Por Vinicius Alencar
Neste ano de pandemia, em que todo mundo passou a refletir mais sobre a vida e muita gente tem cortado supérfluos e reduzido ao essencial, parece natural que a moda volte a olhar para um estilista como Helmut Lang, revendo inspirações e referências mais minimalistas.
Apesar da aura misteriosa, distante e incógnita, Helmut Lang sempre carregou títulos que eram tudo, menos sutis. A dicotomia entre discrição e influência é notada em seus inúmeros apostos, o mais repetido deles, “Lang o designer que definiu os anos 1990”, seguido por “o mais visionário da sua geração” e “quem ressignificou o minimalismo”. Títulos repletos de euforia, que eram confirmados e enfatizados a cada coleção.
Atualmente a marca tem a dupla Mark Thomas e Thomas Cawson por trás, e se tornou trending topic para a nova geração com a passagem relâmpago de Shayne Oliver, aclamado diretor criativo da Hood by Air, em 2017. Mesmo com todo o hype, o resultado foi uma série de camisetas com o nome de Helmut em negrito e algumas poucas re-interpretações. Barulho midiático, mas que não convenceu a imprensa, nem os fãs do designer.
Nascido nos arredores de Viena, Áustria, Helmut abriu um pequeno ateliê com peças sob medida, em 1977. Ao trocar sua cidade natal por Paris, no início dos anos 1980, ele já tinha muito da arte em seu trabalho, tanto que sua primeira coleção na cidade luz foi apresentada no Centro Pompidou, em 1984. Mesmo inovador, o début de Lang causou estranheza em um período que era marcado por desfiles performáticos de Mugler e Montana. Quando introduziu o masculino em 1987 também atraiu olhares curiosos, por uma silhueta mais seca e linhas pueris, que iria influenciar e marcar os anos 1990.
Abaixo, entenda por que Lang ainda é uma grande influência na moda.
1. Filosofia e códigos
Seu trabalho foi marcado pelo uso de materiais não óbvios, como plumas, metais, plástico e látex. Com o preciso uso do couro e aviamentos ele adicionava o fetiche ao vocabulário minimalista. Em vez de fendas óbvias, Lang subvertia ao apostar em recortes em pontos inusitados e ao investir em transparências que mais revelavam do que escondiam.
2.Desfiles seminais
“Anti-fashion” era uma dos termos que sempre acompanhava o nome de HL. Em um período em que a moda era muito auto-referente e flertava com a arte mainstream, Lang olhava para os jovens da época, que viviam um híbrido entre a estética pós-punk e a cultura raver.
A proximidade com a stylist Melanie Ward, conhecida por fugir do glamour e afetações, fez todo o sentido. Como dupla criativa desde 1992, faziam imagens autorais e seguiam por um caminho estético solitário marcado por alguns esbarros com outro designer anti-fashion, o belga Martin Margiela.
O verão 1992, inverno 1994, verão 1999 e as últimas coleções que assinou, de verão 2004 e 2005, são resumo perfeito da sua estética.
inverno 1994, verão 2005, verão 2004 e verão 1999
3. A influência de HL na estética da Prada e Raf
No começo dos anos 1990, Miuccia Prada procurava seu estilo entre o minimalismo-sexy e o ugly-chic. Em comum com Helmut, a incessante busca por novos tecidos e tratar materiais tecnológicos como nobres – tendo o náilon como maior exemplo.
Paralelamente, um jovem Raf Simons olhava para os festivais de música eletrônica, mix de materiais e fotos de Robert Mapplethorpe e, desse mix, nascia uma nova estética para o guarda-roupa masculino. Até mesmo na sua coleção de estréia na Calvin Klein, a imprensa lembrou a influência que Lang tem no trabalho de Simons.
raf simons de jaqueta helmut lang e 2 looks de seu desfile de estreia na Calvin Klein em 2018
4. A influência na nova geração de designers
Com o passar dos anos, o seu status de cult só foi aumentando, de Proenza Schouler a Eckhaus Latta, Ludovic de Saint Sernin passando por Demna Gvasalia e Marques Almeida. Era nítido como ele havia deixado sua marca e havia hipnotizado toda uma cena de novos estilistas, os fazendo beber da sua fonte. Exemplo mais recente disso: Matthew M. Williams, em sua primeira coleção à frente da Givenchy – os vazados, recortes, as formas e até o underwear eme couro ultra fetichista, estão todos lá reunidos.
a coleção de estreia de Matthew Williams na Givenchy com forte influência de Lang
5. Musas: de Kirsten a Kate, de Jenny a Louise
Se como artista e criador, Lang olhava e trazia para perto as artistas Louise Bourgeois e Jenny Holzer para colaborações e parcerias, como estilista gostava de ver quase sempre as mesmas modelos estrelando suas campanhas e desfiles, especialmente as britânicas Kirsten Owen, Stella Tennant, Erin O’Connor e Kate Moss. A indefectível Kristen McMenamy e sua então aposta, Karen Elson, foram outros dois nomes onipresentes.
sua modelo musa kirsten owen em campanha do verão 1997
6. Subvertendo o minimalismo
Minimalismo até então era pura sobriedade, o greige (grey + beige) que tingia as coleções de Armani, passando pelo marinho de Jil Sander e o maior expoente da estética, Calvin Klein, com linhas retas e frias. Mas para Lang… não! Uma calça de alfaiataria ganhava plumas, a regata branca canelada era sobreposta a uma blusa feita de borracha colorida e o jeans tradicional combinado a transparências fúcsia. Havia sempre um elemento inesperado, nunca era óbvio ou literal.
7. Destruindo o passado
Quando saiu da direção da sua marca, em 2004, ela já pertencia ao grupo Prada. O choque maior, no entanto, foi quando Helmut anunciou que iria destruir mais de seis mil peças do seu acervo e transformá-las em obras de arte. O resultado foram enormes pilares arredondados, que iam do chão ao teto. Ao ser questionado por jornalistas e entusiastas perplexos, o artista apenas disse: “as peças foram destruídas e remanejadas de forma randômica, sem distinção entre os materiais”.
8. Além da passarela
A indústria de fragrâncias estava acostumada com comerciais sensuais, sensoriais e envolventes, quando Lang convidou a artista alemã Jenny Holzer para sua linha de perfumes o resultado foi inovador: cartazes em letras garrafais que se tornaram item de colecionador. A mais lembrada entre elas “I smell you in my skin” (‘eu sinto seu cheiro na minha pele’, em tradução livre). Já Louise Bourgeois estrelou campanhas e teve inúmeros trabalhos metamorfoseados em estampas, outras foram criadas com exclusividade.
9. Arte x Moda
Todos estavam acostumados com campanhas megalomaníacas, assinadas por fotógrafos mundialmente conhecidos e estreladas por supermodels. Helmut então começou a fazer suas campanhas no backstage, com uma luz dura e sem muitos recursos, elas eram clicadas pelo então iniciante Jurgen Teller e tinham um projeto gráfico que não era parecido com de nenhuma marca de moda.
Ao abandonar as passarelas, pelas galerias, Lang fez várias exposições solo, entre elas na Purple Institute, em Paris, 2007; em parceria com 032c, em Berlim, 2008; na Kestner Gesellschaft, em Hanôver, 2008; e agora voltou a ser assunto entre os fashionistas, pois Anthony Vaccarello, diretor criativo da Saint Laurent, convidou o artista e doou peças não vendidas da grife francesa para servirem de base para as obras de HL.
O resultado foram esculturas cilíndricas, parecidas com as que Lang produziu a partir de seu próprio arquivo. Elas podem ser vistas desde o início de outubro, nas vitrines da Saint Laurent, em Paris e em Los Angeles. E serão colocadas à venda a partir do mês que vem.
Atualmente, o MAK (Museum of Applied Arts), em Viena (equivalente a museus de artes e ofícios), está com um extenso material audiovisual de Lang, com desfiles entre 1993-2005, além de outros vídeos que eram exibidos nas lojas ou que foram criados por diferentes artistas para a grife.
campanha com foto de juergen teller feita no backstage do desfile inverno 2005/2004
Helmut Lang confundiu os limites entre arte e moda de uma forma que ninguém havia feito até então e apesar de ser rotulado como o designer que definiu o minimalismo seu trabalho era tudo, menos entediante. Lang mora atualmente em Long Island, Nova York, está com 64 anos e ainda se mantém como uma das principais influências da moda contemporânea.