Por Larissa Roviezzo*
Como consultora de sustentabilidade, inúmeras vezes participei de discussões que buscavam soluções sustentáveis para a nossa indústria. Tópicos como o uso de novos materiais, a transição de empresas na implementação de estratégias na fase do design de produto, aplicação de circularidade (estratégias que seguem o conceito de Economia Circular), busca pela obtenção de certificações e pelo aumento da transparência, entre outros, estão em alta. E, em meio a tantas discussões, sempre um pensamento se manteve vivo dentro de mim: “precisamos falar da construção do lucro!”.
A indústria da moda hoje é estabelecida na ideia de menor custo de produção e compra, grande volume e longo prazo. Dentro desse raciocínio, fábricas vendem seus serviços em máxima capacidade e baixo valor. E varejistas compram ao menor preço com o objetivo de manter suas margens altas e diluir o custo causado pelo riscos como: a falta de estoque (ou excesso), congelamento do capital de giro e redução do preço de venda.
A crise ocasionada pela Covid-19, mostrou que essa sólida estrutura não deixa a indústria imune de riscos sérios quando não há mercado ativos de consumidores. E, com isso, a roda que parecia girar incansavelmente parou, resultando em estoque excessivo, fornecedores sem pagamentos e falta de novos pedidos. Em tempos de crise, a roupa não é considerada um produto essencial. O que é essencial é a fonte de renda para os trabalhadores da cadeia.
Será que esse modelo de negócio não está ultrapassado? Chegou a hora de mudarmos a cultura do mínimo custo e repensar novas maneiras de colaborarmos.
Uma solução
O presidente da Chainge Capital (empresa de consultoria), John Thorbeck, defende um novo modelo para a cadeia têxtil. Para ele, a otimização do Lead Time (momento entre o pedido feito pelo cliente e a entrega efetiva do produto) e a produção Just in Time (tudo deve ser produzido, transportado ou comprado na hora exata), são as chaves para a redução de riscos (traduzidos em custos) na indústria têxtil. Dois conceitos que diminuem, por exemplo, os custos de estoque excessivo e, consequentemente, o desperdício gerado em diversos pontos na cadeia.
Em outras palavras, ao invés de produzirmos hoje para a coleção que será lançada em seis meses ou em um ano, produziremos para a coleção que será lançada no próximo mês. Esse modelo se aproxima ao modelo de negócio implementado pela Zara, que produz 12 coleções ao ano. Não no sentido de estimular o consumo, mas na questão da velocidade da produção.
Pode parecer contraditório no olhar da sustentabilidade, mas na verdade esse modelo diminui a superprodução e os impactos ambientais originados por ela, reduz os riscos e os custos, e, consequentemente, libera uma margem maior para ser usada no custo do produto. Ou seja, confecções podem cobrar um preço maior por peça, o que beneficia os trabalhadores da cadeia e dá mais recursos para que os varejistas possam implementar o uso de materiais e processos sustentáveis em seu produtos – o que atualmente é um dos custos mais altos.
Para esse modelo, inevitavelmente as relações upstreams (fornecedores de matérias-primas, tecelagem, confecções) e downstreams (distribuidores, atacadistas, varejistas) da cadeia têxtil precisam caminhar mais próximas, empregando a perspectiva de colaboração ao invés de briga pelo menor custo. Dessa maneira, a indústria passa a dividir os riscos e as recompensas. E claro, a necessidade de investir em tecnologia, compartilhamento de dados e uma cadeia de suprimentos local.
Se a ideia de sustentabilidade não era atrativa para alguns até agora, o mercado de capitais está mostrando que finalmente o tópico está sendo levado a sério. Investidores estão priorizando a aplicação de seus capitais em empresas que atendem aos critérios ambiental, social e de governança (ASG). Essas movimentações caracterizam o fortalecimento de mudanças globais rumo a indústrias mais sustentáveis.
Inevitavelmente, os tempos estão mudando e a estrutura atual da cadeia têxtil parece não sustentar as necessidades dos novos tempos. A quarentena destruiu a ilusão de que individualmente prosperamos. Por isso também, já não há mais espaço para continuarmos procurando fornecedores cada vez mais baratos e produzir montanhas não necessárias.
Como disse o escritor Charles Eisenstein “nenhum dos problemas do mundo é tecnicamente difícil de resolver; eles surgem do desacordo humano”.
*Larissa Roviezzo é consultora de Sustentabilidade na Regenerate Fashion
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