Quando Kylie Jenner lançou sua marca de cosméticos, a Kylie Cosmetics, em 2015, esgotando em minutos, não imaginaríamos que pouco mais de 6 anos depois, teríamos mais de 10 marcas de beleza e maquiagem encabeçadas por celebridades. Pouco tempo depois, sua irmã, Kim Kardashian, lançou a KKW Beauty, em Junho de 2017. Na época, as irmãs eram conhecidas por suas maquiagens marcantes, a primeira, pelos lábios volumosos e técnicas de batom – e preenchimento labial – e a segunda, pelo contorno.
Mas foi pouco tempo depois, em setembro do mesmo ano, que Rihanna realmente revolucionou o mundo dos cosméticos e, mais precisamente, das marcas criadas por celebridades, com a Fenty Beauty. Em uma época em que maquiagem para peles pretas ainda não era uma discussão central nos fóruns de maquiagem, a cantora chegou lançando mais de 60 diferentes tons de base diferentes atendendo uma nova gama de pessoas que não se sentiam contempladas pelos tons de base e maquiagem oferecidas no mercado.
A Fenty Beauty foi um absoluto sucesso, bem como a KKW e a Kylie Cosmetics, que elevou a caçula do clã Kardashian ao status de bilionária. Como era de se esperar, não tardou para que outras celebridades pegassem carona no movimento e criassem suas próprias marcas de maquiagem e skincare.
Daí vieram a Haus Labs, de Lady Gaga; a Rare Beauty, de Selena Gomez; a r.e.m beauty, de Ariana Grande; a JLo Beauty, de Jennifer Lopez; a About Face, da Halsey; a Soul Care, de Alicia Keys e a Humanrace, de Pharrell Williams. Isso não é tudo: no último mês, Harry Styles e Machine Gun Kelly também lançaram suas próprias marcas de esmaltes e Hailey Bieber anunciou o lançamento da Rhode, sua nova marca de beleza.
“Como em qualquer mercado, existem celebridades criando produtos bons que tem a ver com o lifestyle delas. E naturalmente, outras veem isso só como uma oportunidade de negócio.” afirma Vania Goy, especialista em beleza
“Nos últimos dois anos entendemos que é um mercado muito promissor, mas requer seriedade e muito estudo. A saturação (desse mercado) vai depender da aceitação do público. Justamente pela diversidade e inclusão estar ganhando cada vez mais espaço, não acredito na durabilidade dessas marcas relâmpago” opina a expert em beauté Luanda Vieira.
Porque as celebridades estão investindo no mercado de beleza?
Não é difícil entender o porquê de tantas celebridades terem interesse na indústria da beleza. Esse mercado cresce exponencialmente e está avaliado em mais de 511 bilhões de dólares e rendeu negócios bilionários para Jenner, Kardashian e Rihanna em pouco tempo.
O movimento não é completamente novo, os beauty-gurus e influenciadores de maquiagem, com famas meteóricas nos Estados Unidos, começaram a assinar linhas de maquiagem para marcas renomadas. Em pouco tempo, Jeffree Star, Nikita Dragun, Huda Kattan (da Huda Beauty) e outros nomes já tinham suas próprias marcas de beauté. No Brasil, Bianca Andrade com a Boca Rosa Beauty e Bruna Tavares são outros exemplos de influenciadoras pioneiras que se tornaram donas de marcas de cosméticos, seguidas por Camila Coutinho, com a GE Beauty e Helena Bordon com a Hela Beauty.
Já no caso das celebridades, essa nova onda parece uma evolução do surto de linhas de perfumes e fragrâncias do início dos anos 2000, em que quase toda celebridade, cantora ou atriz tinha seu próprio perfume, criado em parceria com alguma grande empresa do setor de beleza.
Inovação ou puro merch?
Agora, com mais investimento e expertise, as celebridades conseguem criar suas próprias marcas. A maquiagem tem quase se tornado um novo tipo de merchandising. Com tantas novas marcas de beleza, será que realmente existe algumas inovação nas nessas linhas e fórmulas – como isso é vendido – ou é só sobre colocar um nome em um produto e vender aos fãs?
Vania Goy opina: “O mercado de beleza é um dos que mais investe em pesquisa, desenvolvimento e novas formulações. Mas quando olhamos para nichos como o do skincare, talvez estejamos chegando em uma saturação como o do mercado de maquiagem, que culminou no surgimento da nova categoria do skincare na época. Não acredito que chegamos em uma saturação de inovação, mas talvez de fórmula de sucesso, e aí é natural que o mercado se reinvente”
Apesar de não termos casos exatamente iguais de celebridades nacionais que criaram suas próprias marcas de beleza, nomes como Anitta, Manu Gavassi e Rafa Kalimann já assinaram linhas de maquiagem para a linha Intense, no caso das duas primeiras, e Quem Disse Berenice? para a última, ambas marcas da gigante brasileira O Boticário.
“Assinar uma linha de maquiagem é contar com a expertise de profissionais muito bem capacitados para colocar em prática o estilo de quem está assinando. Acho complicado e perigoso criar uma marca própria do nada, sem afinidade profunda pelo assunto, apenas pelo amor à maquiagem. Diz muito sobre tirar o espaço de pessoas qualificadas para isso” opina Luanda Vieira.
Qual o propósito dessas marcas?
Para Lady Gaga, a premissa da Haus Labs é criar produtos para replicar as maquiagens ousadas da estrela do pop. Para Hailey Bieber, disponibilizar os produtos para sua beleza sem esforço e pele natural. Já no caso de JLo, ela promete os segredos de sua pele perfeita aos 52 anos.
Acreditar nessas premissas ou não, é questionável. Mas é fato que essas celebridades têm usado da relação com seus fãs e influência digital para vender seus produtos e criar impérios ainda maiores e mais lucrativos. Não é coincidência que Ariana Grande, Kylie Jenner e Kim Kardashian figuram na lista de celebridades mais influentes do mundo, com alguns dos #publis mais caros notificados, cada uma com seus quase 300 milhões de seguidores no Instagram – números maiores que qualquer marca de beleza tradicional do mercado.
“O tal do segredo de beleza das celebridades ainda tem um certo apelo popular. Mas com as redes sociais, as próprias celebridades se distanciam desse lugar do aspiracional e do inatingível que já tiveram”, opina Vania Goy, “Acho que também existe uma diferença de posicionamento, das celebridades estarem mais próximas da nossa vida real, e não apenas vendendo uma solução aspiracional para uma vida glamorosa, como no caso da Gwyneth Paltrow e da Jessica Alba, que tem marcas consistentes, criadas há mais tempo”.
Luanda Vieira acredita que já passamos da fase de acreditar nos segredos de beleza das celebs: “Acredito que nós já passamos da época de querer ‘o segredo da beleza’ do outro. Acho perigoso esse discurso, mas admiro personalidades que entram neste mercado com o apoio de especialistas e muito estudo”.
Notando sua capacidade de influência e de vender produtos de terceiros para seu público, bem como a possibilidade de investir e gerenciar seus próprios negócios, essas celebridades unem o útil ao agradável. Criam produtos e publicidade para suas próprias marcas, sendo seus próprios influenciadores e tendo suas redes sociais (e as redes das marcas) como principal ferramenta de marketing e, para os nomes mais influentes da atualidade, isso basta.
As linhas e produtos de beleza se equivalem aos clássicos merchs – camisetas e moleton vendidos nos shows muito fortes nos anos 90 e 2000. Talvez, uma das grandes problemáticas disso seja o quanto estamos acostumados à imagem editada, maquiada e photoshopada dessas celebridades. Principalmente nas campanhas de suas marcas, que prometem resultados que nem mesmo as próprias atingiram apenas usando seus produtos. Afinal, (se ainda não o fazem) pelo menos antes de criarem suas próprias marcas, usavam produtos de terceiros para atingir seus looks de beleza.
Além disso, com todas as problemáticas ambientais que o setor da beleza está inserido, incluindo o extrativismo e geração de lixo e embalagens plásticas, é inevitável o questionamento: precisamos de tantas marcas de beleza? Ainda, por que celebridades engajadas em causas ambientais não parecem hesitar em criar suas próprias marcas sem grandes preocupações além de criar produtos vegan e cruelty-free?
Cortar o cordão umbilical da idolatria e admiração pelas celebridades preferidas é difícil. Mas será que é tempo de adquirirmos uma posição mais crítica quanto a seus posicionamentos e marcas?