Desde pequeno percebi minhas habilidades com o olfato. Sempre senti cheiros e aromas antes que todos ao meu redor. Do cheiro da chuva, quando a chuva ainda não tinha chegado, ao cheiro dos bolos da avó. Eu sentia antes.
Damas da noite me cortejavam na rua da minha mãe. Uma angélica não era apenas uma angélica. Tudo era muito mais intenso para mim. O cheiro do carro novo do pai. Do sofá da casa da tia. Da rua de terra onde empinava pipa… da escada mofada do colégio de padres.
Sempre que ia para o acampamento, eu tinha que levar o lenço da minha mãe. E dormia com ele no nariz.
Aí você vira mocinho e quer sair cheiroso. Peço um perfume para a mãe. Azzaro. Era o que tinha na época. A principio estranhei. Depois me acostumei, porque era o que tinha.
Me apaixono por uma menina que usava Fahrenheit. Sim, o masculino. Devo confessar que nunca gostei de Anais-Anais ou Lou-Lou.
Até hoje dou sempre uma paradinha no Freeshop para borrifar um pouco desse perfume no pulso e lembrar de quando eu tinha 16 anos.
Quando visitei a Índia entendi que realmente os cheiros tomavam conta dos meus pensamentos. E eu sempre permiti isso.
O cheiro da canela, misturado com as fezes das vacas, incensos, cardamomos, rosas, corpos sendo cremados ( o cheiro da carne queimada), leite de côco, sândalo. Tudo junto, misturado, ao mesmo tempo.
Não posso fazer um leite com canela que volta tudo a mente. E eu gosto disso.
Quando fui morar sozinho, desde o primeiro dia, eu sempre enchi a casa com velas perfumadas, incensos, palos santos. Nas festas e encontros, sempre em algum momento, aparecia eu com perfumes e cremes e águas com cheiros. E convidava a todos a sentir as mesmas sensações.
Na abertura da minha exposição, sonhei que ela tivesse um cheiro. De grama molhada. Conheci uma empresa francesa que desenvolvia. E assim foi. Prédios e varandas envoltos em cheiro de grama.
Mas por que eu estou falando tudo isso aqui?
Porque em recente viagem, me deparo com uma loja chamada I HATE PERFUME.
Entro, em choque, e nas prateleiras um sonho materializado.
Em frascos, todo o tipo de cheiro.
O cheiro da primavera de 62, de uma biblioteca com livros antigos, de muro com musgo, de uma caravana russa, de nuvem, de um pássaro no paraíso, de couro com cigarro, de grama. Tudo o que eu sempre sonhei.
Garanti todas as minhas memórias. Agora em frascos na cabeceira da minha cama.
Te encontro nos meus sonhos.
Felipe Morozini é fotógrafo, cenógrafo, entre outros talentos…
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