Em abril, Edward Enninful foi nomeado o novo editor-chefe da Vogue britânica, substituindo Alexandra Shulman, que deixou o título em janeiro. Como esperado, logo apareceram mudanças: no mês seguinte, Lucinda Chambers, diretora de moda da revista há 25 anos (integrando a equipe há 36), anunciou que deixaria seu posto – e não foi bem assim. Na ocasião, Shulman disse que Chambers não só foi uma colaboradora criativa maravilhosa, como também uma grande amiga durantes os 25 anos que editou a publicação.
“Como diretora de moda, ela produziu alguns dos editoriais mais influentes e inspiradores do mundo, assim como muitas de nossas capas mais notáveis”, analisa Shulman. “É impossível ter sua visão, compromisso, imaginação e capacidade de evocar o que cada um tem de melhor na equipe”, continua, complementando que está ansiosa para ver quais serão os próximos capítulos de sua história.
Um desses capítulos foi divulgado neste mês, quando Lucinda concedeu uma entrevista ao site da Vestoj, revista de moda acadêmica anual, que gerou reboliço entre fashionistas em plena semana couture. “A moda pode te mastigar e cuspir”, ela disse à Anja Aronowsky Cronenberg, fundadora e editora-chefe da Vestoj. O título, que não possui anunciantes, tem como objetivo gerar pensamento crítico no que diz respeito à indústria da moda, aliando teoria à prática – isto é, um olhar acadêmico que analisa a indústria.
A entrevista foi publicada semana passada, no dia 03.07, e removida no mesmo dia – o que não foi muito eficaz, visto que alguns já haviam capturado partes da entrevista e as divulgado na rede em questão de minutos. Em todo caso, a matéria foi publicada novamente – leia aqui.
“Devido à natureza sensível deste artigo, tomamos a decisão de removê-lo temporariamente, mas já o republicamos na íntegra”, explicou Aronowsky no e-mail ao The New York Times. “As razões pelas quais removemos estão diretamente relacionadas à pressão da indústria que Lucinda se refere na entrevista. Como sabem, raramente as revistas de moda são independentes porque sua existência depende de relacionamentos com instituições poderosas”. Um dos principais motivos pela republicação da entrevista, segundo Aronowsky, é desencadear importantes discussões sobre a mídia de moda.
Isso porque Chambers compartilha sua visão nua e crua sobre o mercado de moda atual baseando-se na própria bagagem, tanto nos anos em que atuou na Vogue como na Marni, onde já trabalhou quando a grife ainda era detida pelos Castiglionis (hoje faz parte do guarda-chuva do grupo OTB, de Renzo Rosso), à época a “empresa mais autêntica” que já trabalhou.
Suas falas suscitaram reflexão para alguns e desconforto para outros. A britânica assumiu que não foi ela quem deixou a Vogue, mas Enninful que a demitiu inesperadamente, o que foi uma surpresa até mesmo para a equipe.
“Tudo ocorreu em menos de três minutos”, ela divide. “A editora com quem trabalhei por 25 anos não fazia ideia de que eu seria demitida, tampouco o setor de RH – até mesmo o presidente [Jonathan Newhouse, da Condé Nast] me falou que não tinha conhecimento do que viria acontecer. Ninguém soube, exceto o homem que o fez – o novo editor”, diz, referindo-se a Enninful, que convidou a fotógrafa Venetia Scott para ser a nova diretora de moda, além de Grace Coddington, Naomi Campbell e Kate Moss como editoras contribuintes (essas falas foram as únicas excluídas da entrevista, a pedido da Condé Nast e de Enninful, pois ambos alegaram que tais informações são completamente incorretas, e que a decisão tomada teve o conhecimento de toda a equipe responsável).
Foi um almoço com a amiga que a fez pensar: por que não falar a verdade? Durante o encontro, sua amiga a orientou para não ficar falando por aí que fora demitida, pois, para ela, é isso que se torna a “história” – e não os 30 anos que atuou na Vogue. “Eu não quero ser essa pessoa, corajosa em dizer ‘oh, eu decidi deixar a empresa’, quando, na verdade, todo mundo sabe que você foi demitido”. Chambers se pergunta por que não comemorar o fracasso, afinal, ele ajuda a crescer e se desenvolver cada vez mais.
Feliz pelos anos em que atuou como diretora de moda da publicação, ela mesma aponta algumas vezes em que falhou, a exemplo da capa da Vogue do mês passado, estrelada por Alexa Chung usando uma camiseta “estúpida” de Michael Kors – fato que ela permitiu porque o americano é um grande anunciante da revista, o que a deixou sem opções. “Na moda, não é permitido falhar – especialmente nessa era das mídias sociais, quando tudo se baseia em levar uma vida incrível e bem-sucedida. Hoje, ninguém pode falhar, e a perspectiva causa ansiedade e terror”.
Segundo ela, é uma pena que as revistas de moda tenham perdido a autoridade que outrora tiveram. Aliás, são pouquíssimas as que fazem o leitor sentir-se empoderado(a). Ao contrário, ela acredita que a maioria das publicações desperta mesmo ansiedade nos leitores, por eles não terem aquela roupa, ou frequentar aquele jantar daquelas pessoas.
“Verdade seja dita, eu mesma não leio Vogue há anos. Talvez por ter acompanhado tudo de perto depois de trabalhar lá há tanto tempo, mas acho que nunca levei um estilo ‘Vogue’ de vida. As roupas [publicadas na revista] são irrelevantes para a maioria das pessoas – são ridiculamente caras. O que as revistas querem hoje é o novo, o exclusivo”, confessa. “Na moda, estamos sempre tentando fazer as pessoas comprarem algo que não precisam. Não precisamos de mais bolsas, camisas ou sapatos”, conta ela, que acredita que uma revista de moda deve, sim, ser ambiciosa, mas que gostaria muito de ver uma revista ambiciosa, porém útil.
Enninful preferiu não comentar. Já a Condé Nast divulgou um comunicado oficial dizendo que “é normal que um novo editor faça algumas mudanças na equipe” e que “todas as mudanças são feitas com o pleno conhecimento dos responsáveis pela publicação”.
Aos 57 anos, Chambers agora se sente vulnerável ao pensar na próxima temporada de moda, em setembro. Para ela, semanas de moda geram expectativas e ansiedade. “Será que ainda recebo o convite para algum desfile? Em que lugar irei sentar? Não tive que pensar sobre isso por 25 anos”, conta. “A maioria das pessoas que deixam a Vogue sentem que são menores do que a revista, e o fato é que você nunca é maior do que a empresa para a qual trabalha. Mas agora tenho uma ideia nova e, se tudo der certo, talvez não me sinta tão vulnerável depois de tudo isso. Teremos que esperar para ver”.