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    Com Gabriela Hearst e Gucci à frente, “desfiles sustentáveis” começam a surgir
    Desfile de Gabriela Hearst na semana de moda de Nova York / Reprodução
    Com Gabriela Hearst e Gucci à frente, “desfiles sustentáveis” começam a surgir
    POR Camila Yahn

    Por trás dos 15 minutos de duração de um desfile sabemos que estão meses e semanas de trabalho para se construir esse momento de impacto. Mas enquanto ele ainda é uma das formas mais eficazes de apresentar uma coleção reunindo criação de conteúdo, clientes, imprensa, compradores e fãs em um mesmo lugar, há de se repensar a maneira como é produzido.

    Hoje parece absurdo quando nos damos conta de que isso, até pouco tempo atrás, não passava pela cabeça dos designers e produtoras dos desfiles: cenários que são construídos e não mais utilizados, convites impressos, energia artificial usada em excesso, comida que sobra nos camarins e as centenas de copos e garrafinhas plásticas descartadas são apenas a ponta do iceberg. Essa equação vale também para shows, festivais, peças e qualquer outro evento com público.

    Com a temporada de Verão 2020 acontecendo (neste momento em Londres) e a pressão por mudanças radicais na indústria, a moda passa por sua maior crise, batendo de frente com o sistema.

    Apenas mais recentemente, com a enxurrada de relatórios de mudanças climáticas, previsões pessimistas e o novo interesse da moda pela sustentabilidade, que passamos a questionar o impacto de tudo.

    Só nesta semana que passou, vimos duas notícias de marcas que estão realizando desfiles sustentáveis: a uruguaia Gabriela Hearst, em Nova York, e a Gucci, em Milão, ainda a acontecer. Mas o que significa fazer um desfile sustentável e qual é, de fato, a pegada de carbono de um desfile de moda?

    Esses dados ainda não existem e é importante que as marcas comecem a fazer seu próprio cálculo (existem empresas específicas que medem isso) para que, daqui algum tempo, uma semana de moda consiga ter uma ideia aproximada do rastro que deixa após cada temporada.

    Logicamente esse pensamento vai muito além da roupa que a marca produz. Para ser correta e efetiva, é necessário olhar para toda sua cadeia de fornecedores e estabelecer com todos eles novas práticas de conduta.

    Gabriela Hearst

    Gabriela desfilou sua coleção em Nova York em uma apresentação, segundo ela, carbono neutro. Para isso, ela contratou a expertise do EcoAct, organização que há 10 anos trabalha ajudando empresas de diversas indústrias a fazer mudanças positivas e diminuir seu impacto. Eles contam com mais de 100 especialistas em mudanças climáticas, pegada de carbono e energia.

    Gabriela, ao lado do Bureau Betak que produz seus desfiles, olhou para todos os elementos da produção, design e montagem, da restauração ao transporte, energia e resíduos, em um esforço para compensar sua pegada de carbono. Ela também fez uma doação em nome de todos os convidados ao Our Children’s Trust, ONG que está processando o governo dos Estados Unidos por seu papel em causar a crise climática. “Os desfiles são muito importantes pra gente porque é quando criamos conteúdo, quando fazemos nossos lookbooks e recebemos muita atenção concentrada, então precisamos maximizar esse momento”, disse a estilista em uma entrevista à Vogue americana. Ela usou o desfile para medir sua pegada de carbono para então poder compensá-la. “Se não conhecemos nosso impacto, não podemos reduzi-lo. O objetivo é definir um padrão do setor”, diz.

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    We’re really proud to have worked alongside Gabriela Hearst and EcoAct to create the first carbon-neutral runway show for her Spring-Summer 2020 Collection. The profits will be donated to Hifadhi-Livelihoods Project in Embu and Tharaka Nithi Counties of Kenya. ♻️ @gabrielahearst @jamespecis @oribe @hannah_murray1 @bobbibrown @jesshallettcast @juancampodonico @prconsulting @rainbowwave_ltd @yannnurynyc @alexdebetak @bureaubetak Manhattan, New York #nyfw #carbonneutral #greenproduction #eventproduction #eventdesign #gabrielahearst #bureaubetak

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    Por sugestão da EcoAct, a marca também fez uma doação ao projeto Hifadhi-Livelihoods, no Quênia. “O projeto trata de mudar os fogões a gás que as famílias estão usando em sua aldeia e convertê-los em fogões, uma opção mais ecológica”, explica Hearst. Segundo a organização, os fogões reduzem o uso de madeira em 60%, o que significa que o tempo gasto na coleta de madeira é reduzido de 12 horas para 5 horas, impactando mulheres e crianças.

    A produção das roupas também passa pela lógica de substituir materiais e processos por alternativas mais conscientes e que não deixem tanto rastro. “Antes de começar uma coleção, vejo o que temos em estoque que podemos reutilizar sem comprar mais tecido. Então, garantimos que não haja poliéster em nossos veludos ou sedas, que não usemos viscose, a menos que seja certificada, que tentemos usar linho porque ele usa muito menos água que algodão. “Você precisa ser criativo para poder contornar limitações e criar coisas bonitas”.

    Ela também já converteu todas as suas embalagens em alternativas biodegradáveis e compostáveis e está mudando de frete aéreo para o transporte de barco. 

    Gucci

    A marca italiana também anunciou que fará um desfile totalmente carbono neutro por meio de vários métodos diferentes. Madeira reciclada e papel certificado pelo Forest Stewardship Council serão usados para a construção do cenário e para os convites de papel, respectivamente. 

    Além disso, as emissões de viagens de 1.000 convidados e 900 funcionários, serão neutralizadas por meio da compensação – uma prática que permite às empresas equilibrar sua pegada de carbono investindo em projetos ambientalmente conscientes em outros lugares. 

    Na semana passada, a Gucci publicou seu plano de tornar sustentável toda sua cadeia de fornecimento, já que somente ela responde por mais de 90% da origem de todas as emissões da marca.

    Outras iniciativas

    Gabriela Hearst diz ter feito o primeiro desfile totalmente carbon free, mas no cenário internacional, outras grifes têm monitorado sua pegada de carbono há anos. Mas pouco adianta você trabalhar na sua cadeia, fazer upcycling e usar materiais orgânicos se, na hora do desfile, todo esse esforço vai por água abaixo – a mudança precisa estar presente em todos os momentos e atividades de uma marca.

    Dá para pegar exemplos de outros projetos, como por exemplo, a Vegan Fashion Week, que utilizam sacolas biodegradáveis feitas de raiz de mandioca que insetos podem comer. Os utensílios e copos que usam durante o evento são ecologicamente corretos e não tem papel circulando por ali; tudo é informado e comunicado através de um aplicativo. Segundo a fundadora Emmanuelle Rienda, essas mudanças não custam mais, porém requer muita pesquisa. “Acho que esse deve ser o papel de alguém nas grandes semanas de moda – ajudar a cuidar do lado da sustentabilidade dos eventos e ajudar na terceirização. Esse trabalho realmente não existe hoje”, diz Rienda em uma entrevista.

    A agência criativa Prodject, de Keith Baptista (fundador da assessoria power de moda KCD), trabalha com marcas como Chanel e Gucci, que exigem saber como as coisas são obtidas, de onde vêm e o que acontece com elas depois dos eventos. Keith diz notar uma diferença dramática de três anos para cá, na forma como muitas empresas têm planejado seus eventos.

    green… washing

    Porém, há também os oportunistas que estão transformando sustentabilidade em commodity. A Green Fashion Week parece ser um desses casos. Criado pelo dono da agência de modelos GD Major, ela tem o apoio do Ministério Italiano do Meio Ambiente, da Terra e do Mar, e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, mas ao examinar o evento mais de perto encontramos algumas incoerências. 

    Segundo sua apresentação, a GFW tem como protagonistas “designers de moda e empresas internacionais que contribuem para promover o conceito de sustentabilidade por meio de suas coleções e produtos”. O evento também emite um comunicado que visa provar como sua pegada de carbono é quantificada e neutralizada e ainda diz contribuir com o reflorestamento da Amazônia. 

    Entretanto, como qualquer atividade totalmente orientada para o business e o lucro, é muito difícil que essa semana de “moda verde” seja, de fato, verde. Trata-se de um evento de grande escala “focado na moda ecológica” e que acontece em locais como Las Vegas e Abu Dhabi. “Abu Dhabi é um ponto de encontro exclusivo, uma janela internacional para o mundo, oferecendo oportunidades de negócios para o cenário internacional de empresas e investidores de Abu Dhabi”, dizem os organizadores. E continuam: “esta é uma oportunidade para todas as empresas multinacionais que buscam visibilidade e oportunidades em artigos de moda e luxo”. E finalizam: “em Abu Dhabi, a vida ainda será dourada, mas com tons de verde”. 

    Se ainda não temos o cálculo da pegada de carbono (por enquanto), ao menos uma coisa é certa. Como disse o CEO da Gucci, Marco Bizzari, ao NYT , “a única maneira de termos zero emissões é fechar nossos negócios”. E como isso não vai acontecer, é preciso pensar em como realizar seu trabalho da maneira mais sustentável possível. 

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