A conversa em torno de questões relacionadas ao gênero ampliou em comparação com a década de 1990 e também vemos surgir mais movimentos de apoio à comunidade trans. Ainda há um caminho longo para percorrer, mas suas vidas e histórias parecem hoje mais palpáveis em documentários (A Morte e Vida de Marsha P. Johnson, no Netflix, por exemplo), festivais, eventos, debates e iniciativas politizadas. Nos anos 90, essas questões naturalmente existiam, mas não ecoavam pela sociedade, mantendo-se presas na cena underground.
A exposição Cara, Corpo, Voz!, que abre neste sábado na Casa da Imagem, traz um recorte íntimo e intenso dessa cena. A fotógrafa Claudia Guimarães documentava seu entorno na década de 1990 em jornadas fotográficas pela noite, em comunidades gays e transexuais e na cena fashion de São Paulo (Cara, Corpo, Voz! era uma gíria da época para quando uma drag queen chegava na boate).
A mostra tem curadoria de Eder Chiodetto e Erika Palomino e revela a cumplicidade e a proximidade da fotógrafa com as personagens, tanto nos retratos em estúdio como nos snapshots na rua e pelas noites underground. Revendo o material hoje, ele é uma crônica visual do cotidiano entre os anos de 1996 e 2000, com fotos que falam de gênero, liberdade sexual, nudez como direito e o corpo como política de resistência.
“Claudia se equipara ao trabalho de Nan Goldin, no Brasil, e ajudou a dar cara a pelo menos duas gerações, por meio de seu trabalho (na coluna Noite Ilustrada) e depois na moda e na publicidade, o que não é pouco – haja vista a fotografia como um ambiente machista e até ali restrito à agenda que ela traz. Resiliente, ela não trabalha com concessões e, hoje, sua obra emerge com muita coerência e coragem”, diz Palomino.
Uma das imagens mais emblemáticas da época é a foto de Andrea de Maio (que abre esta matéria), transexual, empresária e ativista pelos direitos LGBT+, que morreu no ano 2000 por complicações após uma cirurgia para retirada de silicone industrial de seu corpo. Andrea era uma figura célebre e respeitada no centro de São Paulo, “temida por traficantes, michês e trombadinhas e respeitada pela polícia”, conta o jornalista Lino Bocchini em uma matéria na revista Trip.
Ela também, de certa forma, mostra a evolução da discussão e dos direitos dessa comunidade. Dona da boate Prohibidu’s, Andrea foi enterrada no Cemitério da Consolação com seu nome de registro civil e só em 2016 teve a placa de sua lápide alterada, uma iniciativa do Serviço Funerário Municipal de São Paulo e do arquiteto e professor da FAU Renato Cymbalista, que fez a doação.
A década de 1990 ainda inspira imagens, seja na moda, na fotografia ou no cinema, e essas 40 fotos são real deal de uma cena e o retrato de uma época.
SERVIÇO
Cara | Corpo | Voz! de Claudia Guimarães
Abertura: 13.07, das 11h às 16h
Local: Casa da Imagem (r. Roberto Simonsen, 136 b, Sé)
A exposição fica em cartaz até 13 de outubro