FFW Insider: a dupla Mar+Vin fala sobre fotografia, carreira internacional e imagem de moda
O editor-chefe de FFW, Augusto Mariotti conversou a dupla de fotógrafos que hoje é um dos nomes mais importantes da nova fotografia de moda brasileira.
FFW Insider: a dupla Mar+Vin fala sobre fotografia, carreira internacional e imagem de moda
O editor-chefe de FFW, Augusto Mariotti conversou a dupla de fotógrafos que hoje é um dos nomes mais importantes da nova fotografia de moda brasileira.
Quando pensamos em fotografia de moda no Brasil, impossível não se referir a dupla Marcos Florentino e Kelvin Yule, mais conhecidos como MAR+VIN. Com uma linguagem estética que une técnica e storytelling, eles vêm produzindo as imagens de moda mais marcantes da atualidade – com um portfólio extenso de trabalhos publicados em importantes revistas do Brasil e do mundo. Além disso, o duo assina campanhas de grifes renomadas e já fotografou grandes estrelas da moda e do showbizz nacional e internacional.
O mais impressionante: ambos tendo menos de 30 anos de idade. Kelvin, baiano de Valença, e Marcos, de Lagoa Grande, no sertão do Piauí, formam uma dupla na vida profissional e pessoal desde que se conheceram num cruzeiro. O primeiro trabalho publicado da dupla foi no FFW.
Conversamos por quase duas horas sobre os rumos da fotografia de moda, identidade, carreira internacional, projetos pessoais e como é fotografar em dupla. Leia o papo abaixo:
Como vocês se conheceram?
Marcos: A gente se conheceu pela internet, num grupo do Facebook mas só fomos nos encontrar no Fashion Cruise da Chilli Beans. Kelvin ganhou um concurso de fotografia que eles fizeram e eu fui fotografar uma amiga.
Como foi que começaram a fotografar juntos?
Kelvin: Simplesmente aconteceu, o Marcos tava fotografando uma campanha e eu fui ajudar ele, peguei minha câmera e comecei. Eu não tinha ninguém em São Paulo, o Marcos já tinha os trabalhos dele e daí eu comecei a assitir ele e depois ele me assistir.
A dupla foi acontecendo naturalmente?
K.: Isso, foi! A gente não trabalhava nos mesmos moldes que trabalhamos hoje, a gente fazia da forma que a gente sabia até então.
M.: Nosso começo foi diferente da maioria, a gente começou querendo ser fotógrafo de moda, mas a gente ainda tava se entendendo, descobrindo o que nos interessava fazer. Inicialmente a gente tinha pensado no Marv+Vin como uma terceira pessoa, pra fazer trabalhos comerciais e não assinar com nosso nome mas foi o contrário e acabamos convergindo tudo o que a gente fazia sob essa assinatura.
Como vocês entraram na moda?
K.: Eu conhecia um menino de uma produtora que me convidou para mostrar meu trabalho pra eles, nisso o Marcos foi comigo pra ver o que iai ser. Apresentamos nosso trabalho e eles falaram “vocês já pensaram em ser uma dupla?”, a gente tava juntos há 3 meses. Daí pensamos que a dupla podia ser como um pseudônimo pra ganhar dinheiro e com nossos nomes a gente faria nossos trabalhos menos comerciais.
M.: Eu era mais relutante em assinar como dupla. Nossa primeira publicação foi pro FFW inclusive! O Apolinário passou o contato de vocês, fizemos um primeiro editorial, precisavamos assinar algo como dupla. Convidamos a Suyane (Ynaya), daí entrou a Betinha do Guarda Roupa SP, que foi fundamental pois ela abriu as portas pra gente.
M.: É muito importante ter essas pessoas que abrem essas portas, que acreditam em você.
K.: E daí fizemos esse editorial com a Suyane e o bebê Theo recém nascido, a Lu Nascimento, foi uma estória muito especial. O editorial saiu em fevereiro, daí recebemos vários emails, o primeiro do Cleyton Carneiro, daí da Susana Barbosa e daí de uma agência de Paris…
Que alegria saber disso!
M.: Esse editorial setou o que seria nossa identidade, a repercussão foi muito incrível.
Sempre tive essa curiosidade, como é o processo de fotografar em dupla?
M.: Fotografar em dupla é sempre um processo…não existe uma receita, é sempre muito singular, sempre uma dinâmica diferente, eu acho que essa forma diferente de abordar imageticamente as informações é que faz nossa identidade. A princípio a gente prefere centralizar a atenção numa camera só…
K.: quando a gente cria a estória a gente cria junto mas a princípio a gente prefere centralizar a atenção numa camera só…
M.: Uma coisa que acho super importante é que nós 2 somos fotógrafos, ambos fotografamos, não existe uma regra, é o que ressoa pra cada um.
Como é o processo criativo de vocês?
M.: Eu realmente dou tudo de mim para fazer a imagem que eu quero, se precisar virar a noite pintando o fundo eu faço. A gente gosta muito de estar presente para garantir que o trabalho tenha o nivel de qualidade que a gente espera.
Como vocês enxergam o papel da fotografia de moda hoje?
K.: pergunta complexa mas…vou falar por mim…o Marcos sempre teve relação com a fotografia analógica, eu não. E nos últimos anos a gente vem experimentando muito com a fotografia analógica. Eu tava ficando até um pouco saturado de tudo, estava tudo ficando repetitivo, a forma de comunicar moda, então começar a entrar no processo da fotografia analógica, o fazer manual que Marcos faz muito.
M.: O processo manual é lento, você precisa ter calma, você só tem uma chance, o filme pede uma atenção maior, um pensamento maior, isso me encanta muito, tá todo mundo ali focado na realização da imagem. O filme te força a pensar mais, às vezes tem um erro e com o tempo a gente aprendeu a aceitar o erro como algo que pode ser bom.
K.: E isso vai no sentido contrário do que a gente vê hoje, o consumo rápido de imagem, a gente não olha por mais de 3 segundos para cada imagem. Então a gente começou a olhar pra imagem de uma forma diferente, eu voltei a me apaixonar pela fotografia por causa do analógico, deu vontade de ir pra rua fotografar, experimentar com luz natural.
M.: Isso também me fez reconectar com a fotografia, é um processo muito lindo, e isso está sendo um processo muito importante como artista.
K.: Eu acho que o problema da fotografia de moda é que ela deixou de ser sobre fotografia e passou a ser sobre entrega de roupa. Quando eu vejo um doc sobre o Steven Meisel fotografando uma capa de Vogue Italia, ele interpreta a roupa do jeito dele.
M.: Eu odeio quando o compromisso (em mostrar a roupa) fica mais importante que a fotografia, embora eu entenda a importância e que isso é necessário para que a industria aconteça. Na maioria das vezes a gente tenta imputar algum significado na fotografia mas às vezes eu quero fotografar só algo que achei belo.
K.: E a gente anda discutindo bastante sobre o que estamos vendo nas redes
Vamos falar então sobre as redes sociais e forma como a imagem hoje é consumida. Isso tem impacto na produção de vocês?
M.: Nada! A gente coloca a mesma quantidade de esforço. A gente acredita no que a gente tá criando, fazendo a melhor versão possível. Acho muito incrível quando você faz algo genuíno e isso toca as pessoas, isso é das coisas mais gratificantes assim como o fato de conseguir praticar a inclusão a ponto das pessoas se sentirem belas, poderem habitar aquele espaço que é tão excludente.
K.: A gente não faz uma imagem pensando no Instagram, apesar dela estar no Instagram.
Vocês tiraram 2 meses de um sabático para viajar o Brasil e documentar a viagem para um novo projeto que deve virar livro. Contem mais sobre ele?
K.: Retornar às raizes e revisitar a cerne do nosso imagético referencial foi muito proveitoso, sinto que manter essa nascente sempre correndo e beber dela com frequência faz com que o nosso trabalho seja mais genuíno, tenha mais significado. Sempre incluímos referências muito pessoais e íntimas em nosso trabalho, mas quantas vezes esse trabalho era de fato nosso? Esse “trabalho-nosso” é a chave pra criação ou desenvolvimento identitária que passa despercebido por muitas pessoas. Retornamos como novos profissionais, mais experientes, mais sensíveis. Estamos agora na parte de layout e finalização e esperamos que esse projeto possa tocar as pessoas como nos toca. Foi realmente um processo de abrir a porta de um lugar antes inexplorado.
M.: Esse livro nasce de uma vontade antiga, uma vontade de documentar as nossas raízes e respeitar a individualidade de cada um. Ficamos dois meses viajando entre os nossos estados, criando histórias, às vezes só registrando, e experimentando muito. A coisa toda se deu de um modo bem imediatista, no susto. Decidimos viajar pouco menos de duas semanas antes de embarcar, tentamos planejar ao máximo antes, mas muito aconteceu pelas coincidências da vida e por estarmos na hora certa no lugar certo. Convidamos o stylist e nosso amigo pessoal, Maika Mano, pra colaborar com a gente nessa e adoraria que ele tivesse falando aqui, porque ele sempre conta de uma forma muito poética, a experiência foi bem transformadora pra todos nós, poder ter liberdade pra criar e experimentar realmente é o nirvana de qualquer artista.
Em novembro vocês estiveram em Londres para o prestigiado Fashion Awards. Como foi estar entre os indicado do prêmio?
K.: Primeiro ponto que bateu foi “nossa! nosso trabalho foi visto, 7 anos que estamos se dedicando a isso foi percebido”.
M.: A gente sempre teve nosso trabalho respeitado, bem aceito. É muito horrivel quando um artista brasileiro só é reconhecido quando ele vai pra fora, não foi assim conosco, acho que nosso caso foi bem específico e espero que isso abra caminho pra outros artistas daqui. A gente faz arte com tão pouco. Eles fingem que não nos vêem.
K.: Eles lá fora não consideram muito nossa moda mas não podem mais fingir que não existimos. Nosso trabalho é sim visto.
Carreira internacional está nos planos?
K.: Eu acho que é um caminho meio que natural, a gente sempre vai desbravar novas fronteiras, conhecer outros lugares, trabalhar com outros criativos. Estar em Londres e ter contato com profissionais que a gente admira fez a gente olhar pra dentro, fez a gente se questionar o que é importante pra gente enquanto artista, que tipo de imagem a gente deva estar criando.
M.: Recentemente a gente entendeu a importância desse deslocamento, essa movimentação. Tem sido um ano de descobertas. Esse ano a gente olhou pra gente e se perguntou por que a gente não faz o projeto que há tanto tempo a gente tá pensando, quando a gente vai falar sobre isso, por que a maiotia dos trabalhos que fazemos são comissionados.
Quais vocês acham que são as barreiras para um fotógrafo brasileiro entrar no disputado mercado de moda do norte global?
K.: É preciso estar mais tempo lá fora para entrar na indústria, todas as pessoas que encontramos foram super receptivas, abertas a colaborar. Uma coisa que percebemos, é que stylists, maquiadores, diretores de arte estavam abertos a nossa colaboração.
K.: O Brasil está em alta, nossa música, as artes começam a ganhar mais atenção e tem ajudado. Mas também a America Latina e África. O Rafael Pavarotti está num lugar de inspiração pra muita gente, ele tem esse papel de ser uma figura que inspira outros.
Quem vocês sonham em fotografar?
K.: Beyoncé, a Linda Evangelista, mas nao tenho muito isso não. A gente fotografou a Erykah Badu, uma verdadeira artista, a Viola Davis. Foi incrível.
M.: Adoraria fotografar a Iman, a Zéze Mota…
K.: A Lia de Itamaracá.
Como vocês definiriam a fotografia de vocês em termos de identidade?
K.: Chegamos num momento em que indústria da moda aqui não tinha outras pessoas fazendo aquele tipo de imagem, sobre brasilidade, negritude, espiritualidade, maternidade e nossa fotografia sempre foi muito sincera. E a gente sempre usou o tempo que é o elemento fantástico que a gente sempre tenta colocar na fotografia, que vai trazer um elemento a algo comum, isso talvez defina muito o que gente fez nos últimos anos.
M.: Acho que isso é uma boa definição. O que eu posso agregar mesmo que seja a algo comissionado, mas é muito difícil definir o que é a nossa fotografia, pois são 2 indivíduos que apesar de conviverem tem diferentes bagagens, enxergam a vida de maneiras distintas. Acredito que por sermos 2 as mudanças são constantes.
K.: Sao 2 processos, e precisamos entender o processo de um e de outro, do momento de cada um, tem dias que o Marcos está mais inspirado e eu nem tanto.
M.: Mas me interessa muito mais ouvir o que as pessoas sentem do nosso trabalho.
Qualidade técnica ainda importa tanto quanto a linguagem?
M.: Em tempos de internet o que importa mais é linguagem, não é sobre técnica, é sobre o que você tá falando, quanto mais genuíno for o trabalho mais ele tem o pode de se destacar.
K.: O que importa é sobre o que você está falando, se o que você está falando é pertinente, mas a gente tá ficando mais técnico.
Se vocês pudessem escolher um fotógrafo para expor ao lado, quem seria?
K.: Samuel Fosso!
M.: Adoraria expor ao lado do Malick Sidibé e Valter Firmo.
K.: Eu adoraria expor do Luis Braga e do Walter Firmo.
O que vocês diriam para o Marcos e pro Kelvyn de 18 anos?
K.: Não sofra antecipadamente, as coisas acontecem quando tem que acontecer.
M.: Foque no seu trabalho, invista tempo nas pessoas que estão próximas a você, é muito fácil ser engolido pelo trabalho, dosar isso e ter paciência, as coisas acontecem com o tempo. E seja fiel ao que você acredita, pois é muito fácil agir por opiniões externas.