Roupas para… trabalhar!
Demissões em massa, obrigatoriedade do presencial e nebulosidade dos direitos trabalhistas dão choque de realidade, inclusive, na moda
Roupas para… trabalhar!
Demissões em massa, obrigatoriedade do presencial e nebulosidade dos direitos trabalhistas dão choque de realidade, inclusive, na moda
Antes mesmo do caso do Silicon Valley Bank vir à tona e impactar a economia mundial, a moda já vinha falando sobre recessão. Em meio a tantos escapes e fantasias, o essencial se tornou palavra de ordem, sendo escolhida para definir boa parte das coleções de inverno 23/24.
Tem sentido, afinal em um momento de incertezas, o que pode ser mais elementar e essencial do que o próprio trabalho?
Mas, aqui, esqueça o idealizado e romantizado, estamos olhando para o trabalho em seu significado mais pungente. Basta analisarmos: o remoto foi perdendo a força com grandes corporações (entre elas Google e Apple) tornando obrigatória a volta do presencial – vale lembrar que neste mês de março marcam 3 anos desde o início da pandemia. As demissões em massa de start ups e big techs, o enxugamento da economia e a cortina de fumaça sobre os direitos trabalhistas deixam o momento mais nebuloso e incômodo.
Quando a Prada colocou o essencial no vocabulário fashion novamente, deixou isso bem explícito nas garrafas de água que saíam das tote bags, feitas do mesmo material dos pisos de industriais na coleção masculina, assim como na camisaria/jalecos que se tornavam longos de festa, em suas propostas para elas. Em comum? Os elementos que remetem aos uniformes: rígidos e impessoais.
Na Bottega Venetta, sabemos que Mathieu Blazy celebra a casualidade das roupas do dia a dia as transformando em itens de luxo a partir da matéria-prima, essa proposta mais cerebral para elevar o básico fica explícita também nos acessórios: já reparou que as bolsas quase sempre são carregadas ao lado de uma secundária, que remete a uma sacola de papel craft de mercado (no caso aqui feitas de couro)? É como um lembrete da rotina 9 to 5. O que carregam ali? O almoço para comer em frente ao computador ou um snack para beliscar entre uma reunião e outra?
Enquanto isso na Saint Laurent, saem os longos justíssimos e entram ombros marcantes, saias lápis, camisaria. O power dressing de quem não sai à toa, mas para fechar negócio. Tem algo mais corporativo do que a risca de giz? Talvez até tenha e ela deu as caras em alguns dos principais desfiles da temporada: da Luar à Valentino.
De quem estamos falando? Dela mesmo, da gravata. Enquanto na marca italiana ela surgiu em todos os looks como um símbolo de liberdade e equidade de gênero, na marca norte-americana como um ícone de formalidade – há um desejo de se divertir, porém trabalho é assunto sério. Menos corporativo, o look da Gucci com jeans estonado e trench coat com ombros desabados também entrega esse diálogo com a realidade e obrigações rotineiras.
Já na Miu Miu, os óculos com armações de acetato, os cardigãs, suéteres combinados, os kitten heels usados juntos e misturados são os itens básicos dessa geek, pesquisadora ou bibliotecária. O caminhar apressado e a bolsa máxi carregada no limite do antebraço entregam: seu ofício é importante e ocupa muitas horas do seu dia – tantas horas que, às vezes, a faz até se atrasar e sair com os fios desgrenhados, mas sempre mantendo a pose distinta (quase) intacta. Uma forma sútil de Miuccia provocar a todos e mostrar como o papel da mulher no ambiente de trabalho é duplamente afetado – afinal todos os afazeres domésticos continuam sendo feitos por elas, especialmente após o expediente.