Ele tinha 25 anos quando foi ovacionado pela primeira vez. A ocasião era seu desfile de formatura na Central Saint Martins, em Londres, 1984. A coleção chamava-se Les Incroyables, como se chamavam os dândis parisienses do final do século 18 que adotaram estilos de roupas extremos como uma reação à revolução. Na época, esse jovem recém formado conseguiu fazer muito com pouco: mínimo de recursos x máximo de imaginação e talento. Eram apenas 10 looks, o suficiente para causar um buzz que o obrigou a apresentar o desfile três vezes naquele mesmo dia. Na última, as pessoas já disputavam lugar e o aplaudiram de pé.
Começava ali a construção de um gênio que, ao longo de sua vida, tem trazido caos e beleza para a moda. A experimentação, a curiosidade, a combinação de diversas inspirações culturais, os materiais nobres, a mesma atenção aos detalhes por dentro e por fora, o drive inesgotável…
John Galliano nasceu em 28 de novembro de 1960, em uma família católica em Gibraltar, pequeno território do tamanho de Copacabana, no sul da Espanha. Seu pai era encanador e sua mãe cuidava da casa e era espirituosa, adorava dançar flamenco. Aos 6 anos, eles mudaram-se para Londres, onde John passou por uma fase infeliz sofrendo bullying na escola. Seu talento para desenhar era notável, prática que começou ainda criança e, anos mais tarde, garantiu uma vaga para ele na Saint Martins.
Enquanto estudava, ele trabalhava como costureiro no Teatro Nacional, onde aprendeu os meandros da vestimenta histórica e como ela se movia no palco. Obcecado pela beleza desse vestuário, ele foi estudar construção de roupas do século 18 no V&A (Museu Victoria and Albert).
Na paralela, John vivia o momento New Romantic na Londres dos anos 80, convivendo com personagens como o artista Lucien Freud, o cantor Boy George e o inesquecível e visionário performer Leigh Bowery em noitadas no subversivo Taboo Club. O lema para entrar lá era: Dress as though your life depends on it or don’t bother (vista-se como se sua vida dependesse disso ou não se preocupe).
Esse é John Galliano, a mistura de todas essas experiências, da vida quente na Espanha aos porões underground de Londres, passando pela mágica dos palcos e seu figurino exuberante e impactante.
Em 1996, Galliano virou diretor criativo da Givenchy, onde ficou de 1996 a 1997, quando foi contratado pela Dior – e lá ficou até 2011. E nesses 15 anos, ele virou uma super estrela da moda, criando designs que não eram apenas resultado de ideias inacreditáveis e com uma mão de obra insana, mas também transformando desfiles em grandes acontecimentos – espetáculos, experiências mais teatrais, ora dramática, ora divertida, mas sempre extraordinário. E assim, nesse ritmo, ele produzia oito coleções por ano para a Dior, uma totalmente diferente da outra e na mesma escala de criatividade – isso sem contar as outras coleções que criava para sua marca própria. O que mais me impressiona nele até hoje é essa capacidade de criação tão vigorosa, em um nível fora da curva e que parece ser uma fonte inesgotável de ideias.
Bom, o fim dessa história todos sabemos. A genialidade tem um custo alto para muitos artistas (McQueen é outro triste exemplo) e John virou uma espécie de divindade criativa, sem freios e irreprimível, vivendo entre os prazeres e os perigos que seu trabalho e comportamento proporcionavam. Até que em 2011 ele foi despedido da Dior após ser filmado bêbado gritando insultos antissemitas a uma mulher num bar em Paris. Na época, o namorado da garota que foi ofendida, disse: “não acho que ele seja racista ou anti-semita. Só acho que ele está muito doente”.
Foi uma espécie de fim de uma era. Exatamente um ano antes, Alexander McQueen, cometera suicídio. Outro gigante da moda, rivalizou com Galliano durante toda a sua vida profissional, uma guerra de gênios que o público e os profissionais da moda se matavam para assistir.
Sem McQueen e sem Galliano, a moda deixa seu período de excessos e extravagâncias e a pressão extrema que os conglomerados colocavam em seus diretores criativos começou a ser questionada.
Após quatro anos afastado e em tratamento, ele volta para a moda, supreendentemente contratado pela Maison Margiela. Em 2015, ele estreia na marca com a coleção Renascença, e em plena forma. “A magia do trabalho de Galliano está lá novamente, a ideia de uma viagem de descoberta através de uma única peça de roupa, uma história contada através dos detalhes de corte e construção. Uma narrativa embutida em um pano. Há algo mágico e evocativo nisso, e eu ainda sinto aquela onda de excitação ao lidar com Galliano”, escreveu na época o editor Alexander Fury para a Another Magazine.
Quando eu tinha 20 e poucos anos, morava em Londres e andava pelas ruas com meus amigos, nenhum de nós com dinheiro pra comprar nada, mas a gente sonhava e brincava: se você fosse musa de um estilista, de quem seria? John Galliano, eu respondia. Suas coleções para a Margiela me fazem acreditar que até hoje ele trabalha sob a lema que o inspirou décadas atrás: vista-se como se sua vida dependesse disso ou não se preocupe.
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Abaixo, fiquem com meu desfile favorito, inspirado na Índia, Bollywood, Hinduísmo, Holi Fest , Leigh Bowery e a cena dos clubes londrinos dos anos 80.
Para saber mais:
Galliano: Spectacular Fashion, de Kerry Taylor
Gods and Kings: The Rise and Fall of Alexander McQueen e John Galliano, de Danna Thomas