão para marcas como Salvatore Ferragamo, Versace e Marni. Stella Tennant tem hoje os cabelos grisalhos, Guinevere Van Sinus não é mais “magra de passarela” e Georgina Grenville não interpreta mais a deusa loira e sexy que víamos através das lentes de Mario Testino nas campanhas da Gucci. E, do alto dos meus 43 anos, foi reconfortante vê-las desfilando.
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As marcas que desfilam na temporada internacional atendem a nichos, mas suas ideias, técnicas e descobertas direcionam o que o resto do mercado irá fazer. Portanto, a pergunta é: essas roupas fazem sentido para a mulher (caso seja ela o seu target, lógico)? Em um texto para o Washington Post, Robin Givhan escreve: “Antigos preceitos da indústria, como o preconceito com idade, privilégio branco e negatividade corporal, parecem cada vez mais escandalosos à luz branca da fúria das mulheres. Para o inferno com as musas, it girls e aspirantes a influenciadora”.
Surge agora (e com um certo atraso) a imagem de uma mulher que está desafiando o julgamento em cima de sua aparência. Sua beleza, sensualidade e auto estima estão diretamente conectadas com sua inteligência, cultura e capacidade intelectual. E elas querem sim roupas fora do comum e criativas, mas que contenham praticidade e usabilidade necessárias para acompanha-las. Traduzindo isso em roupas, as peças desta temporada ficaram mais amplas enquanto os saltos vieram mais baixos.
Mas enquanto muitos estilistas abraçavam essa mudança de conduta, um desfile específico desencadeou uma revolta feminina. A estreia de Hedi Slimane na Celine passou a mensagem oposta e justo para o público fiel que, por 10 anos, viu na grife francesa um porto seguro quando o assunto era moda. Não importa se você não podia comprar, ainda assim era um alento ver como Phoebe Philo compreendia e preenchia as necessidades de estilo da mulher contemporânea.
A repercussão da nova visão da Celine foi enorme e imediata, a ponto de Slimane ter sido chamado de “o Donald Trump da indústria da moda”, pelo Hollywood Reporter. Já o crítico Tim Blanks, do BoF, usou o termo toxic masculinity em uma de suas definições sobre o desfile. O diretor criativo respondeu às críticas falando que foi apenas uma decisão estética e que os americanos não gostaram de ver um homem entrar no lugar de uma mulher. “As comparações com Trump foram oportunistas, cômicas até. Só porque as mulheres do meu desfile eram livres e indiferentes. Parece que as mulheres não são mais livres para usar minissaias se quiserem”. Slimane só se esqueceu que ali eram garotas representando garotas e não mulheres. Aliás, um tipo bem específico de menina: branca e ultra magra.
Assim que o desfile acabou e a mensagem foi captada, começou uma correria atrás de qualquer coisa Phoebe Philo. Consumidoras fieis e fãs da estilista se reuniam para consolar uma à outra enquanto algumas lojas da Celine registravam filas na porta.
Se sempre existiram grifes que falam com a mulher em outro nível (pense em Dries Van Noten, Prada, Sakai, Marni, Stella McCartney, Loewe, os japoneses todos…), agora parece que virou uma tendência. Veja a história da Gucci, de onde vem e onde está. A marca italiana cresceu exponencialmente após a entrada de Alessandro Michele, que tem uma estética que é tudo, menos sexy.
Ser fiel a quem somos de verdade sempre foi uma escolha possível. O que muda agora é que chegou a hora em que podemos nos encontrar de alguma maneira nesse segmento da moda, que sempre foi restritivo em tantos sentidos ao mesmo tempo em que sua publicidade nos cercava em revistas, pessoas, modelos, filmes e tapetes vermelhos. As marcas agora estão dispostas a ouvir. Afinal de contas, para toda Kim Kardashian, há uma Tilda Swinton.