O escritor e consultor André Carvalhal lança nesta semana seu quarto livro, Como Salvar o Futuro (informações ao final da página). André vem ganhando cada vez mais destaque nas redes por seu perfil no Instagram, onde traz diversas questões sobre os problemas do sistema da moda.
Diferentemente de seus dois primeiros livros, este aborda nosso comportamento e a relação com o mundo que habitamos, partindo das principais tensões que vivemos hoje e passando por pautas como autoconhecimento, sustentabilidade, veganismo e movimentos em prol de grupos minorizados. “A ideia não era criar uma lista mandatória, mas sim apontar exemplos de hábitos e ações que se tornaram comuns nas nossas vidas e que comprometem o nosso futuro”, diz André em entrevista ao FFW.
Leia abaixo nossa conversa, em que Carvalhal fala sobre o que podemos esperar da leitura e também sobre a relação mercado x consumidor. Como ele diz, “o livro é um alerta, mas também um convite para reflexão e revisão desses hábitos”.
Quando começou a escrever, o que deu o start?
Eu terminei o livro no final do ano passado e entreguei para a editoria no início desse ano. Era um projeto para o final deste ano, sem imaginar o que iria acontecer com a gente em 2020. De uma hora pra outra veio a pandemia e sentimos que precisávamos correr. Voltei para reeditar alguns capítulos, conectando com esse momento de agora.
E foi surreal, pois todos os capítulo estavam prontos e tudo começou a acontecer… Então eu fui acrescentando exemplos e situações que começamos a viver, como o movimento antiracista, as queimadas e até mesmo a queda dos “gurus” que estamos presenciando.
Este já é o seu quarto livro. Pode contar um pouco sobre ele?
O mais próximo dele é o anterior, o Viva o Fim, lançado em 2018, que foi finalista no prêmio Jabuti – é um livro que fala sobre o fim do mundo como conhecíamos. E esse de agora fala sobre como construir um novo futuro.
Diferente dos meus dois primeiros (A moda imita a vida e Moda com propósito), que se tornaram best sellers da literatura de moda no Brasil, esse novo livro não tem o foco na moda, ele fala de forma mais abrangente sobre nosso comportamento e a relação com o mundo que vivemos.
O livro parte das principais tensões que vivemos hoje, que tem a ver com a exploração do meio ambiente e de seres humanos e não humanos. Aborda pautas como autoconhecimento, sustentabilidade, veganismo, movimentos em prol de grupos minorizados… A ideia não era criar uma lista mandatória, mas sim apontar exemplos de hábitos e ações que se tornaram comuns nas nossas vidas e que comprometem o nosso futuro. O livro é um alerta, mas também um convite para reflexão e revisão desses hábitos.
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“A nossa separação da natureza não é uma consequência da vida que levamos, é um projeto. Nos afastar da natureza e nos fazer pensar que o “homem” está acima de tudo”.
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Por que demoramos tanto a acordar em relação a esses hábitos e à manipulação do mercado?
Não é interessante para o mercado que as pessoas saibam disso. Se as pessoas pararem de consumir como antes, o mercado quebra. Tem um meme ótimo do início da pandemia, que “se o comércio não reabrir logo, as pessoas vão perceber que não precisam de 80% das coisas que compram”. E é bem isso.
A nossa separação da natureza não é uma consequência da vida que levamos, é um projeto. Nos afastar da natureza e nos fazer pensar que o “homem” está acima de tudo. Dando-se o direto de explorar tudo e todos é que construiu o sistema que vivemos hoje.
O mercado desenvolve novas técnicas de manipulação conforme nos tornamos mais conscientes? Se sim, pode dar alguns exemplos?
Sim. Responsabilizar pessoas, por exemplo. Então ele te faz acreditar que você precisa tomar banho mais rápido, economizar água ou separar seu lixo. Isso é legal, importante, sim. Mas não é o suficiente. Eu sinto que às vezes é uma cortina de fumaça.
Tem também todos os folclores sustentáveis que vão se criando, como o dos reciclados, dos selos, do produto vegano e tals. Que na verdade muitas vezes só cria novas tendências e faz com que as pessoas continuem comprando e comprando, mas com a consciência mais tranquila de que estão reduzindo seus impactos.
Quando foi o seu despertar em relação a isso?
Eu sou muito observador e questionador do mundo a minha volta. Já há algum tempo venho sentido que estamos chegando no nosso limite. Diante de um mundo cada vez mais polarizado e com situações que beiram o extremo, sinto que escrever é uma das formas como posso contribuir.
Do ponto de vista ambiental, estamos recebendo notícias dos resultados das mudanças climáticas e diversos crimes ambientais que contribuem para que o futuro seja mais difícil – como as queimadas da Amazônia e do Pantanal. Ao que tudo indica, a própria pandemia é um resultado da nossa má interação com a natureza. Se continuarmos assim, poderemos não só contribuir com o surgimento de novas pandemias como também da extinção da nossa espécie.
Do ponto de vista social/cultural e econômico, vemos um desequilíbrio cada vez maior entre as pessoas mais ricas e mais pobres do mundo. Enquanto umas enriquecem cada vez mais – muitas vezes em decorrência da exploração do planeta, como os empresários da indústria do plástico ou agronegócio – outras muitas continuam caindo em extrema pobreza. Sem contar com a crise ética, de opressão a grupos minorizados, como pessoas negras, lgbtquia+, mulheres, indígenas…
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“Vejo crescer o número de narrativas frágeis e falsas de sustentabilidade, que atuam como desserviço para quem de fato gostaria de consumir de forma mais consciente”.
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Como marcas devem se comportar para tratar um consumidor mais consciente?
Com transparência. Ainda há muita falta de informação. Quem tem algum conhecimento do assunto sabe que todo tipo de produção convencional está ligada à devastação e exploração do meio ambiente e de muitas pessoas – desde quem faz até quem compra – e, por isso, comprar qualquer coisa gera um impacto no planeta – podendo este ser positivo ou negativo.
O consumo “inconsciente” – e também a criação, produção e comunicação inconsciente – é resultado da falta de informação e conhecimento sobre tais impactos. Para piorar, vejo crescer o número de narrativas frágeis e falsas de sustentabilidade, que atuam como desserviço para quem de fato gostaria de consumir de forma mais consciente.
Tenho compreendido que o consumo consciente não está relacionado exclusivamente a consumir algo “sustentável” e/ou que não gera impacto negativo. Tem a ver com conhecer os impactos do que estamos consumindo. Logo, o único caminho possível para estabelecer uma relação de consumo consciente é através da transparência. Em vez de comunicar ações isoladas como algo que salva o mundo, é preciso comunicar os impactos e as metas de melhoria daquilo que se propõe a fazer.
E nesse processo, sinto que pessoas precisam se acostumar a questionar. Consumo consciente não é uma responsabilidade somente de quem faz ou de quem consome. É um processo de corresponsabilidade. Somente assim conseguiremos entender quem de fato está atuando para disseminar uma nova consciência e quem está apenas querendo surfar uma onda.
O que você achou da decisão do Boticário de não usar mais o termo black friday?
Eu achei a ação positiva. Acompanhei algumas conversas sobre o tema, feitas por pessoas negras, que deve ser de fato quem deve opinar sobre isso, e percebi que não há consenso sobre o quanto o termo “black friday” pode ser racista. Por isso acho essencial que as marcas que optarem por fazer essa mudança, expliquem o porque estão fazendo. Se parte de uma crença verdadeira e de uma série de atitudes antiracistas por conta das marcas, não tem como não achar ótimo.
Como você vê o futuro da moda?
Nós crescemos com a ideia de que não compramos roupas, compramos identidade. A mensagem não dita nisso é que precisamos de coisas e de comprar para nos construir enquanto seres humanos. Não tem como pensar em redução de consumo ou mesmo de revisão da indústria da moda sem repensarmos isso.
Da mesma forma, enquanto as pessoas pensarem que a cura para seus buracos internos e suas frustrações está na moda, na comida ou qualquer outro tipo de coisa, vamos continuar comprometendo o futuro.
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Como Salvar o Futuro (editora Paralela, Companhia das Letras)
Lançamento: 18.10
Valor: R$ 19,90