Nos últimos dias, um vídeo de uma menina recém saída da adolescência viralizou nas redes sociais dos profissionais da moda sendo compartilhado e comentando entre estilistas, jornalistas, pensadores, stylists, fotógrafos e fãs de moda. Letícia Santhana, de 19 anos, fez um vídeo chamado Carta Aberta à Vogue Brasil, questionando a capa do mês de maio estampada por Gisele, de make natural vestindo roupas de marcas internacionais de luxo e acompanhada do título O Novo Normal. A capa passou a ser muito criticada nas redes por parecer desconectada do momento atual. Entre os comentários no Instagram da revista, as pessoas questionam uma falta de sintonia entre a foto, a chamada e a nossa realidade. “O ‘novo normal’ não seria uma mulher da vida real na capa, batalhadora, sem falso ‘glamour’, alguém que vive e trabalha aqui no Brasil? Alguém da nossa realidade?”, pergunta a leitora Leonor Dias. “Acho que a capa não comunica a fala. A Vogue, assim como outras revistas de comunicação de moda, deveriam nesse momento refletir toda a forma como moda é comunicada”, escreve Larissa Souto em outro comentário.
Letícia tem um perfil no Instagram chamado @portaldasmodas em que busca “ressignificar e democratizar as narrativas da(s) modas(s) com notícias, análises e informações sobre essa indústria”. Garota da tão falada geração Z, domina as ferramentas digitais e a linguagem das redes e tem como audiência exatamente o público que as marcas miram hoje. Ela faz parte desse universo de influenciadores e microinfluenciadores que virou o mercado de conteúdo de cabeça para baixo nos últimos anos, trazendo para si o foco de atenção que antes era dos veículos tradicionais e sendo um dos responsáveis por tirar deles grande parte do investimento em publicidade.
Com vendas e publicidade em queda em todo mundo desde 2008, as revistas impressas se viram em meio à uma crise financeira e tem sido foco de inúmeras matérias questionando seu papel e relevância para seu leitores nos dias de hoje. Nos deparamos aqui com uma oportunidade única para a construção de um novo momento para as revistas. Desperdiçá-la pode ser fatal.
Algumas questões que ficam: quem realmente está sabendo construir relevância no agora? Quais capas devem ficar para a história como um retrato desse tempo?
Naturalmente, uma revista não se constrói somente com uma capa. Ela é acompanhada de dezenas e, às vezes, centenas de páginas com diversos tipos de conteúdo. Mas por ela ser a porta de entrada de um veículo, é através dela que uma revista impressa passa sua mensagem mais importante a cada edição.
“Há pouco menos de duas semanas, estávamos prestes a imprimir uma edição que estávamos planejando há algum tempo”, escreveu o editor da Vogue italiana Emanuele Farneti. “Mas falar de qualquer outra coisa – enquanto as pessoas estão morrendo, médicos e enfermeiros estão arriscando suas vidas e o mundo está mudando para sempre – não é o DNA da Vogue Italia. Conseqüentemente, arquivamos nosso projeto e começamos do zero. A decisão de imprimir uma capa completamente branca pela primeira vez em nossa história não é porque houve falta de imagens – muito pelo contrário. Nós escolhemos porque branco significa muitas coisas ao mesmo tempo”. A capa branca da Vogue Italia já é histórica – em seus mais de 100 anos de vida, pouquíssimas vezes alguma edição da Vogue abriu mão de sua capa por um propósito maior.
Já a Marie Claire América Latina estampa em sua capa de maio a forte imagem de uma enfermeira com o rosto marcado pelo uso intenso da máscara de proteção (item de uso obrigatório entre os profissionais da saúde) acompanhada do título “Reais Influencers”, enquanto a edição brasileira da revista preferiu estampar uma celebridade, a atriz e apresentadora Giovana Ewbank fotografada pelo marido acompanhada da chamada “De volta à essência”.
No mesmo caminho de espelhar e refletir sobre o momento presente, edição italiana de abril da Vanity Fair escolheu para sua capa a médica Caterina Conti, profissional da saúde que trabalha para salvar vidas num dos hospitais em Bergamo, cidade no epicentro do surto e mortes pelo coronavírus na Itália. Na chamada de capa, a hashtag #Iocisono, que significa estou aí com você. No mesmo caminho aqui no Brasil, a revista Claudia lançou a chamada “As mulheres contra o Covid-19”.
Essa pandemia global mexeu nas estruturas do mundo todo e desestabilizou a realidade de bilhões de pessoas e empresas. De repente, nos vimos sozinhos e perdidos em uma tempestade de sentimentos e emoções que o isolamento social provocado pelo novo coronavírus nos impôs. As pessoas, enquanto cidadãs e consumidoras, estão muito sensibilizadas e amedrontadas por uma crise sanitária e econômica das mais graves que já vivemos e vão cobrar de suas marcas e publicações preferidas que elas respondam ao momento da forma adequada. Ou os perderão de vez.
Aqui no Brasil, a previsão da OMS é de que nosso país se torne o novo foco do covid-19 e atualmente é onde os números ligados ao vírus mais crescem em número de infectados e mortes. Por isso, se você tiver esta escolha, continue em casa e aproveite para se conectar com as marcas e publicações que tenham propósitos e façam sentido pra você.