Há alguns meses, um thread da newsletter e publicação Salty circulou no Twitter chamando atenção do Instagram por banir uma série de anúncios com mulheres de cor, transgender, não binárias e de tamanhos grandes. Para a rede social, os anúncios estariam promovendo serviços de “acompanhantes”, uma violação dos termos de serviço da plataforma. A Salty se denomina “um boletim para (e por) mulheres duronas, pessoas trans e não binárias. Lançamos em março de 2018 e somos 100% criados pela comunidade”.
A questão é que: nenhuma delas eram profissionais do sexo (vale lembrar que essas profissionais também usam as redes para criar comunidades e espaços onde se sentem seguras). O tweet foi compartilhado amplamente tanto por ativistas LGBTQ+ quanto por profissionais do sexo em busca de seus direitos.
“Existem conversas acontecendo em nossas comunidades sobre como certos corpos e perspectivas estão sendo policiados e como certas pessoas são mais alvo de censura do que outras no Instagram”, diz a publicação em seu site. Em uma pesquisa mais aprofundada, a equipe também descobriu que as políticas que visam proteger os usuários de comportamentos racistas ou sexistas no Instagram foram relatadas como prejudiciais para os grupos que precisam de proteção.
Em entrevista à Rolling Stone, a fundadora e editora da Salty, conta que enviou os anúncios para aprovação do Instagram ao longo de seis semanas. “Uma ou duas semanas depois, tentava outra e recebia um aviso de rejeição. Então aconteceu de novo e de novo”, diz. Embora tenha recorrido da decisão, afirmando que a Salty não promovia o trabalho sexual, ela decidiu falar publicamente sobre o ocorrido no Twitter.
A thread, Pls RT:
Here are four examples of Salty adverts that have been rejected for “promoting escort services” on @Instagram + @facebook.
1) Two trans women fully clothed, standing.
(these babes are Kae and Linlee, from Atlanta, FYI) pic.twitter.com/xSIyoeUYRp— Salty (@Saltyworldbabes) July 9, 2019
E enquanto alguns acham que essa censura é apenas o resultado de um algoritmo inconsistente, outros alegam que a plataforma visa especificamente corpos marginalizados, como os de pessoas não binárias ou pessoas de cor.
A proibição de anúncios por parte da comunidade LGBTQ+ é constante – a censura ocorre mesmo que não há violação os termos de serviço da plataforma (geralmente relacionadas a nudez ou conteúdo sexualmente explícito, que são proibidas pela rede social).
Em um comunicado enviado à Rolling Stone, um porta-voz do Instagram diz: “Toda semana, revisamos milhares de anúncios – e às vezes cometemos erros. Cometemos erros aqui e pedimos desculpas a Salty. Restabelecemos os anúncios e continuaremos a investigar esse caso para impedir que isso aconteça novamente”.
De acordo com a Salty, eles também concordaram em se reunir com a equipe da publicação para discutir maneiras de tornar as políticas mais inclusivas. No entanto, essa discussão nunca chegou a acontecer.
Outro exemplo é o que que aconteceu com a influenciadora Amber Wagner (@jstlbby) com mais de dois milhões de seguidores. Wagner ficou conhecida através de vídeos inspiradores, onde incentiva seus seguidores “a não apenas se esforçarem em direção ao seu melhor, mas também a abraçarem o seu eu atual – não importa o quão difícil possa ser”. Ela postou sua foto na capa da revista Salty e o Instagram removeu (ele se desculpou mais tarde e republicou a imagem). A modelo e ativista Rain Dove, que se identifica como não binária, também passou pela mesma situação – de novo na capa da Salty – porque estava de topless.
Em um post, ela escreveu: “ISSO NÃO VIOLA AS DIRETRIZES DO INSTAGRAM! Primeiro, não me identifico como mulher. Ou homem. Eu me identifico como eu. Portanto, esses não são “mamilos femininos” e não podem ser examinados para remoção. Sou gratx por este aplicativo e pelo que ele fez para aumentar minhas oportunidades na vida. Por favor, considere revisar o idioma que você usa em suas diretrizes. Você está criando uma divisão que reforça os sentimentos vulneráveis que as pessoas com seios já sentem. Medo, vergonha, objetivação. Pare de segmentar especificamente ‘mulheres'”.
Segundo a Rolling Stones, no ano passado surgiram informações de que o Instagram estaria banindo posts com hashtags relacionadas a comunidade LGBTQ+ como #gay, #lesbian e #bi. Na época, o Instagram justificava essa decisão alegando que as pessoas usavam a hashtag para postar conteúdo que violava seus termos de serviço que proíbem conteúdo nu ou sexualmente explícito; desde então, a empresa tem restaurado as tags.
“O conteúdo feito por mulheres brancas, magras e cis parece menos censurado do que o conteúdo com mulheres negras de tamanho grande e queer. Homens brancos cis parecem ter um passe livre para se comportar e postar da maneira que quiserem, independentemente do dano que causam”, conclui a equipe da Salty.
Essa é uma questão que as redes ainda não conseguem atingir um resultado satisfatório. Mesmo no Twitter, um exemplo recente aqui no Brasil: no dia do incidente Glenn x Augusto Nunes, a hashtag #augustonunes levava a diversos posts de casais transando em vez de mostrar notícias sobre o ocorrido. E acho que quase todo mundo já viu uma obra de arte, seja pintura ou fotografia que mostre os seios de uma mulher, ser banida “por violar as diretrizes”.
Nos Estados Unidos, especula-se que essa política pode ter sido influenciada pelo FOSTA / SESTA, um projeto de lei altamente controverso destinado a coibir o tráfico sexual online que responsabiliza sites e plataformas de mídia social.
Pessoas LGBTQ+ que dependem de plataformas digitais para forjar comunidades preocupam-se que suas identidades sexuais podem colocá-los em risco de serem penalizados por um programa indiscriminado de inteligência artificial.
Nós gostaríamos de ouvir vocês, aqui no Brasil, e entender se já passaram por isso e com qual frequência isso acontece. Se não quiserem deixar aqui nos comentários, podem também enviar através de DM pelo nossa página no Instagram @ffw.