Por Larissa Roviezzo, em colaboração com o FFW
Sustentabilidade, eco, ética, moda sustentável, verde… esses termos e expressões são cheios de significados e pouco a pouco, tomam espaço e se tornam cada vez mais visíveis em nosso dia a dia. Mas é claro que, como toda tendência (ou a maioria), não existe inovação se não houver uma razão. A moda é uma das maiores indústrias do mundo, tanto no sentido de desenvolvimento econômico e geração de empregos, como quanto ao consumo de recursos naturais – matérias-primas, energia, água e químicos – necessários para fazer esse segmento girar. E, apesar de toda grandiosidade e glamour, é preciso pensar no impacto que a indústria tem no nosso planeta e nas pessoas diretamente relacionadas a ela, uma informação que geralmente está muito longe das vitrines e das revistas.
Como tudo na vida, a “conta sempre chega”, e não adianta correr, vamos ter que pagar em algum momento. É exatamente por isso que todos esses novos termos estão tão em evidência hoje em dia, porque existe uma necessidade de inovar essa indústria que faz tanto parte da nossa vida, mesmo que indiretamente. Um exemplo que pode demonstrar o impacto da indústria em geral é o estudo feito em 2015 nos EUA pela Levi Strauss & Co, a famosa Levi’s®. De acordo com os dados, uma calça jeans usa 3.781 litros de água em todo o seu ciclo de produção e utilização. Esse número engloba desde o cultivo do algodão, até a fabricação e o cuidado dos consumidores em casa, sendo que só o desenvolvimento da fibra de algodão usa 68% desse total de água. Além disso, não se pode esquecer de citar o impacto causado pelos químicos sintéticos utilizados no processo de tingimento, um problema sério apontado pelo Greenpeace desde 2010.
A partir dessa necessidade de inovação, surgem novos modelos de negócios que inspiram e mostram que existem possibilidades, basta sairmos do convencional. Inovação para diminuir impactos ambientais, reutilização de água, energia renovável, melhores condições para os trabalhadores, reciclagem de matéria-prima e muitas outras coisas.
Como exemplo de negócio que impulsiona essa mudança usando economia circular como conceito, está a marca dinamarquesa VIGGA. Com os princípios de reduzir, reutilizar e reciclar, ela acredita que não adianta desenvolver a roupa da maneira sustentável se essa roupa for usada poucas vezes e jogada fora. Isso significa muita energia, matéria-prima e esforço para pouco uso. Pensando nisso, a marca, focada em roupas para bebês, oferece um sistema de assinatura em que o consumidor paga um valor mensal e recebe uma seleção de roupas de acordo com o tamanho da criança.
E na medida em que essas roupas não servem mais, os pais as enviam de volta, recebem novas em tamanho maior, e depois de uma limpeza especial, a VIGGA tem a oportunidade de enviar essas roupas para outras famílias, consertar quando necessário, ou reciclar o material quando não é mais indicado para uso. Um sistema cíclico que beneficia todos os envolvidos: consumidores, empresa, indústria e meio ambiente. E tem mais um diferencial: as peças são desenvolvidas com algodão e lã orgânicos livres de químicos prejudiciais à saúde.
Também visando uma economia circular, a marca sueca Filippa K oferece o serviço de locação de peças da coleção como uma oportunidade ao consumidor de se manter atualizado, sem a necessidade de consumir e acumular roupas no guarda-roupa (veja mais aqui). É possível alugar as peças por quatro dias pagando 20% do valor. No site, eles também têm uma seção com dicas de cuidados para que suas roupas durem mais tempo.
Eles também recolhem peças que os clientes não querem mais, oferecem um voucher de 15% por cada peça retornada, faz uma reformulação quando necessário e disponibiliza novamente na sessão de “segunda mão” (second hand shop). É fundamental ressaltar que a Filippa K, apesar de ter uma sessão de “second hand” desde 2008, faz mediante um contexto diferente do que estamos condicionados a pensar. Não são peças vintages como em brechó, ou peças maltratadas e muitas vezes com cheiro forte. A grife leva essa ideia para outro patamar, investindo em Visual Merchandising e maneiras de reaproveitar esse produto. E claro, quando não é possível viabilizar a peça comercialmente, elas são enviadas para organizações humanitárias. Ou seja, além de outras ações pensando em uma moda mais sustentável, a marca está cada vez mais investindo em soluções para o descarte do produto, visando minimizar os impactos no nosso meio ambiente.
Outro trabalho interessante de citar é o de empresas que transformam materiais desperdiçados em matéria-prima, desenvolvendo novos produtos e dando nova vida aos resíduos. Esse processo, chamado Upcycling, é o modelo de negócio usado pela marca gaúcha Insecta Shoes, que utiliza tecidos e roupas em desuso para fazer seus sapatos.
Mais um importante exemplo nacional que abraça essa causa é a À La Garçonne, de Fabio Souza e Alexandre Herchcovitch. Com uma produção de baixa escala, a marca desenvolve peças únicas a partir do garimpo de roupas prontas, tecidos esquecidos e materiais reciclados. Um trabalho em que a sustentabilidade surge através da criatividade, do design e da experiência técnica do estilista.
Mas claro que nem tudo são flores. Assim como a indústria de hoje levou tempo e aprendeu com os próprios erros para ser esse grande império, que infelizmente causa grandes impactos no nosso planeta, esses modelos de negócios fazem parte das mudanças e soluções para uma nova consciência na indústria.
E os idealizadores desses novos projetos seguem aprimorando o funcionamento e o processo a partir do feedback dos clientes e dos problemas que aparecem no meio do caminho. O importante é que eles existem e que os consumidores e os empresários entendam a necessidade de mudança, se identificando e apoiando essas ideias.
A moda está caminhando irreversivelmente para uma nova realidade, onde quem pensa, faz e disponibiliza os produtos, exerce uma grande responsabilidade. Repensar e revisar o atual processo se faz necessário, e abre espaço para novas ideias de viabilizar, fazer e consumir moda.
* Larissa Roviezo é brasileira e vive em Berlim, onde faz um Master e Sustainable Fashion na Esmod Berlin, uma das instituições pioneiras nessa abordagem @lariroviezzo @forbetterfashion
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