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    “Perdi noites de sono e chorei o suficiente”, diz Regina Guerreiro
    “Perdi noites de sono e chorei o suficiente”, diz Regina Guerreiro
    POR Redação

    Na sua definição etimológica “entrevista” é uma palavra composta derivada do francês “entrevoir”, que foi transformada em verbo no século 16. Significa “encontro face a face”.

    Depois de muitas conversas sobre o tema, a equipe FFW decidiu que todo mês vai publicar uma entrevista relatando nosso encontro pessoal com figuras importantes para a moda e assuntos relacionados.

    Para um jornalista, a entrevista feita tête-à-tête ganha toda uma outra dimensão: são acionados o contato visual, o olfato, o tato, o paladar e a audição. Estar de corpo presente significa mergulhar, mesmo que seja por alguns minutos, no universo particular do interlocutor, aumentando em muitas vezes a intensidade da experiência. Na Era digital, queremos proporcionar aos internautas de todo o Brasil (e do mundo) um contato mais humanizado, mais intenso, com nossas fontes e personagens.

    Para dar início aos trabalhos, enviamos nossa colaboradora assídua Patrícia Favalle ao apartamento da papisa da moda. Entre escárnios e reflexões, a editora mais temida do Brasil confessa que já chorou o suficiente, revela que gostaria de “sair de cena” em grande estilo e, de quebra, libera seu e-mail pessoal para receber trabalhos de novos talentos. Com vocês, Regina Guerreiro.

    Andre Rodrigues
    Editor-geral

    regina-guerreiro-entrevista-patricia-favalle-FFWRegina Guerreiro na fila A da Osklen inverno 2010: sempre na fila A © Agência Fotosite

    O DIABO DE PÉS DESCALÇOS
    Engana-se quem pinta o diabo caricato. Para se vestir deste predicado, a papisa da moda Regina Guerreiro não abre mão da sofisticação e, claro, do exclusivismo de figurar entre as lendas vivas do cenário fashion

    Por Patrícia Favalle
    twitter.com/patriciafavalle

    Na dialética do pensador Nicolau Maquiavel, o respeito só pode ser conquistado pelo medo, pelo talento ou pela soma destes dois predicados. Num enredo passado no Brasil de décadas atrás, onde a mulher estava confinada ao segundo plano, trocar o conforto do home sweet home para se atrever no mercado de trabalho só poderia ser coisa de feminista apimentada: Regina Guerreiro veio mesmo pra ficar.

    À primeira vista, a elegância, a fala articulada e objetiva, e a altivez de seus passos a tornam mais inatingível do que realmente é. Por dentro de sua natureza intempestiva, inquieta e ousada – com touro em gêmeos –, ainda que ela confirme a vocação para debochar do óbvio, o mito é consumido por alguns sentimentos bem comuns aos simples mortais. “Perdi muitas noites de sono e chorei o suficiente para me fortalecer”, avisa.

    Dona de seus atos e também de suas escolhas, é o tempo que lhe parece artigo de luxo, e talvez por não domar [ainda] os ponteiros do relógio, ela seja tão intensa. No apartamento localizado no tradicional bairro de Higienópolis, em São Paulo, a anfitriã se sente à vontade num confortável caftan marroquino e de pés descalços, abandonando qualquer alusão aos sapatinhos Prada. Sem meias-palavras e outros pudores, ela abriu as portas ao FFW para contar como é ser Regina Guerreiro.

    Como você estreou na moda?
    Eu sou jornalista e na época trabalhava como assistente do Mario Donato fazendo pesquisas para a televisão. Depois fui para a revista “Manequim”, da Editora Abril. Embora toda a mulher goste de roupa e acredite que entenda de moda, eu achava uma coisa menor. Foi só quando vi o que acontecia num estúdio e o que podia ser feito com cada peça que me apaixonei. Era um momento muito saboroso. Ainda havia curiosidade e o desafio de fazer as coisas não serem tão evidentes.

    Evidentes?
    Sim, faziam-se coisas duvidosas. Depois que sai da Abril, criei a agência de moda batizada de Choc (o contrário de chic). Ali fui precursora; a primeira a falar da Lycra, a fazer um audiovisual [para a Rhodia], e tudo sem nenhuma experiência. Passado um período, estagiei na “Harper’s Bazaar”, circulei no mercado e só então assumi a “Vogue Brasil”, onde permaneci por 14 anos. Existia um campo enorme de realização e eu soube explorar esta ótica, mas precisei fugir do trenchcoat da Barbie e do Rolex poderoso, mostrando que a moda podia ser uma consequência do comportamento, de um desejo e até do poder econômico.

    O que você fez então?
    Apostei no “Barbante em vez do brilhante”. [Risos]. É claro que isso foi muito polêmico, pois a “Vogue Brasil” se dirigia a uma mulher que não concordava com isso. Foi difícil, as roupas eram horrendas e malfeitas, mas tenho certeza que fiz um trabalho de vanguarda e consegui mostrar a moda de um jeito novo.

    Não se fazia moda no Brasil…
    Acho que ainda não se faz! Mas naquele tempo não se fazia roupa, o que é ainda mais grave.

    E como resolveu isso?
    Sempre acreditei no close, e como a roupa era péssima, o negócio era focar a estampa, o detalhe. O primeiro editorial que fiz pra “Vogue Brasil”, com fotos do Miro, causou mal-estar na direção da revista. O Luís Carta me disse que estava desapontado – e eu entendi que estava no caminho certo.

    O que ainda há para ser feito?
    Tudo. Ninguém aposta na mulher atual. Parece que existe um medo coletivo de errar. A mulher do século 21 tem uma estética própria, mas os estilistas insistem em colocá-la como ícone de décadas anteriores, onde os contextos históricos já perderam o sentido.

    Como é esta mulher contemporânea?
    Ao contrário da liberação sexual, da revolução feminista e de tantos casamentos desfeitos por causa desta emancipação, estamos num período que, lamentavelmente, o corpo venceu a cabeça. O homem prefere a mulher bonita à inteligente. É preciso rever os conceitos. Esta nova mulher está no comando de grandes empresas, da família. Ela é independente, sensual, profissional e poderosa.

    A que você atribui esse culto ao corpo?
    Esta supervalorização é uma consequência da moda.

    E quando começou esse movimento?
    Nos anos 80… Só alguns estilistas japoneses, caso do Yohji Yamamoto e do Issey Miyake, tentavam mostrar o lado B do corpo: o impalpável, o indecifrável. Mas era “papo-cabeça” demais e, naturalmente, venceu a perua do Versace!

    Qual foi o impacto dessa vitória?
    O exagero.

    Como você descreveria a moda nos últimos trinta anos?
    Resumiria aos anos 80, quando aconteceram as últimas mudanças dignas de serem lembradas. A cada desfile saíamos impressionados, era um show. Dava pra dizer, “agora mudou isso ou aquilo”. Havia grandes experimentações, a exemplo do trabalho assinado pelo [Jean Paul] Gaultier. Depois veio o minimalismo, que se tornou uma porta sem saída desde a década de 90.

    E hoje, nada muda?
    O problema é justamente o oposto. Muda demais, muda tudo ao mesmo tempo. Virou um caos internacionalizado. Perdeu-se o gosto pelo indivíduo. O mundo se agrupou em fatias comportamentais, intituladas de tribos. E os sonhos se transformaram em números.

    Como explica isso?
    O comércio do mundo te empurra para esta dinâmica. Passei por uma experiência recente, onde eu tinha 8 mil reais para fazer uma camiseta que custaria 25 ou 30 reais no mercado. Com este saldo, o que sobra para investir numa área de criação ou em qualidade? Zero! A ideia é zerar o custo pra vender. Então funciona mais ou menos assim: os abastados compram na Daslu, a classe média fica infeliz pela falta de opção e os ascendentes das camadas mais populares ficam satisfeitos por comprarem na TNG!

    Quais as qualidades de um bom editor de moda?
    A paixão, a coragem e a teima de tornar cada momento o mais bonito possível. Não há lugar para os bonzinhos.

    Você era considerada uma pessoa muito exigente…
    E eu realmente era – e ainda sou. [Risos]. Demorei a aceitar certas diferenças, achava que as pessoas não acompanhavam o que eu queria e isso criava lacunas enormes. Claro que todo mundo quer ser amado, aceito e admirado. Foi muito complicado lidar com os julgamentos. Mas eu sobrevivi.

    Você ainda acredita no jornalismo e na crítica de moda?
    Acho que nem tudo está perdido. A geração que veio depois da minha tentou de todas as formas apagar o inapagável. Era uma época em que o jornalismo corria atrás da informação – nós íamos visitar as fábricas, os ateliês… Hoje, a notícia já vem pronta, embalada e entregue nas redações pelas assessorias de imprensa. Os críticos confundem o lado humano com o lado profissional e isso prejudica a análise daquilo que é apresentado na passarela. É necessário ter sabedoria para criticar. Desse segmento, o Alcino Leite [da Folha de S. Paulo] se diferencia pela bagagem cultural e refinamento textual.

    Quais os nomes que ainda vão dar o que falar?
    Entre os stylists, aposto no Maurício Ianês e na Paula Lang, que foi minha assistente na “Elle”. Nas passarelas, Calvin Klein ainda ditará muita tendência. Francisco Costa é outro que tem talento.

    Um pecado da moda?
    Transmitir sedução quando o momento exige credibilidade. Não dá pra colocar uma executiva com os seios pulando pra fora!

    Como é a mulher chic?
    É aquela que não tem medo de ser ela mesma. A roupa parte dela, não da tribo. Antigamente o chic era ser. Há cinco minutos o chic era ter. E agora o chic é aparecer. A mulher chic é a que consegue usar o barbante no lugar do brilhante, sem perder o estilo.

    Sustentabilidade combina com moda?
    Não. A moda requer adequação, mas não pode ser limitada.

    O Brasil virou hit?
    A grande invenção da moda brasileira foi a tanga indígena. Desde então o Brasil é venerado no exterior como a indústria do corpo perfeito. Mas como acontece em toda narrativa que contrapõe a inteligência a favor da beleza, o vazio imperou. Então acabamos rotulados e inferiorizados.

    Quem é Regina Guerreiro?
    Eu fui alguém muito solitária, que estudou num colégio de freiras e aprendeu a brincar com o imaginário. Fui preparada para ser dondoca, dona-de-casa exemplar. [Depois de uma breve pausa, ela prossegue em tom visceral]. Sou alguém de palavra, que acredita na fragilidade da magia e persegue a perfeição.

    Quais os seus projetos?
    Domar o tempo e escrever a minha biografia. Depois acho que sair de cena em grande estilo seria uma boa ideia. [Risos]. Hum, seria algo como me atirar no rio Sena com um vestido de altacostura!

    RAPIDINHAS:

    Paulo Borges. “Foi meu assistente. É alguém de uma visão incrível de mercado. O considero um businessman”.

    Paulo Martinez. “Ele usa até hoje as minhas técnicas, dobra a manga da camisa como eu ensinei, estufa a gravata. Dei a ele o meu olhar”.

    Alexandre Herchcovitch. “Sacudiu o mercado e já mostrou coisas incríveis. Tem talentos especiais, mas preferia quando ele vestia travestis”.

    Fause Haten. “É um amor de pessoa, mas considero a proposta dele confusa e duvidosa”.

    Ronaldo Fraga. “Adoro. É criativo, conceitual, visionário. Ele entende como o trabalho de moda deve ser feito, só falta uma pitada de ousadia, de corpo. A mulher do Ronaldo é pudica. Ninguém quer transar com esta mulher intelectual e sem graça”.

    Lino Villaventura. “Talentoso em termos de trabalhos artesanais e estudo de tramas. Mas ele não é estilista, é figurinista. A mulher que o Lino veste é impactante, teatral”.

    Gloria Coelho. “É uma batalhadora. A roupa dela é extremamente bem feita e atemporal. Ela tem estilo e bom-gosto”.

    Reinaldo Lourenço. “As pessoas mostram na roupa o que elas realmente são”.

    André Lima. “Quando ele fazia aquela mulher cheia de estampa e explosiva, havia certo charme. Agora, ele faz volumes estrambóticos e mal resolvidos. Gosto cada vez menos”.

    Dudu Bertholini. “Respeito muito do trabalho de pesquisa e as formas limpas que ele cria. Veste a melhor mulher-balneário do país”.

    Oskar Metsavaht. “É um homem curioso, que tem tiradas de simplicidade memoráveis. O moleton estruturado, por exemplo, foi a sensação da última temporada”.

    Isabela Capeto. “O começo foi um desbunde, agora não dá mais. O forte dela é a decoração, mas ela vende bem no exterior”.

    Novos talentos. “Os novos nem chegam a desfilar suas coleções. É um mercado restrito. Gostaria muito de ter acesso a essa gente (pode colocar o meu e-mail: rgmguerreiro@gmail.com). Já entre os mais jovens, o Jefferson Kulig me parece interessante. Preciso conhecer mais de perto o que ele leva pra loja, por que geralmente não gosto daquilo que ele apresenta na passarela”.

    Gisele Bündchen. “Versátil, mas não consigo entender essa ligação dela com determinadas marcas”.

    Modelo-revelação. “Parei na época das grandes divas, como a Linda Evangelista. Hoje as meninas são todas loiras, de olhos azuis, muito magras e sem graça”.

    Chic era ser… “Como a ex-primeira-dama Maria Teresa Fontela Goulart”.

    Ser Regina Guerreiro é… “Poder tudo”, responde seu assistente, Ray Mendel, acenando para o fim da entrevista.

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