Depois de ficar 30 dias na minha casa no meio da mata, vim com meus filhos para São Paulo. Abrir a casa, pegar material escolar, livros e roupas mais quentes. Era um domingo, não tinha nada na geladeira, então coloquei minha máscara cirúrgica e fui ao mercado.
Chegando lá, me deparei com muitas outras máscaras, mas nenhuma branca, de farmácia, como a minha. Floridas, coloridas, em xadrez ou poás, certamente bem mais divertidas. Mas os tempos não estão para diversão. Muitos psicólogos e terapeutas têm falado que vivemos, de fato, um momento de luto. São muitas perdas repentinas, outras ainda por vir e, a cada momento, a gente pensa em algo que não pode mais fazer.
Na volta para São Paulo, vi policiais altamente armados e mascarados, parando todos os carros na estrada. Os motoristas embicavam o veículo e eram inspecionados por profissionais com aqueles trajes brancos de proteção. Ainda que necessário para evitar que pessoas contaminadas levem o vírus para outras cidades, a imagem era forte e nova. De repente, parecia que estávamos em um episódio de Handmaid’s Tale, em que toda liberdade é cerceada.
Tenho me sentido em outro planeta, habitando um mundo em que todos andam mascarados e com medo de qualquer contato. A gente ainda não sabe quanto tempo isso vai durar, talvez o suficiente pra gente se acostumar, mas por enquanto, não parece normal pra mim cruzar esses novos humanos por aí.
As máscaras, que sempre foram objetos de necessidade médica, agora estão virando uma extensão do nosso corpo a partir do momento que abrimos a porta de casa. Sem aviso, ela se tornou o “acessório” mais em demanda do momento. Em um movimento coletivo e de solidariedade, vimos as pessoas começaram a costurar em casa, para si, para família e para quem não tem. O mesmo aconteceu com as marcas e hoje parece prática comum você receber uma máscara de presente na compra de qualquer produto.
Mask Club
O negócio evoluiu e hoje temos até um site de assinatura nos Estados Unidos onde, por US$ 10 mensais, você recebe uma máscara por mês em casa e ainda pode escolher entre os mais de 20 motivos, de Hello Kitty e Mulher Gato a Jetsons, Nada e tie-dye. É o Mask Club, uma ideia do empresário Trevor George, da mega empresa de licenciamentos Trevco, que passou a fabricar as máscaras no início da pandemia para um hospital em Detroit e doou 250 mil delas. O Mask Club tem uma parceria com a First Responders Children’s Foundation, que fornece suporte para socorristas, como médicos, paramédicos e técnicos de emergência.
Um artigo escrito recentemente pela crítica de moda Vanessa Friedman no New York Times questiona esse momento em que máscaras de proteção viraram acessórios cobiçados e até pauta de consumo da Vogue com o título “Máscaras para comprar agora”. No marketplace Etsy, em um único fim de semana, os consumidores pesquisaram máscaras no site uma média de nove vezes por segundo e o número de vendedores de máscaras aumentara cinco vezes, para quase 20 mil.
Hoje há peças feitas de seda, denim ou decoradas por lantejoulas. Tem também modelos hiper elaborados, com acabamento de laço, como a feita por Collina Strada. O preço? 100 dólares (na compra de uma você doa cinco para profissionais da saúde em Nova York). Sold out. Certo ou errado dela vender essa peça por um preço tão alto? Certo ou errado por parte de quem quer comprar e usa-la como símbolo de status?
Precisamos olhar mais a fundo para evitar julgamentos precipitados. Provavelmente teremos que usar máscaras até que uma vacina seja desenvolvida – especialistas falam em um ano, um ano e meio. Portanto, parece que vestir sua máscara ao sair de casa terá o mesmo tom de praticidade e normalidade de colocar seus óculos escuros. E vamos entrar em um momento, se já não entramos, em que vamos ter opções para combinar com nossas roupas ou astral do dia.
Mas nunca podemos nos esquecer que este é um “acessório” criado pela necessidade e que também é um símbolo tanto de solidariedade quanto de dor. O uso de máscaras está atrelado à medicina, às culturas de tribos e também à manifestações e revoluções. Não podemos transformá-la em um objeto de cobiça e status. O coronavírus não faz distinção social; todos fomos afetados. E de repente, quando a máscara migra pro mundo da moda, ela imediatamente já separa de novo porque vira também um símbolo de desigualdade.
Possivelmente, logo mais todas as marcas terão sua linha de marcas para vender simplesmente porque haverá demanda. Até então temos visto a compra desses itens atrelada à algum tipo de doação (“compre uma, doe uma”). Exploração oportunista do medo ou uma maneira de sobreviver enquanto negócio em um longo período de consumo baixo? É de cada marca escolher o seu lugar na história. O fundamental é ter uma comunicação transparente em relação à venda desse produto.
A maioria de nós está no gerenciamento de riscos pois temos consciência do perigo. E quando a gente está ciente do perigo, a gente não se diverte. As máscaras podem trazer um pouco de ânimo neste novo e estranho ato de vestir uma máscara e, por que não, uma forma de expressar nossa identidade.