Por Felipe Vasconcelos
Não tem sido difícil esbarrar em imagens de moda onde uma mensagem selvagem, crua e pesada, por vezes até perturbadora se apresenta. Do streetstyle de Julia Fox até os desfiles de Rick Owens e em uma versão mais limpa, clara e até otimista na coleção Resort 2023 da Louis Vuitton, o brutalismo tem dado muitas das cartas no design de moda, na arquitetura e até no showbizz.
A ARQUITETURA BRUTALISTA
O movimento brutalista tem início na arquitetura e se desenvolveu plenamente entre as décadas de 1950 e 1960 com a premissa de ser uma resposta radical às firulas da arquitetura predominante até então. Essa corrente tinha o intuito de não mais mascarar arquiteturas e mostrar as suas “verdades” ainda que essas verdades arquitetônicas fossem “brutas”, abdicando de adornos e itens acessórios que prédios e estruturas pudessem ter visando principalmente a funcionalidade em detrimento da estética.
O contexto entre guerras também contribuiu para a formação da estética brutalista. À época, a construção civil não dispunha de tantos recursos e beirava a escassez de muitos materiais. Essa estética priorizava obras simples, de rápida edificação e funcionais ainda que o resultado final e visual desses projetos fossem austeros e por vezes pesados ao olhar onde o concreto, primordialmente mas não somente, fazia par com paredes de tijolos e materiais expostos, colunas com acabamentos simples e a predominância de materiais com ares de espaço industrial como chapas de metal, vidro e madeira rústica.
Por vezes incompreendido na época de sua criação e consolidação, e até fora dela, o brutalismo hoje é visto como aliado de uma estética minimalista, que prioriza o dinamismo dos espaços, a funcionalidade dos objetos e a praticidade não como opção, mas enquanto obrigação e uma aura de mistério, incerteza. A necessidade de se mostrar o que se é de fato acaba sendo uma opção de muitos e uma alternativa à autenticidade em tempos ainda tão incertos e por muitas vezes obscuros.
O BRUTALISMO DAS EDIFICAÇÕES À MODA
É interessante e quase automático ver o brutalismo como uma estética que simboliza apenas finais e vislumbres de tragédia e de caos, mas muitos designers conseguem ampliar essa visão brutalista de fim também para uma ideia de recomeço. Em um contexto pandêmico de ondas de fins e recomeços, não é difícil perceber como a moda responde à esses cenários. Um dos maiores ícones do brutalismo na moda, Rick Owens demonstra bem nas suas coleções e na sua vida essa interligação. O designer possui uma casa em Paris que, originalmente, foi sede do Partido Socialista Francês. Ela ficou desocupada por vinte anos até ser comprada pelo designer que fez poucas modificações, mantendo apenas pisos e colunas em concreto e recebendo itens de mobiliário – mesas, poltronas e cadeiras couro, madeira e ferro cromado, também assinados por Rick.
Em seus desfiles de Verão e Inverno 2022 até a coleção masculina de Verão 2023, o designer apresentou peças que inicialmente persistem no simples, no bruto onde o corpo não se desenha inicialmente como corpo, mas assume silhuetas retas que vão coexistindo junto à esboços sinuosos construídos com capas de tule e transparências que mostram – mas não tanto, a verdade, como quem ainda se esconde em jaquetas largas e estruturadas em couro mas se dispõe em algum ponto do caminho a uma fluidez e uma maleabilidade de um acabamento em crochê ou uma malha de tricô com pontos largos e irregulares.
Já a coleção Resort 2023 da Louis Vuitton assume completamente formas brutalistas mas de jeito fantástico e bem menos obscura, onde guerreiras espaciais são o prelúdio de um novo começo. Apresentada no Salk Institute, na Califórnia, um complexo de prédios de estética brutalista construídos em 1965 onde hoje são realizados estudos na área de neurociência e imunologia, a coleção passeia por imagens de tribos nômades, desenhos de armaduras e silhuetas de inspiração monárquicas para vislumbrar um futuro que parte de uma ideia de fim com a atmosfera que o espaço proporciona.
DAS PASSARELAS PARA O MUNDO
Hoje em dia, as referências ao Brutalismo estão presentes das ruas ao showbizz. A estética vem moldando toda uma geração que nasceu sob o advento das grandes inovações tecnológicas e da informação, mas também vivenciou o isolamento social, a grande e crescente necessidade pela busca de si e da saúde, não somente física mas mental. Soma-se a isso, a grande necessidade de que o ser humano tem por essência de expressar seus desejos, ideias e até da sua sexualidade. Tribos urbanas vestem bodies recortados e hiper colados ao corpo à la Mugler, meias arrastão rasgadas que flertam com a estética punk e também com o fetishcore se transformam ao fazer par com jeans lavados de modelagem ampla ou couro, que muitas vezes são coroados com as alças de uma tanga que se sobressai conferindo uma ousadia até desconcertante. Vale lembrar que gênero aqui não se discute.
Na recém lançada Chromatica Ball Tour de Lady Gaga, que vislumbra o planeta Chromatica que começa e se ambienta de um fim, um palco construído com blocos cinzas faz referência direta às constuções brutalistas. No decorrer do show os telões passam a receber as cores e brilhos da performer. Já a Motomami Tour, de Rosalía, leva à sério a vertente minimalista, tanto em figurinos quanto no design do palco, onde grandes telas brancas e cores primárias dos figurinos dão o tom – até simples – do espetáculo, que mostra muita personalidade e nada de artifícios. O brutalismo funcional nesse sentido é só um suporte, um complemento para que se destaque objetivamente o que é necessário: a música e a arte.
Com tudo à mostra e em uma proposta moderna que preza o ser e a existência de si o brutalismo nos dá boas noções de que, do concreto armado até o corpo exibido abaixo de formas cruas, a função do ser se sobressai. E de que o fim talvez não seja tão fim, não seja tão caos, mas sim espaços para descobertas, ousadias e até novos começos.