Moda e luxo são sinônimos? Não!
Refletimos como a moda e o luxo se encontram e onde se afastam na indústria atual.
Moda e luxo são sinônimos? Não!
Refletimos como a moda e o luxo se encontram e onde se afastam na indústria atual.
“Há uma ligação histórica com a forma como a elite se vestia até ao início da Revolução Industrial. É a mesma coisa agora, mas com produtos de luxo”, é o que Cathy Horyn, lendária crítica de moda diz a Tim Blanks, outro respeitado jornalista e crítico, em uma extensa conversa na edição 21 da revista System.
“Toda a ideia dos impulsos iniciais da moda tornou-se ainda maior – a ilusão aumentou, o desejo aumentou. Agora não desejam simplesmente ter o vestidinho ou a bolsinha de grife, e sim ter o jato particular para andar segurando aquela bolsa ou usando aquele vestido desfilado segundos antes”, resume Tim em outro bloco.
Seja na série Kingdom of Dreams (disponível no Brasil pela HBO), ou em alguns artigos recentes de veículos como Business of Fashion, a conclusão flerta sempre com uma mesma indagação: em que momento moda e luxo voltaram a ser sinônimos?
Parece uma realidade distante, mas até 2010 a moda tinha muita clareza de que, por mais que estivessem próximas, ela e o luxo transitavam por lugares muitas vezes diferentes, tanto no imaginário coletivo, quanto entre players da indústria.
E aqui não estamos nos prendendo a um saudosismo, mas resumindo como era a indústria até então. Com a moda se tornando objeto não só de interesse, como alcançando um público maior, ela foi deixando de ser principalmente uma expressão cultural e artística para se tornar um instrumento de fazer dinheiro que se alimenta por desejo e status. Objetos que ilustram não apenas desejos pessoais, mas que foram completamente esvaziadas para se tornarem apenas itens ostentativos dentro de um “lifestyle”.
É ainda preciso notar como, por exemplo, a Balenciaga se apropriou de códigos periféricos do leste europeu para os reinterpretar na passarela. Antes disso, a moda já havia olhado pros desejos vindos de novas esferas e comportamentos que não apenas o da elite: dos hippies e intelectuais dos anos 1960, passando pelos punks e outras vertentes, no final da década seguinte. Margiela, hoje sob o aposto “da marca das Tabis”, surgiu inclusive questionando o conceito de luxo.
Em um artigo intitulado “Lost in the Machine” publicado em setembro no site The Cut, Cathy vai além: “Várias marcas estão por detrás deste abrandamento, mas a maior delas é que as marcas europeias – mesmo as marcas com uma longa história de produção de alta-costura – começaram a conceptualizar a moda como luxo. Luxo significa status e dinheiro – aquela bolsa de 5 mil dólares com um logo revelador. A julgar pela quantidade de couro e cashmere, bem como pelos estilos casuais estranhamente elegantes nas passarelas nos últimos anos, muitas marcas parecem estar buscando a aparência de riqueza sem ostentação, o famigerado “quiet luxury”.
No início dos anos 1990, a Louis Vuitton, por exemplo, possuía uma receita anual de 500 milhões de dólares – atualmente esse valor saltou para a casa dos 20 bilhões. Claro, é necessário ter em mente todas as mudanças políticas e sociais das últimas três décadas, mas principalmente se atentar como os conglomerados foram transformando a relação de desejo, poder de compra e, consequentemente, do luxo. Seguido do surgimento de influencers que se utilizam da moda como um pano de fundo para exibir um estilo de vida descolado da realidade de grande parte das pessoas.
“São todos esses caras – e a maioria são caras – que são executivos, e isso é quase como um fetiche para eles. Tipo, ‘Somos 15 bilhões agora, vamos chegar a 20 bilhões!’’, solta Cathy em outro trecho.
Se a última década foi marcada por essa corrida maluca em aproximar mais a moda do luxo do que do design, algo tem feito isso ser repensado: a desaceleração de crescimento, após anos de números homéricos. O grupo Kering anunciou que os lucros diminuíram 21% (acredita-se que pelo enfraquecimento da Gucci e escândalos da Balenciaga), enquanto LVMH continuou a crescer, mas com “apenas” 9% de aumento – o que apesar de ser um número positivo já preocupa os executivos.
A moda ser reduzida a um conceito de luxo intimidada pelo poder e influência atual dos grandes conglomerados é algo que deve ser discutido. A moda como conceito é muito maior que isso, é inclusiva e não exclusiva, é sobre cultura, sobre expressão e não sobre “ter para ser”, por mais que atualmente isso seja vendido e replicado em cada nova ação de marketing.